Depois de sete meses de muita discussão e polêmica, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das “Bets” no Senado enfim votou seu relatório.
Com uma “mãozinha” providencial do Regimento Interno e dos membros ausentes, o texto elaborado pela relatora Soraya Thronicke (PODE/MS) foi rejeitado, por 4 votos a 3.
Apesar da rejeição, a relatora informou que levará pessoalmente cópias do texto ao Ministério Público (MP) e à Polícia Federal (PF).
“Não terminará em pizza. E não sou pizzaiola”, disse Soraya, ao deixar a Comissão.
O relatório da senadora pede o indiciamento de 16 pessoas, entre eles o empresário Bruno Viana Rodrigues, sócio da agência Brax, que hoje possui contratos com 19 clubes da Série A e os 20 da Série B do Brasileirão no negócio de placas publicitárias em estádios, além de ser parceira da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em competições como a Copa do Brasil e a Copa do Nordeste.
Soraya afirmou ver indícios de lavagem de dinheiro em atividades desenvolvidas pela Brax. Além do empresário, ela pedia o indiciamento das influenciadoras Deolane Bezerra e Virginia Fonseca, cujo depoimento à CPI das “Bets”, prestado no último dia 13 de maio, converteu-se em um dos momentos mais polêmicos da Comissão.
A reunião que debateu o relatório de Soraya teve início, na verdade, na quarta-feira (11), porém acabou sendo suspensa.
Ela foi retomada na manhã desta quinta-feira (12). Mas nem todos os membros que haviam registrado presença no dia anterior estavam de fato no recinto da reunião.
Além da relatora, participaram presencialmente da sessão o presidente da CPI das “Bets”, Dr. Hiran (PP/RR), e os senadores Eduardo Girão (Novo/CE) e Izalci Lucas (PL/DF).
Eduardo Gomes (PL/TO) chegou a participar da reunião e defendeu a retirada de indiciamentos do relatório.
“Não gosto de CPI. Acho que a CPI funciona errado. É preciso uma mudança efetiva de funcionamento, ou nós vamos ter uma CPI atrás da outra, prejudicada pelo seu próprio funcionamento”, declarou o parlamentar, que, no momento da votação, já não estava mais presente no local.
Manobras
A discussão do relatório foi marcada por uma série de manobras. Antes mesmo de começar o processo de votação, Soraya declarou que se encarregaria de encaminhar pessoalmente a denúncia às autoridades, ainda que o texto viesse a ser rejeitado.
Já Eduardo Girão, mesmo tendo embates mais duros com a senadora, afirmou que votaria a favor do relatório, pois notava que estaria em curso uma manobra para a rejeição do documento.
De fato a manobra existiu e baseou-se em dois artifícios. O primeiro deles consistiu na ausência de membros da CPI.
Para que a votação pudesse ter validade, seria necessária a participação de no mínimo seis membros.
Senadores podem votar nas CPIs tanto presencialmente quanto de maneira remota, desde que tenham registrado sua presença na reunião.
Durante um bom tempo, porém, apenas cinco votos haviam sido registrados no painel. Com a chegada do vice-presidente da CPI das “Bets”, Alessandro Vieira (MDB/SE), contudo, o quórum foi atingido.

Esse impasse sobre a falta de quórum durou até por volta do meio-dia. Com o voto de Alessandro, o placar estava em 3 a 2 pela aprovação do relatório (porém, esse resultado ainda não havia sido tornado público).
Sob protestos de Eduardo Girão, que pedia o encerramento da deliberação, Dr. Hiran, que só votaria em caso de empate, optou por aguardar por mais 15 minutos, até que chegasse mais algum voto.

A justificativa era de que senadores que se encontravam em trânsito haviam solicitado tempo para poderem se manifestar sobre a matéria.
E a espera “valeu a pena”. Antes mesmo de encerrado o prazo extra de 15 minutos, Efraim Filho (União/PB) e Professora Dorinha Seabra (União/TO) enviaram seus votos.

A votação foi encerrada exatamente depois que a senadora docente cravou sua posição sobre a matéria. Dos membros que participaram presencialmente da votação, ficaram a favor do relatório Soraya Thronicke, Eduardo Girão e Alessandro Vieira.
Entre os que votaram de maneira presencial, apenas Angelo Coronel (PSD/BA) manifestou-se contra o texto final. Todos os demais votos pelo “Não” vieram de maneira remota, pelas mãos dos senadores Eduardo Gomes, Efraim Filho e Professora Dorinha Seabra.
A dança dos blocos
As ausências de membros da CPI foram decisivas para a rejeição do relatório. Entre os senadores titulares da Comissão que deixaram de votar estão Osmar Aziz (PSD/AM), Humberto Costa (PT/PE) e Vital do Rêgo (MBD/PB).
As normas do Regimento Interno que regulam o funcionamento das CPIs no Senado também foram decisivas para esse resultado.
A composição da Comissão é proporcional ao tamanho das bancadas de cada bloco partidário. Quanto maior, mais membros ele pode indicar.
Na CPI das “Bets”, o Bloco Resistência Democrática, hoje formado apenas por PSB e PSD (mas que contava com a participação do PT, quando a Comissão foi lançada, no fim do ano passado), teria direito a indicar quatro membros titulares, além de dois suplentes. Atualmente, uma dessas cadeiras de titular está vaga. Desse grupo, veio um dos votos contrários ao relatório de Soraya.
O segundo maior bloco da CPI era o Democracia, que reúne MDB e União Brasil e tinha direito a três titulares e dois suplentes na investigação. Daqui saíram dois votos pelo “Não” e um pelo “Sim”.
No Bloco Parlamentar Aliança, que indicou apenas senadores do PP para a Comissão (mas que conta também com a participação do Republicanos), Dr. Hiran, o único titular, escapou de ter de se posicionar sobre o relatório, pois só votaria em caso de empate.
O Bloco Independência, formado por Podemos, PSDB e PDT, tinha apenas uma titular, a relatora Soraya, que não poderia ficar contrária à obra que ela própria concebeu.
Mas foi no Bloco Parlamentar Vanguarda, formado por PL e Novo, que a regra regimental ajudou a derrubar o relatório da CPI das “Bets”.
Eduardo Girão, um dos titulares do grupo, prontificou-se a votar a favor do texto de Soraya. Na hora da votação, também estava presente à reunião o senador Izalci Lucas (PL/DF).
Inicialmente, o parlamentar planejava apresentar voto em separado, a favor de um relatório alternativo por ele redigido, que apresentava propostas ainda mais duras que as de Soraya.
Como a senadora optou por incorporar sugestões do colega a seu texto, Izalci fechou posição pelo “Sim”.
Ocorre, porém, que ele é suplente na CPI. Como Eduardo Gomes, titular indicado pelo bloco, também computou seu voto, a participação de Izalci acabou não contando no placar final.
Agora, resta saber se o relatório rejeitado de Soraya terá subsídios suficientes para mobilizar o MP e a PF. Ou se, do contrário, a CPI das “Bets” ficará marcada apenas pelas selfies de senadores com influenciadores.