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Por que a Geração Z enxerga o esporte de forma diferente e o que isso muda no jogo do consumo

Não é a Geração Z que está distante do esporte; é o esporte que ainda está preso a um modelo sólido, enquanto a nova geração já joga em outro campo, com regras mais líquidas

Uso da tecnologia para consumir esportes tem sido cada vez mais comum entre os jovens da Geração Z - Reprodução

Durante décadas, o marketing esportivo apostou em uma fórmula simples: paixão, lealdade e repetição. Era quase automático: se alguém torce, consome. Só que essa lógica começou a falhar. E a culpa (ou o mérito) tem nome: Geração Z.

Nascidos a partir de 1997, esses nativos digitais cresceram em um ambiente onde tudo é rápido, customizável e mutável. O esporte, que sempre foi visto como uma arena de lealdades duradouras, hoje precisa disputar espaço com o algoritmo, o streaming e o TikTok. Mas o problema não está no “desinteresse”. Está no novo código de consumo que essa geração impôs.

O torcedor virou consumidor fluido.

Inspirado na ideia de modernidade líquida de Zygmunt Bauman, o consumidor fluido rejeita vínculos rígidos e prefere relações leves, estéticas e contextuais. Ele não é infiel; ele é seletivo. Sua fidelidade não é histórica; é simbólica. Ele não quer “ser do time”; ele quer “fazer parte da história”.

Quando Lionel Messi trocou o PSG pelo Inter Miami em 2023, milhões de jovens passaram a acompanhar o clube norte-americano. Não foi por amor à camisa, mas pela narrativa do craque argentino, amplificada nas redes sociais. A lealdade se deu à trajetória e ao ídolo, não ao escudo. E esse não é um caso isolado. Segundo a Associação de Clubes Europeus (ECA, na sigla em inglês), torcedores entre 16 e 24 anos tendem a apoiar clubes com base nos jogadores que os representam, em vez de vínculos tradicionais com os times.

LEIA MAIS: Os ídolos estão reinventando a forma de torcer

Além disso, a pesquisa “Faces do Esporte”, da MindMiners, mostrou que 56% da Geração Z consome conteúdo esportivo via redes sociais, superando a TV aberta, com 54%. O engajamento não se ancora em calendários fixos, mas em momentos virais, drops de emoção, narrativas simbólicas. Um golaço postado no Instagram pode ter mais impacto que uma final transmitida ao vivo.

Para essa geração, o consumo é expressão de identidade, não de hábito. E o esporte, quando não acompanha essa lógica, perde apelo. A Geração Z não compra ingresso só para ver o jogo; compra para se ver ali. Estar presente é performar, criar conteúdo, viver uma experiência que se encaixa na própria estética digital. Eles esperam diversidade nos rostos que aparecem, campanhas que defendam causas que acreditam e ambientes onde possam se expressar. O time pode até vencer, mas, se não tiver posicionamento, perde valor. Não é sobre ganhar ou perder; é sobre pertencer, do seu jeito, no seu tempo.

Em 2023, Vinicius Júnior se tornou símbolo global de combate ao racismo após ser alvo de insultos na Espanha. A luta do atacante brasileiro ganhou amplitude nas redes sociais, com apoio massivo da Geração Z, culminando no Prêmio Sócrates, recebido durante a cerimônia da Bola de Ouro. É esse tipo de narrativa que move esse público. Segundo o Grupo Consumoteca, 64% dos jovens acreditam que o futebol precisa se posicionar contra o racismo e a homofobia, e 27% afirmam que abandonariam um time envolvido em escândalos de preconceito.

O ambiente de consumo também mudou. Para a Geração Z, o esporte não acontece só no estádio ou na TV. Acontece no Instagram, no YouTube Shorts, na Twitch, no TikTok. A viralização de um drible ou de uma dancinha vale mais que a audiência consolidada de um jogo. Na Copa do Mundo de 2022, disputada no Catar, por exemplo, a Fifa permitiu que fãs brasileiros acompanhassem os jogos da seleção na Twitch, com narração do influenciador Casimiro Miguel. Milhões de jovens assistiram por ali, não só pelo jogo, mas pelo formato participativo, espontâneo e visualmente familiar.

A Deloitte confirma essa tendência: 90% da Geração Z nos EUA consome conteúdo esportivo pelas redes sociais, enquanto apenas 58% ainda assistem a eventos ao vivo. E mais: 80% preferem ver tudo pelo smartphone. Esporte, para eles, é conteúdo sob demanda. Precisa caber na palma da mão, com estética, propósito e verdade.

A Geração Z não é desleal. Ela é crítica. Exigente. E profundamente imersa nos ecossistemas digitais. Ela exige autenticidade, narrativa e flexibilidade. Quer decidir como se relacionar com o esporte e sem pedir permissão.

Para a indústria, o desafio não é só entender esse novo torcedor. É agir de acordo. A NBA, por exemplo, lançou o NBA ID, plataforma que permite aos fãs personalizarem suas experiências digitais com conteúdos sob medida, baseados nos seus interesses e nos seus jogadores favoritos.

O Arsenal, por outro lado, abriu uma votação nas redes sociais para que os torcedores escolhessem o design de um uniforme especial. E a resposta foi imediata: engajamento recorde e um uniforme com a cara da torcida.

A Fórmula 1 usou inteligência artificial (IA) para oferecer melhores momentos (“highlights”) personalizados no app F1 TV, adaptando o conteúdo ao perfil de cada fã.

E o PSG, em parceria com a Nike, transformou camisas de futebol em peças de moda urbana (“streetwear”) altamente desejadas pela Geração Z, mais “fashion week” que final de campeonato.

Segundo um estudo da PwC para a LaLiga, jovens com menos de 24 anos na Espanha estão mais dispostos a pagar por experiências personalizadas do que a assistir a jogos completos na TV. O que importa não é o placar; é a vivência.

Essa geração não voltará atrás. E, diferentemente do que muitos pensam, ela não está desconectada. Pelo contrário: ela está hiperconectada. Só que com filtros, códigos e expectativas que o modelo tradicional do esporte ainda não entendeu.

O Torcedor Z não quer ser fidelizado; quer ser reconhecido. Não quer camisa eterna; quer drops, drops e mais drops, com storytelling, estética e propósito. Não quer só torcer; quer participar, remixar, questionar.

E, se não gostar, simplesmente muda de aba.

No fim das contas, não é a Geração Z que está distante do esporte. É o esporte que ainda está preso a um modelo sólido, enquanto a nova geração já joga em outro campo, com regras mais líquidas.

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Fernando Fleury é CEO da Armatore Market+Science, PhD em Comportamento do Consumo e trabalha com inovação e tecnologia para criar novos modelos de negócios para a indústria com a construção de soluções avançadas e modelos preditivos usando inteligência artificial, aprendizado de máquina e ciência de dados para entender o ciclo de vida dos produtos, criar novos produtos e identificar e rastrear clusters a fim de aumentar a receita, o público e o envolvimento dos fãs

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