Tchau, tchau, “days off”

Esquadrilha da Fumaça participou pela primeira vez de uma etapa do Mundial de Surfe em 2023 - Divulgação / WSL

Se você já leu qualquer livro que trate de negócios do esporte, provavelmente deve ter se interessado pelo capítulo que discorre sobre as possíveis receitas das diversas modalidades e possivelmente deve ter encontrado, em suas páginas, chamadas como ticketing, hospitality, direitos de transmissão, patrocínios, merchandising, etc.

Agora, imagine um esporte em que a arena de competições é pública, portanto, ingressos não são cobrados. Além disso, as datas da competição podem mudar ao sabor da natureza, o que gera inúmeros desafios para a programação da televisão linear, ainda tão relevante para o crescimento de uma modalidade em um país como o nosso.

Assim é o surfe, o esporte que mais cresceu e mais trouxe alegrias para os brasileiros na última década, mas que propõe desafios, dos mais comuns aos mais imprevisíveis, para qualquer gestor experiente, ainda mais quando falamos em visitar as melhores ondas do mundo, as quais, muitas vezes, se encontram em locais tão paradisíacos quanto remotos e, por isso, sem estrutura. Quando levamos todas essas variáveis em conta, esses obstáculos se multiplicam, de tal forma que poderíamos até dizer que o gestor de negócios do surfe também tenta se equilibrar em uma onda bem difícil.

O Championship Tour (CT), divisão de elite do surfe mundial da World Surf League (WSL), tem 11 etapas, duas delas na América Latina, sendo uma no Brasil e uma em El Salvador, com um calendário que vai de janeiro a setembro, reunindo os 36 melhores homens e as 18 melhores mulheres do mundo no esporte. Desde 2014, o Brasil vem exercendo um domínio impressionante dentro da água e, nas últimas oito temporadas, conquistou seis títulos mundiais com quatro atletas estupendos.

Cada uma das etapas se organiza em janelas de nove a dez dias, e a competição acontece mesmo em três ou quatro dias, de acordo com a condição das ondas. Isso mesmo: tudo fica pronto e preparado apenas esperando a natureza colaborar.

O exercício de orçamento é sempre de tirar o fôlego de tão imponderável, já que contempla estimativas de “days on” e “days off”. Sempre impressiona o aspecto do custo de ociosidade de tamanha estrutura nos “days off”, afinal, nos dias em que as ondas não aparecem, o evento fica “desligado”, mas continua gerando custos (e muitos). Além disso, é verdade absoluta no surfe que o dia que não tem ondas é um dia decepcionante, chato, de espera e ansiedade.

A calorosa e receptiva população e também os turistas de Saquarema (RJ) sempre lotam a praia quando nossos eventos estão por lá, então, para o Vivo Rio Pro 2023, resolvemos ir além e testar uma hipótese diferente:

Se conseguíssemos criar atrativos de entretenimento fora da água, será que os fãs viriam até a praia para se divertir mesmo nos “days off”?

A primeira resposta que ouvimos foi: “não, esquece isso porque essa hipótese não existe”. A segunda também foi parecida. Mas, como diriam os amigos do Rock in Rio, “nada como sonhar e fazer acontecer”.

Com um planejamento de dez meses, envolvimento de marcas patrocinadoras e um grupo de mais de 500 pessoas no projeto, concebemos uma estrutura de quase 4 mil metros quadrados que funcionou todos os dias e ofereceu opções de entretenimento para todas as idades. Com muita criatividade e também inspirados em outros esportes, foi possível surfar na piscina de ondas artificiais da Vivo, descer na tirolesa do Banco do Brasil, participar de uma experiência sensorial do Natura Kaiak, se divertir muito nas ativações da Prefeitura de Saquarema e da Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio de Janeiro, tirar fotos com o simpático Sid, da Australian Gold, dançar muito nos luais diários do Banco do Brasil Som & Surfe, comprar artigos do evento na WSL Store, experimentar comidas variadas e drinks caprichados, ser pego de surpresa pela câmera do beijo, a “shaka cam” e ainda pular para agarrar as camisetas lançadas por uma bazuca.

Sonhamos alto, tão alto que descobrimos que um dos brasileiros mais ilustres da história, Santos Dumont, teria sua comemoração de 150 anos naquele mês. Então, como seria uma apresentação inédita da Esquadrilha da Fumaça para homenagear o nosso mais célebre inventor e o orgulho das riquezas do Brasil em grande estilo com mais de 70 mil pessoas na praia?

Com um roteiro desses, o público merecia que o troféu ficasse em casa. E não é que Yago Dora fez a alegria da praia e ainda tirou nota 10?

Mudamos uma verdade (quase) absoluta do surfe e, então, só faltou arrumar um novo nome para os “days-on” (ou “off”) sem competição. Os números e resultados estão chegando, e, com sorriso no rosto e sensação de dever cumprido, estamos preparando os relatórios, acompanhando recordes batidos e guardando muitas histórias para contar.

A principal delas, para a vida e para o esporte, como ensina Arthur Schopenhauer: “Os limites do mundo são maiores que os limites do nosso campo de visão”.

Ivan Martinho é presidente da World Surf League (WSL) na América Latina e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

Sair da versão mobile