Grand Chelem é um termo usado no meio do automobilismo para definir uma vitória acachapante, quando um determinado piloto larga na pole-position, lidera todas as voltas da corrida e vence de ponta a ponta, inclusive com a melhor volta da prova.
Do ponto de vista do marketing e ativações nos autódromos, as mudanças previstas no regulamento desportivo da Stock Car para 2024 fazem jus ao termo.
Após um extenso ciclo de debates com a associação das equipes, são inúmeras pequenas alterações programadas, todas para melhor e que poderemos posteriormente avaliar caso a caso.
Mas a principal novidade é o desmembramento das rodadas duplas para uma sprint race no sábado e outra corrida principal no domingo.
Introduzido em 2014, o formato de rodadas duplas com intervalo mínimo entre as provas e inversão de grid para a segunda bateria atingiu em cheio o objetivo da imprevisibilidade. O título ficou com Rubens Barrichello, da Full Time Sports, equipe que quebrou uma década de hegemonia das organizações chefiadas por Andreas Mattheis e Rosinei Campos. Antes de Rubinho, o último campeão com um carro preparado por outro chefe de equipe havia sido David Muffato, de Chevrolet Vectra, no distante ano de 2003.
A inversão dos grids para a corrida 2 também pulverizou a quantidade de vencedores e propiciou retorno de mídia e air time nas transmissões para competidores de meio de grid.
Mas, como costuma acontecer no automobilismo, pilotos e engenheiros foram desvendando o formato e traçando novas estratégias. Começaram a pintar alguns “especialistas” em corrida 2, competidores que abortavam a primeira e mais relevante bateria, para vir com o carro 100% preparado para a segunda prova.
Então, do ponto de vista desportivo, isso começou a gerar distorções. Imaginem uma luta de boxe em que um dos atletas já combateu por 6 dos 12 rounds e, depois de metade da peleja, passa a trocar golpes com um adversário recém-saído do aquecimento? Ou uma maratona em que o líder da prova recebe a companhia de outros concorrentes apenas a partir do km 21?
Além disso, a dinâmica do evento passou a ficar truncada, com cerimônias de pódio apressadas depois da segunda prova. Estouravam champanhe os três primeiros da corrida 1 e os três primeiros da corrida 2, além de premiações como a melhor volta e o maior pontuador do fim de semana, que, invariavelmente, não havia ido a nenhum dos dois pódios. Ou seja, o torcedor/consumidor ficava confuso sem saber quem era o herói do dia. E, via de regra, o vencedor da menos valiosa corrida 2 aparecia na foto melhor que o ganhador da corrida 1, cujo grid de largada era determinado pelo qualifying.
Outra grande injustiça e fonte de constantes reclamações dos pilotos era que um acidente mais forte ou quebra na corrida 1 já jogava no lixo todo o fim de semana do carro, sem chance de recuperação dentro da mesma etapa.
Em 2024, essa distorção cai por terra.
Em linha com a introdução da sprint race da Fórmula 1 aos sábados, a Stock Car terá suas rodadas duplas em dois dias. Uma corrida curta de 30 minutos no sábado e a corrida principal no domingo, com 50 minutos.
De cara, o evento salta de uma hora de ação para 80 minutos, um acréscimo relevante no tempo de exposição das provas na TV e nas mídias digitais.
Mas a grande sacada do formato é possibilitar às marcas dois dias de ativação na pista. A partir dos dias 2 e 3 de março, quando a Stock Car arrancar em Goiânia (GO), uma marca que tenha, por exemplo, um camarote para 50 pessoas, poderá levar uma centena de convidados para ver as corridas, metade no sábado e o restante no domingo.
Também fica melhor para a cobertura da mídia especializada, com um herói no sábado e o grande vencedor devidamente valorizado no domingo.
Outro fator positivo é possibilitar aos comissários desportivos mais tempo para o julgamento de lances polêmicos. Até o modelo do ano passado, infrações na corrida 1 que demandassem análise depois da bandeirada poderiam gerar efeitos na formação do grid da corrida 2. Por exemplo: um piloto considerado culpado apenas com análise de sua câmera on board por incidente na segunda curva da corrida 1 e que terminasse a prova em décimo, largava na pole da corrida 2 normalmente. Agora, os comissários terão bastante tempo para analisar os lances e, quando necessário, impor as sanções antes da largada da segunda corrida, que será apenas no dia seguinte.
Em suma, com corridas aos sábados e domingos, a Stock Car ficará mais justa desportivamente, terá mais tempo de cobertura ao vivo e, após as jornadas de sábado, proporcionará melhores julgamentos dos comissários da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e dobrará as oportunidades de ativações nos autódromos para as marcas patrocinadoras.
Em resumo: pole-position, vitória de ponta a ponta e volta mais rápida.
Luis Ferrari é CEO da Ferrari Promo e escreve mensalmente na Máquina do Esporte sobre esporte a motor