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Quem não controla o dado e o canal do fã joga sempre fora de casa

Apesar do mantra de que a torcida é seu maior ativo, muitas vezes os clubes entregam os dados e a atenção dos seus fãs de mão beijada para terceiros sem nem perceber; chegou a hora de assumir o protagonismo dessa jornada

Mosaico feito pela torcida do Fortaleza - Lucas Emanuel / Divulgação

Se eu ganhasse um real a cada vez que lesse ou ouvisse alguém dizer que o torcedor é o maior ativo de um clube, provavelmente a essa altura já estaria em alguma lista da Forbes. Mas essa frase, tão poderosa para inflamar discursos, se esvazia quando confrontada com a realidade de gestão. No dicionário dos negócios, ativos são bens e direitos que podem ser convertidos em valor monetário. No esporte, o fã só se torna ativo de fato quando sua paixão é traduzida em dados, tempo de atenção e, principalmente, receita para os cofres da organização esportiva.

O esporte brasileiro ainda confunde audiência com valor. Contar seguidores e engajamento nas redes sociais virou métrica de prestígio, mas não responde à pergunta central: quanto cada torcedor gera em receita média anual para o clube? Enquanto isso não for medido e servir de balizador para toda a estratégia de gestão e negócios, o discurso seguirá vazio.

Dados, tempo de atenção e a jornada do fã

O primeiro passo é assumir que não basta capturar a paixão do fã. É preciso organizar o relacionamento de forma estruturada. Saber quem ele é, como consome conteúdo, quais produtos compra, quando vai ao estádio, quanto tempo dedica ao clube. Essa jornada não é só estatística: é um mapa que permite transformar paixão em negócio.

No entanto, os clubes brasileiros entregam essa informação de bandeja para terceiros. Plataformas digitais de terceiros sabem mais sobre o comportamento do torcedor do que as próprias entidades esportivas. O resultado é previsível: enquanto Meta, Google e TikTok monetizam de forma recorrente e escalável cada clique, boa parte dos clubes segue investindo pesado na produção de conteúdo de qualidade e celebrando recordes de engajamento que não geram caixa de forma direta.

Fachada do escritório da Meta nos Estados Unidos – Divulgação

É completamente entendível que as organizações esportivas invistam tempo e dinheiro para nutrir torcedores e torcedoras de bons conteúdos nas redes sociais. Afinal, ter uma presença forte nos ambientes em que os fãs despejam atenção em grande parte do dia é fundamental para manter um relacionamento próximo. Mas cada canal precisa ter seu papel bem definido na jornada com a torcida, e as redes sociais não podem ser o começo, meio e fim dessa história. Quanto mais tempo o clube tiver do torcedor em canais próprios, mais oportunidades existem de entendê-lo, oferecer uma boa experiência e monetizá-lo.

Apesar da importância de possuir bons e relevantes canais proprietários para a experiência do fã e sua monetização, é fundamental se atentar para que isso não seja feito de qualquer forma. Na ânsia de contornar orçamentos enxutos e falta de time especializado para desenvolver e gerir seus próprios canais, muitas entidades esportivas acabam entregando completamente o controle do dado e o direito de monetizar seus próprios canais para terceiros. Esse é o verdadeiro barato que sai muito caro.

Parceiros são bem-vindos para acelerar processos e trazer tecnologia. Mas existe uma linha inegociável: não se terceiriza canal nem propriedade de dados. Sem estabelecer esse limite, a relação é de dependência, e o clube vira inquilino ao invés de proprietário.

Arpu: A régua que importa

No mercado digital, não importa apenas o tamanho da base. O que define saúde de negócio é o “Average Revenue per User” (Arpu), ou seja, a receita média gerada por cada usuário. A Netflix, por exemplo, reportou em 2024 um Arpu médio global anual acima de US$ 130, chegando a mais de US$ 200 nos EUA e Canadá. O número em si importa menos do que a mentalidade: a capacidade de gerar valor recorrente de cada cliente, seja cobrando diretamente por assinatura ou indiretamente com publicidade.

Com quantas Wandinhas se cresce um Arpu? – Divulgação / Netflix

Outras empresas cuja lógica do modelo de negócios está mais focada em venda de publicidade do que assinatura, como a Meta, tem um Arpu um pouco mais modesto, aproximadamente US$ 50 no ano. Porém, o volume de usuários ativos é tão grande que isso é o suficiente para gerar um faturamento anual três vezes maior que o da Netflix.

No esporte, a lógica deveria ser a mesma. O Real Madrid, que superou € 1,07 bilhão em faturamento na última temporada, não chegou lá apenas pelo alcance global. Se fossemos considerar os aproximadamente 400 milhões de seguidores, o Arpu médio global do clube ficaria na casa dos € 2,50 anuais. Parece pouco, mas esse é justamente o ponto: a escala do esporte é tão gigantesca que mesmo um Arpu baixo é capaz de gerar fortunas.

Agora, imagine se o clube conseguir elevar essa média para € 5 ou € 10 com novos produtos, plataformas OTT, experiências e patrocínios digitais regionalizados? O potencial é multiplicador.

O contraste brasileiro

Enquanto isso, no Brasil, parte dos clubes segue refém de métricas superficiais. “Audiências históricas” são celebradas, mas a monetização real fica restrita à venda dos direitos de transmissão e aos grandes contratos de patrocínio, especialmente pelo momento de mercado, com a regulamentação das apostas no país. A ausência de controle sobre dados e canais explica a fragilidade. Sem saber quem é o torcedor, seus desejos e perfil de consumo fica impossível aumentar o Arpu ou oferecer audiência qualificada para patrocinadores.

Em uma das minhas primeiras colunas aqui na Máquina do Esporte, fiz uma projeção de cálculo do Arpu, e o resultado dos clubes mais populares do país, se convertido em euro, seria ainda mais baixo do que a projeção do Real Madrid: pouco mais de € 1,50 para gigantes como Flamengo e Corinthians, e consideravelmente maior para clubes com bases mais modestas de torcedores.

Isso reforça o ponto de que o Arpu também não deve ser uma métrica de vaidade e muito menos comparativa entre diferentes clubes. Mas, sim, um ponto de partida para uma estratégia de monetização eficiente e para ser comparada em diferentes recortes de tempo para avaliar a eficiência dessa estratégia.

É sob essa ótica que ele é analisado nos relatórios financeiros das plataformas digitais e influencia, inclusive, em altas ou quedas das ações das empresas listadas em bolsas de valores. A Meta, por exemplo, duplicou seu Arpu entre 2020 e 2025, demonstrando eficiência em movimentar as principais alavancas do seu modelo de negócio: tamanho de base, tempo de tela e diversificação nas formas de monetizar o usuário.

Para a indústria esportiva, a pergunta que ecoa é a mesma que já ronda desde o caso do patrocínio Spotify/Barcelona, em que o mundo das plataformas digitais se encontrou com o esporte: de que adianta ter milhões de seguidores se apenas uma fração ínfima é identificável e convertida em receita? O esporte nacional está deixando dinheiro na mesa, enquanto entrega seu maior ativo para terceiros.

Mas o Brasil também tem ótimos exemplos

Se por um lado o esporte brasileiro ainda tem muitos passos a evoluir para se tornar o protagonista da jornada de sua própria torcida, também existem clubes que já estão construindo uma bela história no uso dos dados, tecnologia e canal proprietário.

O Super App do Atlético-MG (Super App do Galo) já é uma realidade para o torcedor atleticano há mais de dois anos e está presente em diversos momentos de sua jornada. As principais notícias do clube, experiências gamificadas, tempo real dos jogos, resgates de experiências, acesso ao estádio, consumo no estádio e até inovações como o show de luzes da Arena MRV acontecem pelo aplicativo.

Super App do Galo foi lançado em 2023 – Divulgação / Atlético-MG

Todo esse conteúdo e as interações geram cada vez mais conhecimento sobre o torcedor para o Atlético-MG e alimentam sua base de dados. Isso serve como fonte para criação de audiências de interesse que são usadas pelo próprio clube, patrocinadores e parceiros digitais para realizar ativações personalizadas no Super App pela plataforma da Retize, gerando monetização direta e incremento no Arpu.

Com o controle do dado e do canal pelo clube, os parceiros atuam como aceleradores de tecnologia e negócios. Um bom exemplo não só para o mercado esportivo brasileiro, mas também para o global do poder que uma equipe pode ter quando leva a sério a frase “o torcedor é o principal ativo de um clube”.

Sua torcida é seu negócio

Os paralelos de mercado e a realidade atual da indústria demonstram que o futuro do esporte será decidido menos dentro dos campos de jogo e mais na forma como clubes, federações e ligas controlam dados, canais e a jornada dos fãs para acompanhar seu Arpu.

A escolha é simples: ser dono do ativo mais valioso, o fã, ou continuar alugando o próprio patrimônio.

O que você achou da reflexão? Sua organização esportiva está de fato valorizando e crescendo seu principal ativo?

Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda os clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário e também auxilia na conexão das marcas aos seus clientes por meio do esporte e dos games

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