Uma retificação do edital de loterias estaduais feita pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) abre a possibilidade de que empresas explorem apostas esportivas em nível estadual, mas possam aceitar clientes de todo o Brasil. Na prática, é como se o Rio de Janeiro houvesse regulamentado as apostas em nível nacional.
A correção no edital aconteceu no dia 26 de julho, um dia após o Governo Federal enviar ao Congresso uma medida provisória (MP) sobre apostas esportivas, que estabelece regras para os operadores e como será a tributação.
A MP precisa ser votada em 120 dias ou será necessário pleitear um projeto de lei sobre o tema nesse período. Na prática, se isso não acontecer em seis meses, o assunto volta à estaca zero, o que adiaria ainda mais a regulamentação definitiva das apostas. Por outro lado, o edital da Loterj pode servir de anteparo legal para empresas que já atuam no Brasil poderem explorar as apostas montando uma operação no país, com CNPJ nacional.
No entanto, essa zona cinzenta de legislação pode trazer problemas. Segundo a retificação do edital da Loterj, a empresa de aposta credenciada no RJ “possui sistema que garante, mediante prévia e expressa declaração e anuência do apostador, que a efetivação das apostas on-line sempre será considerada realizada no território do Estado do Rio de Janeiro, para todos os efeitos e finalidades, inclusive fiscais e legais”.
Ou seja, a regra abre brecha para que as empresas do setor aceitem clientes de fora do Rio de Janeiro, bastando apenas que o apostador concorde que a aposta tenha sido feita nos limites do estado.
O Rio de Janeiro também apresenta outras vantagens para os operadores de apostas. Em primeiro lugar, a licença para operar no estado é de R$ 5 milhões, em comparação à taxa de R$ 30 milhões pedida pelo Governo Federal. Os impostos também são menores, de 5% do GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), que representa a quantia arrecadada pelas empresas com as apostas, menos os prêmios pagos aos apostadores. Já a MP do Governo Federal estabelece uma taxação de 18% sobre o GGR.
Caixa contesta
A decisão da Loterj é amparada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2020 retirou do nível federal o monopólio sobre loterias, permitindo que os estados também explorassem o setor. À época, essa foi uma das maneiras de fazer com que os estados pudessem ter novas formas de arrecadação para ajudar nos esforços de superação da pandemia de Covid-19.
O problema é que a lei 6.259/1944, que trata das loterias, estabelece que “a loteria federal terá livre circulação em todo o território do país, enquanto que as loterias estaduais ficarão adstritas aos limites do Estado respectivo”.
Com base nisso, a Caixa, que explora o setor no âmbito federal, enviou à Loterj, no último dia 10 de agosto, uma contestação ao seu edital dizendo que a mudança na regra poderia ocasionar prejuízo para o mercado de loterias federais.
No documento, ao qual a Máquina do Esporte teve acesso, o banco afirma que “as legislações estaduais devem somente viabilizar o exercício de sua competência administrativa de instituir o serviço público de loterias em seus territórios de acordo com as normas federais”.
Loterj responde
A Loterj contestou o pedido da Caixa de maneira formal e também o mérito da questão. Segundo o órgão fluminense, o pedido de impugnação do edital teria que ser feito até 2 de agosto, mas o documento da Caixa é datado do dia seguinte. Além disso, o documento do banco é assinado por Maria Thereza Assunção, gerente nacional de produtos de loterias, e Rodrigo Takahashi, superintendente nacional de loterias. A Loterj afirmou que ambos não apresentaram “qualquer identificação documental comprobatória da correspondente capacidade representativa”.
Na questão do mérito, a autarquia estadual afirmou que a argumentação para impugnar o edital “reflete um conceito de exploração desatualizada, nos moldes de 70 anos atrás, desacompanhada de todas as mudanças política, social, econômica, cultural, tecnológica, populacional”.
Segundo a Loterj, “por vias oblíquas, tenta combater as instituições lotéricas estaduais, contendo insinuações em descompasso, inclusive, com o mais recente posicionamento fixado pelo STF no ano de 2020”.
Diante dessa resposta, a Máquina do Esporte apurou que o Ministério da Fazenda, pasta responsável por fundamentar o projeto de regulamentação das apostas esportivas no Brasil, ainda estuda que medida tomará. O caso pode ir parar na Justiça.
Licenciamento
A Loterj manteve, assim, seu edital, cujo prazo para credenciamento se esgotou em 11 de agosto. Um total de oito casas de apostas entraram com pedido para se licenciar no Rio de Janeiro.
Duas delas já criaram CNPJ no estado e estão aptas a explorar apostas de cota fixa (nome técnico das apostas esportivas). São elas a Loto Carioca e a Pixbet, um dos principais players do mercado nacional, que patrocina a camisa de times como Flamengo, Corinthians e Vasco. Segundo a Loterj, a Pixbet está apta a operar no Rio de Janeiro desde a última quarta-feira (23).
Há mais casas de apostas que já pediram o credenciamento, mas ainda não completaram o processo. Esse grupo é formado por Laguna, JBD, SDL, ST Soft, 1xBet e Lema.
Dessas, a operadora mais conhecida é a 1xBet, que detém os naming rights da Superliga de Vôlei e patrocina as Séries A e B do Brasileirão. Além disso, a empresa também já foi patrocinadora de Campeonatos Estaduais pelo Brasil, com destaque para o Paulistão, Cariocão, Mineiro, Gaúcho, Paranaense, Baiano, Cearense e Goiano, entre outros, além da Copa Verde.
Procuradas para comentar a iniciativa de se licenciar no Rio de Janeiro, nem Pixbet nem 1xBet, as plataformas de apostas mais conhecidas desse grupo, quiseram se pronunciar.
A Caixa, por sua vez, enviou a seguinte nota sobre o tema:
A Caixa informa que a exploração de loterias pelos estados deve observar a respectiva circunscrição territorial, fundamento que levou à impugnação ao edital da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj).
A exploração da Loteria Federal, que contempla jogos lotéricos comercializáveis em âmbito nacional, é exclusiva da União e realizada pela Caixa nos termos da legislação vigente.
A Caixa está comprometida com o atendimento das normas regulatórias estabelecidas para o setor e com a garantia da legalidade e segurança das atividades de apostas realizadas no país.