O início da vigência do mercado regulamentado de apostas esportivas, que está valendo no Brasil desde o mês passado, tem trazido desafios para as empresas do setor.
A legislação que regula o mercado no país prevê que as empresas de apostas deverão efetuar, no começo de cada mês, o repasse de parte do Gross Gaming Revenue (GGR) para órgãos públicos, como o Ministério do Esporte, e também entidades privadas, como comitês e confederações que integram o Sistema Nacional do Esporte (SNE).
O GGR representa o valor total do dinheiro apostado pelos usuários de uma casa de apostas, menos o valor total de prêmios distribuídos.
A obrigação do repasse foi definida pela lei federal 13.756/2018. Posteriormente, a matéria foi regulamentada pelas portarias 1.212/2024 e 41/2025, que têm como foco as entidades do SNE.
As duas portarias se propõem a especificar os procedimentos para a destinação dos valores. A 41, que foi publicada em janeiro deste ano, explica que os repasses funcionam como “contrapartida [paga a clubes e entidades] ao uso de suas denominações, seus apelidos esportivos, suas imagens, suas marcas, seus emblemas, seus hinos, seus símbolos e similares para divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa”.
O grande problema é que, no primeiro mês em que os pagamentos deveriam ter sido feitos de maneira obrigatória, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda (MF), deixou a encargo das empresas a missão de repassar os valores diretamente aos beneficiários legais.
Impasse
Por se tratar de uma obrigação legal, a não realização dos repasses mensais de 12% do GGR para as entidades do SNE pode acarretar em sanções para as casas de apostas, incluindo a cassação da licença de operação no país.
De acordo com Livia Heringer, advogada do escritório Ambiel Advogados e especialista em direito tributário, para parte dos repasses não houve indicação da forma de pagamento ou mesmo definição dos beneficiários, fato que estaria trazendo incertezas e riscos para o mercado.
“Como há sanções para a falta de repasse, a alternativa é ajuizar medidas judiciais a fim de depositar os valores judicialmente até que a Secretaria de Prêmios e Apostas ou os beneficiários esclareçam como esses repasses devem ser feitos”, explicou.
Sem Darf
Segundo Gustavo Biglia, sócio do Ambiel Advogados e especialista em regulamentação de jogos e apostas, a ausência de um Documento de Arrecadação da Receita Federal (Darf) específico para esse repasse gera incerteza em relação ao pagamento.
“Na última semana, quando estava para vencer o prazo do repasse mensal, algumas casas de apostas, mas não todas, receberam um e-mail com indicações de contas para depósitos. Mas qual a garantia de que isso tem validade jurídica? Como saber qual valor depositar?”, questionou o advogado.
Ele alega que a portaria 41 joga a responsabilidade para as empresas de apostas.
“Ela diz que, se a entidade organizadora de uma competição não possuir um regramento sobre a divisão dos recursos dos repasses, a própria casa de apostas deverá buscar os organizadores para verificar a possibilidade de que seja estipulado um regramento específico sobre o tema, sob pena de impossibilidade de constituição do evento como objeto de apostas de quota fixa”, disse.
O especialista ainda citou como esse imbróglio poderia afetar uma competição de futebol, por exemplo.
“A gente sabe que o Campeonato Paulista não tem previsão de divisão de receitas provenientes de apostas. Por isso, em tese, as pessoas não poderiam nem mesmo apostar no Campeonato Paulista. Então, a portaria, além de não prever os dados necessários para se fazer o depósito, ainda cria outros imbróglios”, afirmou Biglia, que considera a portaria 41/2025 uma das mais problemáticas, entre as editadas pelo Governo Federal, relativas à regulamentação do setor.
“Além da incerteza sobre a forma de depósito, também não há clareza sobre quem são os destinatários nem sobre a divisão dos valores, que dependem de regulamentos a serem elaborados pelas entidades desportivas”, destacou Carlos Eduardo Ambiel, sócio do Ambiel Advogados e especialista em direito desportivo.
Na visão dele, o governo poderia aproveitar a oportunidade “para o Ministério do Esporte fazer uma divisão per capita para os clubes que realmente precisam mais do repasse”.
SPA não se manifesta
A Máquina do Esporte procurou entidades que representam o setor. Apenas a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) se manifestou, afirmando que a portaria 41 prevê a criação do Escritório Nacional de Rateio (ENR) por parte da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda.
“O órgão foi estruturado a partir de repasses das casas de apostas e passou a ser responsável pelo processo de pagamento dos impostos pagos pelos operadores para as entidades destinadas na legislação”, diz a nota.
A ANJL não informou se seus associados encontraram problemas para efetuar os repasses legais às instituições que integram o SNE.
A reportagem também entrou em contato, via e-mail, com a SPA, mas, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.