A grande preocupação de momento das empresas de streaming é o comportamento volátil do seu consumidor. Segundo a consultoria norte-americana Deloitte, a taxa de rotatividade dessas plataformas, em 2022, será de 30% no mundo e 38% nos Estados Unidos.
O que isso quer dizer? O consumidor está adotando o comportamento de assinar o serviço somente para assistir ao conteúdo que deseja e depois cancelar a assinatura. Exemplo: ao lançar uma série de sucesso, a empresa tem um aumento de assinaturas, mas, após o último episódio, essas mesmas pessoas cancelam suas inscrições.
Para entender melhor esse novo comportamento, precisamos primeiramente situar que nos encontramos, hoje, no que os especialistas chamam de “Economia da Recorrência” ou “Modelo de Assinatura”, que consiste em pagamentos recorrentes para usufruir de um serviço ou produto. Na verdade, essa metodologia de pagamento mensal para usufruir um serviço não é novidade. Já estamos muito acostumados a pagar mensalidade de escolas, aluguel, academia, TV a cabo, telefonia, etc. Mas ultimamente esse modelo extrapolou o habitual e entrou com força em novos serviços e até mesmo em produtos.
Atualmente, bastante coisa funciona no modelo de assinatura. É possível “assinar” para desfrutar de softwares, games, músicas e até carros, roupas, eletrodomésticos, vinhos, alimentos, restaurantes e hotéis, entre muitos outros produtos que antigamente estávamos acostumados a comprar pagando somente uma única vez.
Essa nova forma de comercialização, em que o pagamento é recorrente, obrigou as empresas a colocar o consumidor no centro das decisões, investir muito mais para conhecer profundamente o seu público, criar ferramentas de diálogo contínuo, ter uma capacidade de adaptação e transformação muito maior para constantemente oferecer produtos e/ou serviços relevantes, melhorar os canais de atendimento, trabalhar melhor a análise de dados, manter o seu assinante incessantemente motivado e engajado, preocupar-se com os mínimos detalhes para criar experiências prazerosas e desenvolver maneiras de adesão e cancelamento fáceis, entre muitas outras ferramentas e processos que visam uma melhoria contínua na interação do público com as marcas.
Mas o que isso tudo tem a ver com o futebol? Pois bem, o futebol brasileiro também entrou na “Economia da Recorrência” ou “Modelo de Assinatura”. Diversos clubes claramente priorizam o pacote de sócios em detrimento da venda de ingressos por jogo. Isso quer dizer que centenas de milhares de torcedores pagam mensalmente para ter direito a ingressos, prioridades, descontos e outros benefícios.
Acontece que grande parte desses clubes que apostam alto no programa de sócio-torcedor ainda mantém vícios e mazelas de uma cultura administrativa antiga que prefere sustentar uma certa distância do seu torcedor, em que as tomadas de decisões e a consequente mudança de rumo ainda são muito engessadas em velhas estruturas, no qual os produtos são criados baseados nas cabeças dos dirigentes (e não construídos em conjunto com a torcida), e todo o engajamento dos seus torcedores é apoiado somente em vitórias e conquistas.
Todos esses erros deixam os programas de sócio-torcedor menos atrativos e muito mais sujeitos à volatilidade dos torcedores. É dizer que, quando o time vai bem, o número de adesões aumenta, mas basta engatar uma sequência negativa ou uma eliminação em um campeonato para os números começarem a despencar. É o mesmo comportamento que está sendo observado nas plataformas de streaming. Muitos se associam para curtir aquele momento favorável do time, mas, depois que ele passa, o programa de sócio-torcedor deixa de ser atrativo e é cancelado.
Adotar um modelo de assinatura para o futebol pode ser muito vantajoso e lucrativo, mas é preciso uma completa mudança organizacional, ampla participação e valorização dos torcedores, e investimento na criação de um departamento de Customer Experience (CX), que no futebol podemos chamar de Fan Experience (no português, “Experiência do Torcedor”). Isto é, uma área voltada para entender intensamente o seu público, trabalhando para melhorar a experiência do torcedor em todas as interações com o clube.
Somente dessa maneira iremos ver clubes com torcidas colossais explorar na totalidade o potencial do programa de sócio-torcedor, aumentando exponencialmente o faturamento, independentemente dos resultados esportivos. Clubes brasileiros com muitos milhões de torcedores ainda apresentam números acanhados de sócios em relação ao tamanho do seu público.
Será que um dia ainda veremos os clubes do país ultrapassarem os 300 mil sócios do Boca Juniors, 290 mil do Bayern de Munique, 267 mil do Benfica ou os 250 mil do River Plate?
Romulo Macedo é sócio-fundador da Fan Experience 360 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte