Troca cultural e de conhecimento fortalece profissionais na indústria esportiva globalizada

Dr. Tywan G. Martin e Ana Teresa Ratti na Universidade de Miami - Arquivo Pessoal

O cenário globalizado da indústria do esporte exige que profissionais estejam cada vez mais preparados para agir localmente sem desconsiderar a visão global, de ambientes dinâmicos e interconectados.

A troca cultural e o compartilhamento de conhecimento entre países são ferramentas essenciais para fortalecer a atuação profissional em todas as modalidades esportivas. No futebol, não é diferente. Criar uma base sólida de competências globais e ampliar o repertório por meio do intercâmbio com outros cenários e práticas esportivas estimulam a inovação e a excelência nos gestores.

Esta coluna é motivada pela convicção nesse contexto e por uma experiência pessoal vivida em 2023, quando tive a oportunidade de ministrar uma aula para alunos do Programa de Administração Esportiva da Universidade de Miami, durante uma visita deles ao Brasil organizada pelo Marcelo Claudino e a equipe da TopSoccer, agora Top Multi-Family Office.

A troca naquele momento foi tão enriquecedora para todas as partes que estamos planejando uma nova oportunidade para que os estudantes norte-americanos retornem ao Brasil em breve, assim como para que gestores e estudantes brasileiros também possam vivenciar a realidade dos Estados Unidos. Buscamos, assim, manter e valorizar a colaboração mútua e ampliar a visão a partir das práticas e estratégias aplicadas nas diferentes modalidades esportivas em ambos os países.

Na semana passada, fui recebida na Universidade de Miami pelo Dr. Tywan G. Martin, professor associado do Programa de Administração Esportiva. Debatemos sobre as perspectivas de colaboração, identificando pontos de convergência e diferenças nas abordagens de gestão esportiva em cada país. Compartilho com exclusividade aqui, na Máquina do Esporte, parte dessa conversa e, com isso, amplio o alcance das reflexões feitas por nós.

Busquei entender, também, a visão do Marcelo Claudino, CEO da Top Multi-Family Office e responsável por trazer os alunos da Universidade de Miami (por duas vezes) para a experiência aqui no Brasil, com foco em conhecerem o nosso cenário esportivo, nossos profissionais, potencialidades e desafios.

Ana Teresa Ratti: Sobre as experiências no Brasil com os estudantes do Programa de Administração Esportiva, o que mais os impactou e quais os principais aprendizados? 

Prof. Tywan G. Martin: Acho que a coisa mais importante foi entender melhor a cultura brasileira, compreender como a cultura brasileira é diferente em relação à cultura americana. E digo isso porque permite uma melhor compreensão para nossos alunos, assim como para mim, de como os brasileiros operam no espaço esportivo. Entender a cultura é vital antes de se envolver em negócios em qualquer área. Porque se você não conhece a cultura, há uma chance de cometer muitos erros por não entender como pessoas de diferentes partes do mundo conduzem os negócios em comparação com a forma como você entende os negócios. Mas, uma vez que você entende isso e se permite estar aberto a compreender melhor culturas como a do Brasil, isso permitirá, eu acredito, experiências melhores, maiores oportunidades e, com sorte, maiores ganhos comerciais a longo prazo. Portanto, entender a cultura é fundamental.

ATR: Considerando o elevado nível de eficiência dos Estados Unidos quando o tema é fazer do esporte um negócio, o que o Programa de Administração Esportiva da Universidade de Miami ganha com a troca de experiência com a indústria do esporte brasileiro?

TGM: Em primeiro lugar, você precisa estar aberto a novas experiências. A maioria dos estudantes que participaram dessa viagem estavam dispostos a entender uma maneira diferente de viver. A primeira coisa é que eles vieram sabendo que sabiam pouco sobre a cultura brasileira. Então, eles chegaram ao Brasil com o que chamaríamos de uma “tela em branco”. E, ao compreenderem melhor a cultura, começaram a desenhar, a escrever como isso se manifestava, com base na experiência. Eles aprenderam que é importante ter uma tela em branco. É como um artista que tem uma tela em que pode pintar um quadro bonito, mas ele começa sem ideias preconcebidas. Eles estão aprendendo enquanto avançam. É quase como o esporte, em certo sentido. E digo isso porque o esporte é uma das poucas atividades, quando falamos de entretenimento, que não tem um resultado predeterminado. Livros têm resultados predeterminados. Filmes têm resultados predeterminados. O esporte não tem.

Então, se você começa com a ideia de que não sabe o que vai acontecer até que você experimente, isso permitirá que você compreenda melhor, aprecie mais, agregue mais valor à experiência geral e, então, comece a rascunhar, a juntar coisas que podem funcionar. Certas coisas que funcionam nos EUA podem não funcionar da mesma forma no Brasil. E a maioria dos nossos estudantes nessas viagens chegam com uma espécie de tela limpa. Isso faz sentido? Porque, por melhores que as coisas possam ser aqui nos Estados Unidos, não significa que se apliquem em todos os lugares. E se você acreditar ingenuamente que esse é o caso, sem falar com as pessoas, sem sentar com elas, sem tomar uma cerveja ou fazer uma refeição com elas, estará cometendo um erro.

ATR: Quais são as expectativas para a próxima experiência de imersão com os alunos no Brasil?

TGM: Acho que a Universidade de Miami tem uma mentalidade aberta, que acolhe nossas ideias, mas, estando aqui há 15 anos, este lugar é lindo, é incrível, é maravilhoso… e tem suas falhas. Em grande parte, é realmente difícil, nos Estados Unidos, para muitas pessoas, se desfazerem de suas crenças. Na América, às vezes, acredita-se que temos um único caminho. E então eu saio daqui e penso, “meu Deus, estamos perdendo… há algo mais”. Ah, por isso, especialmente quando falamos de comunidades afro-americanas, eu diria que menos de 10% dos afro-americanos têm passaporte. O que significa que eles não podem viajar para fora daqui, não podem ver outras partes do mundo.

Então, a experiência de intercâmbio com o Brasil muda vidas. Abre as vidas das pessoas que participam. Cria novas oportunidades, que elas não teriam pensado se não tivessem tido essa experiência. É a abertura de uma nova porta para experiências que muitas vezes estão além de sua imaginação. A beleza de sair da América é ver outras partes do mundo e como elas fazem negócios, como valorizam o esporte, como também enxergam outras partes do mundo, para os estudantes entenderem melhor o quão multifacetado é o mundo.

Eu tenho uma boa amiga que, na verdade, fez seu doutorado sobre oportunidades de intercâmbio e como elas mudam vidas. E as oportunidades de intercâmbio eram para estudantes-atletas talentosos. Com base na pesquisa dela, cada um desses estudantes-atletas que foram para o exterior ver algo diferente teve suas vidas transformadas. Tornaram-se cidadãos globais. Passaram a entender melhor o poder de ser capaz de liderar e ver as coisas de forma diferente, o que pode ajudar a elevar suas vidas como um todo. Você tem que sair daqui para entender a vida além dessa fatia fina que a América apresenta para você.

ATR: E sobre essa perspectiva de intercâmbio entre brasileiros e a Universidade de Miami, o que pensa?

TGM: Isso vai ser incrível. Acho que a palavra que deve ser usada aqui é intencional, ao trazer pessoas dos Estados Unidos para verem uma perspectiva diferente, experimentarem e se envolverem em novas oportunidades. Vocês me disseram que o futsal é o caminho [para iniciação no futebol de campo]. Que tal isso? A equipe feminina de futebol aqui é fantástica. A equipe masculina ainda tem trabalho a fazer. Talvez, se os americanos adotassem o futsal, o resultado para a seleção nacional poderia ser diferente. Se você me diz que o melhor do melhor começou com essa base e construiu a partir disso, então talvez pudéssemos considerar a ideia de introduzir o futsal na cultura americana para ajudar a elevar o nível do futebol nos Estados Unidos. Talvez a MLS chegue ao nível dos melhores do mundo se a maioria desses indivíduos tiverem o futsal como base. Temos a capacidade de aprender com outras culturas para melhorar a nossa, assim como a cultura brasileira tem a oportunidade de aprender conosco para fortalecer a sua. Isso é o que é tão importante. Fantástico.

Se você quer conhecer experiências, venha para os Estados Unidos. Se você quer saber como criar uma atmosfera incrível, venha para os Estados Unidos. Aqui, eu me torno muito americano no sentido de que experimente um jogo de futebol americano universitário em Michigan, onde você vai ver um ambiente… é tão emocionante quanto você pode imaginar. É uma experiência. E um bom amigo meu sempre me diz: Tywan, não estamos mais na era da informação. Estamos na era da experiência. A experiência é tudo. E se você não tiver uma boa experiência, todos nós provavelmente iremos para outro lugar, porque isso não tem valor para nós. A experiência é o valor. Então, criar uma experiência incrível, além do jogo de futebol em si, que parece ser o caso no Brasil, o “tailgating” na América, meu Deus, é uma festa absoluta. É maravilhoso.

Em eventos da Nascar, aqui em Miami, no autódromo, você pode festejar ou fazer “tailgating” antes de ir para a corrida. Você pode levar bebida alcoólica para dentro da corrida. Se acabar a bebida, você pode voltar ao carro, pegar mais e levar de volta para a corrida. E aqui está o interessante: as concessões que vendem álcool e comida ainda fazem dinheiro. Em outras palavras, as pessoas trazem a bebida ou o álcool que compraram para o evento, mas os vendedores no local ainda ganham dinheiro. É assim que é uma festa em alguns eventos na América. É uma festa se as pessoas quiserem experimentar uma festa. Se você puder criar uma festa que pareça uma festa, acho que terá fãs por muito tempo.

Nota: “Tailgating” é uma tradição comum nos Estados Unidos, especialmente antes de eventos esportivos, como jogos de futebol americano. Consiste em uma festa ou reunião social realizada no estacionamento de um estádio ou arena, em que os participantes se reúnem em volta de seus carros ou caminhonetes (geralmente com a traseira aberta, daí o nome “tailgate”) para comer, beber, ouvir música e socializar antes do início do evento.

ATR: E você está aberto a nos mostrar como podemos criar essa atmosfera no Brasil?

TGM: 100%. Estamos muito abertos à ideia. Mas, dito isso, seguiríamos sua orientação sobre como introduzir isso. Porque, se simplesmente chegássemos com a mentalidade do que os Estados Unidos fazem há anos, não funcionaria. É como um bom amigo meu da Concacaf, que está desenvolvendo programas para elevar o futebol. Acho que há 41 nações que fazem parte da Concacaf. Mas o mais inteligente que fizeram foi conversar com os responsáveis nesses países primeiro, para decidir como implementar esses programas. Porque a diversidade de como fazem negócios ou praticam esporte é diferente.

Portanto, seria um grande erro se simplesmente fôssemos ao Brasil e disséssemos: “É assim que se faz”. Estamos ouvindo os brasileiros. Você precisa ouvir as pessoas. Se não ouvir, vai perder oportunidade.

Ana Teresa Ratti: Marcelo, qual foi a motivação para oferecer aos estudantes da Universidade de Miami a experiência no Brasil?

Marcelo Claudino: Desde que eu terminei minha participação no Máster em “Sports Administration”, em 2017, na Universidade de Miami, tanto eu tinha interesse em aprofundar o relacionamento com a universidade, como percebi que eles tinham interesse em conhecer o esporte no Brasil. Então, foi uma relação natural que acabou culminando na vinda deles ao Brasil pela primeira vez em 2019. Entre 2020 e 2022, em função da pandemia, ficou inviabilizado. Em 2023, fizemos a segunda edição, no Rio de Janeiro.

ATR: Quais foram os principais aprendizados dessa experiência para você e sua empresa?

MC: O maior aprendizado é a certeza de que o intercâmbio de informações, de conhecimento, o network, são muito importantes porque a indústria do esporte é restritiva. As mesmas dificuldades que o profissional brasileiro encontra aqui pra ingressar na indústria, um profissional americano também encontra pra ingressar no mercado esportivo americano. Então, a possibilidade de conhecer o esporte como ele é no Brasil, as nossas qualidades, os nossos desafios e as nossas deficiências, é importante para qualquer gestor que vá trabalhar na área dos esportes.

ATR: Como você enxerga as possibilidades de colaborações futuras entre Brasil e Estados Unidos neste tipo de iniciativa?

MC: Os americanos, em geral, quando encontram um ambiente com relacionamento de confiança, são muito abertos à inovação e busca de novos conhecimentos. Isso foi um dos aspectos que me chamaram atenção, dado que talvez eles não precisassem, já que 50% do mercado esportivo está nos Estados Unidos. Então, eu considero muito bom pra ambas as partes essa abertura para troca de informações, e eles poderem conhecer a qualidade dos profissionais brasileiros.

ATR: Quais são os ganhos mútuos que podemos esperar desse tipo de troca de conhecimento?

MC: Poder desenvolver em conjunto um trabalho de colaboração, de intercâmbio de formação, de network, como disse antes, com uma universidade que tem um dos programas esportivos mais tradicionais do esporte universitário americano e que está entre as 50 melhores universidades dos Estados Unidos, é uma oportunidade única para nós, profissionais do esporte aqui no Brasil.

Ana Teresa Ratti possui mais de 20 anos de experiência corporativa, é mestra em Administração, trabalha atualmente com gestão esportiva, sendo cofundadora da Vesta Gestão Esportiva, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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