“O enfrentamento da manipulação de resultado passa por um aspecto fundamental que diz respeito à informação e educação para os atletas. Educação no sentido de explicar o quanto o processo de manipulação de resultado pode ser danoso para a carreira do atleta e pode ser danoso para o esporte.”
Começo a minha coluna deste mês com essa frase de José Francisco Manssur, assessor especial do secretário executivo do Ministério da Fazenda do Brasil, coautor do texto da lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) e que hoje atua na autoria da lei que definirá a regulamentação das apostas no Brasil. O compartilhamento da sua visão, com exclusividade para a audiência da Máquina do Esporte, traz muito do que devemos debater e colocar esforços e recursos com foco em desenvolver ações efetivas pautadas em proteger o futebol como um todo e, essencialmente, as carreiras dos atletas, que carregam em si não somente seus sonhos pessoais, mas o investimento, trabalho e esforço de todo o ecossistema que participou da sua jornada. Portanto, trata-se de um tema que envolve aspectos de responsabilidade com pessoas (atletas) e com o negócio (futebol).
Manchetes como “Paquetá pode ser banido do futebol caso envolvimento com apostas seja comprovado”; “Ygor Catatau, Gabriel Tota e Matheus Phillipe receberam suspensão definitiva pela Fifa após desdobramentos da Operação Penalidade Máxima”; e “Em julgamento no STJD, Romário foi banido do futebol e Gabriel Domingos, suspenso” não deixam dúvida sobre a urgência e a relevância de pensarmos nos melhores caminhos para tratar os impactos negativos da manipulação de apostas no futebol mundial e, especialmente, como foco da nossa pauta, no futebol brasileiro.
Podemos pensar na relevância do tema por vários aspectos: o crime de manipular resultados; a falta de lealdade com torcedores e com o time que o atleta representa; e o envolvimento com atos desonestos, que podem resultar em escândalo e, portanto, grande dano na marca pessoal do atleta e das marcas envolvidas: clube, patrocinadores e empresa/gestor da carreira do atleta. Mas escolhi abordar o aspecto da prevenção a partir da necessidade de educar e desenvolver o atleta.
Para corroborar com a visão sobre a necessidade de colocar a formação do atleta no centro desse tema, José Francisco Manssur ressaltou que “as pessoas que procuram os atletas para manipular resultados sempre oferecem o ganho rápido, o ganho fácil, mas em troca o atleta pode estar dando a sua própria carreira, sua credibilidade e tudo o que ele construiu ao longo de anos de sacrifício para chegar no momento em que ele está. Essa orientação começa certamente na orientação dos atletas de base. É ali que os clubes, as entidades de administração e o próprio governo devem atuar para orientar esses atletas da base sobre os riscos e os perigos de entrar num processo de manipulação de resultados. Educação é a base. Informação é a base”.
Manssur ainda chamou atenção para o fato de que “o governo deve incentivar que esse tipo de diálogo e orientação seja feito mais e mais e que o atleta de formação seja priorizado nesse processo”.
Fica então a reflexão sobre incluir esta importante pauta no processo de formação dos atletas e fazer isso desde as categorias de formação. O papel do governo é parte importante nesse processo, especialmente no desenvolvimento de leis que regulem a atividade, porém, sob o ponto de vista de gestão, não devemos delegar a responsabilidade e ignorar os impactos sobre o futebol, nosso ativo tão precioso, paixão nacional, negócio bilionário que impacta inúmeras marcas e empregos além da carreira de milhares de atletas. Logo, trata-se essencialmente de desenvolver estratégias eficazes que façam parte da formação do atleta.
Nesse momento, pode haver quem esteja pensando que apostas não devem ser permitidas e, portanto, a proibição é o caminho. No entanto, convido-os à reflexão sobre a eficácia desse pensamento racional para a realidade do esporte.
Guilherme Buso, executivo da Genius Sports e diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (Abradie), além de colunista da Máquina do Esporte, também com exclusividade para esta coluna, fez uma colocação importante ao dizer que “a aposta é uma realidade global. É uma realidade do Brasil. O esporte está inundado por casas de apostas todos os dias nas mídias. O Brasil é impactado por casas de apostas, das mais tradicionais às mais novas”. Ele ainda chamou atenção para o fato de que “não podemos esperar que a lei venha. Até porque as apostas fazem parte da realidade do esporte há muito tempo. Então, as entidades esportivas, as associações de jogadores, os clubes, federações e ligas devem ter o papel proativo de trabalhar na educação, sem depender apenas do monitoramento”.
Guilherme também falou sobre os três pilares que a Abradie defende.
“O primeiro é a tecnologia, monitoramento das apostas em tempo real, não só no Brasil, mas no mundo todo. O uso da tecnologia é fundamental para que se tenha um trabalho de inteligência em todas as apostas que são feitas no esporte.
O segundo é a conscientização e educação. É necessário que atletas e todos os envolvidos no esporte entendam a importância e a relevância da aposta esportiva e como isso funciona. Vemos claramente nas declarações recentes de jogadores envolvidos em manipulação de resultados o tanto que o ‘amarelinho’ e o escanteio não geram tanta preocupação em evitar ou não eram vistos como algo de manipulação, enquanto na verdade são. A gente começa a usar o termo ‘manipulação de ações’, que não é o resultado em si.
E o terceiro pilar é o do trabalho jurídico, de regulamento, que tem que ser feito, e a Abradie defende a utilização de boas práticas que já são utilizadas no mundo. A maturidade do mercado brasileiro vai chegar com o tempo, e o trabalho já está começando, seja através da regulação, seja através de atitudes pontuais das federações.”
Finalizo esta coluna com a reflexão sobre os papéis nesse processo de prevenção à manipulação de resultados. Dentro de um clube, com quem fica essa responsabilidade? Sugiro que a visão seja transversal e sistêmica, de tal forma que todas as etapas do processo de desenvolvimento do atleta assumam parte da responsabilidade de educar, informar, observar comportamentos e, com isso, prevenir o envolvimento de atletas com esse tipo de crime.
Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte