Quem ganha com a desunião dos clubes?

Torcida do Fluminense marcou presença no Maracanã para o duelo contra o Red Bull Bragantino, no último sábado (13), dia de abertura da Série A do Brasileirão Betano 2024 - Rafael Ribeiro / CBF

A notícia que agitou os bastidores do futebol às vésperas da abertura do Campeonato Brasileiro foi a decisão, dos clubes do interior paulista, de saírem da Libra e debandarem para a Liga Forte União (LFU).

Times que não figuraram na última década dentro da elite do futebol nacional, eles não mudam tanto o prato da balança já desequilibrada das duas “ligas” que dizem defender os interesses dos clubes na venda comercial do Brasileirão.

Mas a troca de lado desses clubes, por mais insignificante que possa parecer, mostra que tem muita gente que ganha com a desunião do futebol brasileiro. E, em nenhum caso, os beneficiados são os próprios clubes e o torcedor, maior razão de ser da existência desse negócio.

Não havia qualquer necessidade de Botafogo-SP, Ituano, Mirassol, Novorizontino e Ponte Preta saírem da Libra para ir à LFU. Em nenhuma das duas ligas está previsto o pagamento de valores pelos direitos de mídia da Série A do Brasileirão para times que estão na Série B. E ainda nesta segunda-feira (15), o Guarani pode seguir o mesmo caminho.

O problema é que, pelo modelo adotado pela LFU, os clubes cederam 20% de seus direitos de mídia da Série A pelo prazo de 50 anos em troca de migalhas. Só que essas dezenas de milhões de reais pagos à vista parecem, para o dirigente da vez, suficientes para contratar jogadores e tirar o time do atoleiro.

Não é por acaso que os clubes que hoje fazem parte da LFU reforçaram seus elencos de forma surpreendente na última janela de transferências. Contratações caríssimas sem aparentemente qualquer retorno no médio e longo prazo. Isso inflacionou o mercado de tal forma que agentes e atletas foram os primeiros a sorrirem com a briga entre as ligas.

Sim, a primeira consequência desse “grande negócio” feito pelos clubes foi inflacionar o mercado de compra e venda de atletas, aumentar salários e, assim, fazer a festa de atletas e empresários.

A segunda consequência vem meio que junto com essa primeira. Na disputa acirrada pelos jogadores, não basta ao clube usar a primeira parcela do dinheiro que será pago pelos fundos de investimento que se tornaram sócios (apenas na alegria) deles. É preciso adiantar parte dessa verba e inserir juros no pagamento dela.

Ou seja: a verba liberada pelos fundos que se tornaram sócios dos times da LFU será ainda menor do que a efetivamente paga aos clubes, já que eles adiantaram os valores pagando juros por isso. Fundos de investimentos sorriem, de orelha a orelha, com a falta de fluxo de caixa no futebol.

O terceiro grupo que se beneficia dessa quebra entre os clubes e da disputa frenética por dinheiro sem planejamento é o de quem está, desde o começo da discussão da formação de uma liga, inflando as cabeças dos dirigentes com meias-verdades em troca de uma pretensa “consultoria” de mídia para os clubes.

Com números inflados e baseados em premissas que só foram se concretizar em mercados mais maduros apenas no longo prazo, prestadores de serviços se aproximaram tanto da Libra quanto da LFU com a promessa de que aumentariam substancialmente os valores de mídia apenas pelo fato de haver a negociação multiplataforma.

Essas empresas têm faturado antes mesmo dos dois grupos de clubes serem formados. Agora, com as negociações caminhando de forma mais incisiva, tentam provar suas teses, que muito provavelmente precisarão de grande malabarismo numérico para se comprovarem.

O quarto grupo beneficiado com tanta desunião são as empresas compradoras de direitos de mídia. Com dois blocos distintos negociando, os compradores apenas esperam o circo pegar fogo. O primeiro grupo a “roer” a corda foi a Libra, que aceitou os mesmíssimos valores que vinham sendo pagos pela Globo pela cessão dos direitos.

Até agora, a LFU segue com a ideia de fazer uma venda multiplataforma, usando o Paulistão como exemplo de sucesso. Não percebe, ou finge que não percebe, que quem pensa e negocia pelo grupo é a mesma empresa que compra parte dos direitos de mídia.

Por fim, a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) sai ganhando com as desavenças entre os clubes. Sem uma união, caberá a ela ser a centralizadora da organização do Campeonato Brasileiro. E ela seguirá indo ao mercado para vender direitos comerciais, como feito neste ano com Betano, Assaí e Sicoob. Isso sem falar na concentração de poder em cima da entidade, com os clubes dependentes dela para terem a principal e mais endinheirada competição nacional.

Não adianta achar que os presidentes que hoje estão na cadeira dos clubes estejam pensando para além de seus mandatos. Eles não duram nem até o fim do primeiro contrato da Libra com a Globo (2029). O único jeito de acabar com essa farra de ganhadores em cima da fragilidade dos clubes é, dentro das próprias instituições, haver cobrança para que os times se unam em torno de algo maior.

Mas, com tanta gente trabalhando para desinformar e, assim, faturar com isso, fica difícil acreditar que haverá como unir dirigentes e formar um futebol mais forte no Brasil.

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

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