Somos o país do futebol, não há dúvida sobre isso. Basta observarmos a paixão dos torcedores, o número de arenas feitas para a modalidade e as vinculações na mídia associadas ao esporte para termos certeza de que o brasileiro ama futebol. Mas outras categorias de esporte também têm o seu espaço no coração da população, como basquete, vôlei, handebol, rugby e tantas outras. No fundo, nós adoramos esportes.
Há, inclusive, uma categoria de esportes que vem crescendo no Brasil, tanto em número de adeptos e praticantes quanto na audiência. Trata-se dos esportes da mente, que estão conquistando as telinhas dos celulares, as telonas das televisões e o coração dos brasileiros.
Os esportes da mente compartilham com as modalidades tradicionais a atividade competitiva, a existência de regras fixas, o fair play e a possibilidade de se alcançar um objetivo definido. Tudo isso faz deles o que chamamos de esporte. Mas, diferentemente de outras modalidades, os esportes da mente desenvolvem o raciocínio lógico, o pensamento estratégico e as habilidades intelectuais que exercitam a agilidade do nosso cérebro para melhores tomadas de decisão.
Os esportes mentais são representados pela Associação Internacional de Esportes da Mente (International Mind Sports Association, ou IMSA, na sigla em inglês), fundada em 2005. Seus membros afiliados incluem federações conceituadas como a World Bridge Federation (WBF), International Federation of Chess (Fide), World Draughts Federation (WDF), Mahjong International League (MIL), International Go Federation (IGF), World Xiangqi Federation (WXF), International Esports Federation (Iesf) e Federation of Card Games (FCG). E, desde o final de 2024, engloba também a Federação Mundial de Pôquer (WPF, na sigla em inglês).
Assim, graças ao protagonismo brasileiro à frente da WPF, cuja sede mundial é em São Paulo (SP), o pôquer foi reconhecido oficialmente como um esporte da mente, dividindo o campo com xadrez, bridge e damas, entre outros. Segundo a diretoria da WPF, o futuro será de estabelecimento de regulamentações padronizadas, definição clara de caminhos profissionais, proteção de jogadores e promoção de competições internacionais.
Para a Confederação Brasileira de Texas Hold’em, o reconhecimento como esporte da mente possibilitará novas oportunidades para a expansão da profissionalização de seus praticantes, maior crescimento no universo esportivo e também maior atração de patrocinadores e parceiros.
Mas não é de hoje que os praticantes de pôquer o reconhecem como um esporte estratégico e de extrema habilidade. Já há algum tempo temos certeza de que o pôquer merecia o seu lugar entre os esportes da mente. O matemático israelense Noga Alon, em um artigo de 2007, intitulado “Poker, chance and skill” determinou matematicamente que o pôquer é um jogo de habilidade, ao provar que a chance de uma pessoa menos habilidosa vencer um jogador mais habilidoso no longo prazo é de 0,016%.
Para muito além do blefe, o pôquer desenvolve competências essenciais como capacidade analítica, tomada de decisão sob incerteza, avaliação de riscos e pensamento estratégico. A capacidade do jogador de avaliar o ambiente, compreender as ações e blefes dos oponentes e analisar as apostas são o trunfo para se tornar um grande jogador e, ao mesmo tempo, permitir o desenvolvimento de habilidades que ajudam na preparação para o mundo dos negócios.
Os empresários e empreendedores de sucesso analisam o ambiente em busca de oportunidades, avaliam de forma criteriosa a concorrência e buscam se posicionar no mercado de forma consistente por meio de suas vantagens competitivas. Todas estas são competências fundamentais para os profissionais em um mundo em constante mudança. Os esportes da mente em geral, e o pôquer especificamente, podem ser um laboratório para o desenvolvimento e a avaliação de competências empresariais.
Não é à toa que uma das maiores empresas de investimentos do mundo, a Susquehanna Internacional, tem estimulado seus funcionários a jogarem pôquer de forma regular. A corretora já incorporou a modalidade em seu processo de trainee. Para Jeff Yass, cofundador da Susquehanna, o jogo ensina os jovens trainees a assumirem riscos calculados, tomarem decisões com informações limitadas e agirem sobre pressão, competências que serão essenciais para seus resultados nos mercados financeiros e de capitais.
Assim como os profissionais do mercado financeiro, a percepção aguçada dos jogadores de pôquer, com suas avaliações de cenários e probabilidades, direciona-os para tomadas de decisão baseadas nas expectativas de resultados das diferentes ramificações de suas árvores de decisão, considerando os riscos envolvidos.
Estas conclusões são corroboradas pelo artigo “Hedge Fund Hold’em”, publicado em 2019 no Journal of Financial Markets. Segundo os pesquisadores, os gestores de fundos de hedge que se saem bem em torneios de pôquer apresentam um desempenho na gestão de suas carteiras significativamente melhor. Em outras palavras, o artigo sugere que as habilidades do pôquer estão correlacionadas com as habilidades de gestão de fundos de risco.
De olho no desenvolvimento destas competências, algumas universidades no mundo e também no Brasil desenvolveram disciplinas voltadas aos esportes da mente. A Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) possui uma disciplina eletiva de Teoria do Pôquer aplicada às áreas de negócios e dados. O foco é na melhoria do processo analítico e de tomada de decisão em ambientes complexos e altamente interativos.
Portanto, o pôquer pode, sim, ser um laboratório para o desenvolvimento pessoal e profissional. Além dos benefícios associados ao relaxamento, ao bem-estar mental e à sociabilização, a modalidade aprimora a análise estratégica, desenvolve a memória e a identificação de padrões, e ainda aguça as habilidades de resolução de problemas.
Alexandre Gaino é professor de Análise de Conjuntura e Economic Simulation (Simulação Econômica) no curso de Administração de Empresas da ESPM