A regulamentação das apostas esportivas virou uma novela sem fim. O setor ainda espera que o governo federal estabeleça a legislação que será seguida no país. Pela Lei 13.756/2018, havia um prazo de quatro anos para isso ser feito. Nada avançou tanto no governo de Michel Temer como no de Jair Bolsonaro.
Entrando no quarto mês do governo Lula, aparentemente houve um alento: para compensar algumas perdas fiscais, o Ministério da Fazenda deu mostras de que taxar as apostas esportivas seria uma das formas de compensação financeira. Um grupo foi criado para estudar a legislação internacional e buscar o melhor modelo para o Brasil.
Atualmente, o país é visto como o segundo maior mercado de apostas esportivas do planeta, atrás apenas do Reino Unido, que possui uma moeda bem mais forte do que o real.
Há particularidades no segmento. Como nos Estados Unidos cada estado estabelece suas próprias regras a respeito do tema, não se considera o mercado norte-americano como um todo, mas por meio de cada federação.
Falta informação
O primeiro entrave para estabelecer regras para o setor no Brasil se deve à absoluta escassez de informação confiável sobre o mercado nacional. Sabe-se que algumas centenas de plataformas de apostas atuam hoje no país a partir de sedes no exterior. Quantas são? Impossível saber.
Iniciei um levantamento a respeito do assunto no final do ano passado e já computei 190 plataformas de apostas que atuam por aqui. Na minha pesquisa, considerei apenas sites que contam com versões em português do Brasil e oferecem apostas esportivas. Não considerei cassinos, bingos e rifas on-line, entre outras formas de jogos de azar.
Dependendo do levantamento, a estimativa é muito maior: de 400 a 500 empresas atuando livremente no país sem nenhuma regulação. Já vi estatísticas que falam em 3 mil e até 4 mil players, que considero exageradas.
Sem saber quantos atuam fica ainda mais difícil saber quanto o setor arrecada no Brasil. As estimativas novamente são díspares. Há quem diga que os sites de apostas tenham faturamento de R$ 12 bilhões por ano no país. E há fontes que falam em R$ 150 bilhões.
Não falta patrocínio
Segundo um levantamento do site BNL Data, as plataformas de apostas investem hoje R$ 327 milhões apenas no patrocínio de 19 dos 20 clubes da Série A do Brasileirão. Esse número não é nem de perto o todo.
Há quem invista em clubes de outras divisões. Tem quem gaste com outras modalidades. Outros preferem contratar embaixadores entre atletas, influenciadores digitais e personagens do mundo da música e do entretenimento.
Há ainda os players que investem em propaganda na TV, em canais no YouTube ou podcasts esportivos (hoje, quase todos os programas mais relevantes têm empresa de aposta como patrocinador principal). Outro preferem gastar dinheiro em publicidade programática no Google ou nas redes sociais. E há quem não gaste nada e simplesmente atraia clientes usando nomes parecidos aos de sites famosos.
Falta discussão?
Há ainda quem acredite que, passados mais de quatro anos da sanção da lei, o tema ainda não foi suficientemente debatido. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por exemplo.
Nesse estágio final de regulamentação, a confederação reivindicou ser ouvida. Em uma proposta preliminar, pediu que o futebol ganhe um quinhão de 4% sobre a receita bruta dos jogos. É um aumento razoável em relação ao 1,63% destinado às entidades esportivas, que está previsto na lei desde 2018. Um número que ainda não havia sido contestado.
Botafogo, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco também querem ser ouvidos sobre o assunto. Desde 2018, nunca haviam se pronunciado sobre o tema. Nem individualmente nem de maneira conjunta. Nesse período, só se beneficiaram do patrocínio de sites de apostas. Atualmente, todos têm um parceiro no segmento, e cinco deles contam com patrocínio máster de uma empresa do setor.
Estranhamente, faltando semanas para o governo editar a tão sonhada medida provisória (MP) de regulamentação das apostas, resolveram participar da discussão. Aparentemente, também querem ganhar mais.
Falta regulamentar
É de se pensar o que é melhor para o setor. Com a regulamentação, o Estado passará a arrecadar com tributos e as taxas de licença. Também terá que criar uma autarquia específica para regular os jogos de azar no Brasil, combatendo manipulação de resultados e fazendo campanha a favor do jogo responsável, entre outros temas relevantes.
A economia será beneficiada pela geração de empregos, com a necessidade desses players estabelecerem operação no Brasil. E o investimento em patrocínio e marketing esportivo do setor tende a aumentar em um mercado ainda mais aquecido.
Mesmo que a prática mostre que há buracos na regulamentação, eles poderiam ser corrigidos aos poucos, até se buscar as melhores práticas olhando para as especificidades da realidade nacional.
Por outro lado, discussões infindáveis podem fazer com que o tema não avance. O mercado veria passar de novo a oportunidade de estabelecer seu regramento. Perderiam todos, inclusive quem hoje reivindica ganhar mais nos repasses da lei.
A ver quais serão as cenas dos próximos capítulos.
Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte