Opinião: Patrocinadores, e não entidades esportivas, forjam nova revolução no esporte

Em seu livro “Soccernomics”, o jornalista Simon Kuper e o estatístico Stefen Szymanski afirmam que as grandes revoluções do futebol são forjadas de fora para dentro. Ou seja, não são os gestores de clubes e federações que pensaram e implantaram as principais inovações do setor. Foram agentes não diretamente envolvidos na administração do esporte.

Uma dessas revoluções pode estar sendo forjada neste momento na Bélgica e na Holanda, ambas classificadas para a Copa do Mundo do Catar 2022. Mas a ação não vem das respectivas federações nacionais da modalidade, e sim de seus patrocinadores.

Na Bélgica, ING (banco e seguradora), Cote d’Or (marca de chocolate), Carrefour (rede de supermercados), GLS (empresa de logística) e Jupiler (fabricante de cerveja) divulgaram que rejeitarão suas cotas de ingressos para o Mundial da FIFA, em novembro.

Na vizinha Holanda, o movimento é replicado pela ING, parceira da Laranja Mecânica. A empresa comunicou que não usará imagens da Copa do Mundo em publicidade, o que é algo surpreendente, visto que a marca é quem mais investe dinheiro na parceria comercial com a seleção holandesa e possui a propriedade de patrocinadora máster da equipe.

Além dela, o boicote foi reforçado pelas outras apoiadoras do time: KPN (telecomunicações), Albert Heijn (rede de supermercados), Bitvavo (plataforma de criptomoedas) e Nederlandse Loterij (loterias). Todas abriram mão de fazer promoções relacionadas à Copa e também não levarão clientes ao Catar.

A razão para o boicote? Uma expressão que causa constrangimento à FIFA desde que o país do Oriente Médio foi escolhido como sede, em 2010: direitos humanos.

“Patrocinamos os Diabos Vermelhos e acreditamos no poder do esporte e na oportunidade que ele oferece para criar respeito e inclusão para todos. Reconhecemos nossa responsabilidade de respeitar os direitos humanos e acreditamos que o mundo é um lugar melhor quando os direitos humanos são respeitados”, defendeu a Jupiler, em comunicado oficial, fazendo um apelo aos organizadores da competição: “Mais pode ser feito”.

A GLS reforçou a ideia dizendo acreditar que “esta Copa do Mundo não deve ser usada para fins comerciais”.

A ING, por sua vez, ratificou o chamamento dizendo que sua posição foi tomada diante da preocupação com a questão dos direitos humanos no Catar. Por isso, absteve-se de lançar qualquer publicidade relacionada ao país-sede da Copa. A empresa apenas manterá seu logotipo nas camisas de treino e nos backdrops das áreas de entrevista.

Os posicionamentos de Jupiler e Carrefour têm grande simbologia. A cervejaria é subsidiária da AB InBev, cuja marca Budweiser é patrocinadora da Copa do Mundo. Já o Carrefour possui operações no Catar há mais de 20 anos e emprega quase 2 mil pessoas no país.

Segundo uma reportagem de 2021 do jornal “The Guardian”, mais de 6.500 operários morreram nas obras de infraestrutura da Copa do Mundo. O governo do Catar contesta essa informação, mas novas denúncias têm sido feitas por ONGs como a Anistia Internacional. Recentemente, um dos responsáveis pela segurança no país disse que não seria permitida a bandeira do arco-íris, símbolo do movimento LGBTQIA+, nos estádios da Copa por ofender a sociedade local.

Empresas patrocinam o futebol interessadas em relacionar seus valores com os do esporte. Denúncias de mortes de trabalhadores, desrespeito aos direitos humanos e repressão à diversidade seguramente não são plataformas ideais para se comunicar com os consumidores.

Adalberto Leister Filho é repórter da Máquina do Esporte

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