A regulamentação do setor de apostas esportivas está em vias de chegar a um momento crucial. A medida provisória (MP) editada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de disciplinar a atividade, deverá ir a votação na Câmara dos Deputados dentro de alguns dias.
O texto foi publicado em 25 de julho deste ano, com validade de 60 dias, prorrogável por mais 60. Portanto, o Congresso tem prazo máximo de até 120 dias para aprovar ou rejeitar a MP. Representantes do setor e especialistas ouvidos pela Máquina do Esporte acreditam, porém, que a tramitação da matéria ocorra de maneira mais rápida, apesar dos prazos apertados.
Na última terça-feira (29), o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, prometeu que colocará o tema em pauta na próxima semana. Por conta do feriado da Independência do Brasil, que será celebrado na quinta-feira que vem (7) e certamente resultará em uma “ponte” com o sábado (9) e o domingo (10), a tendência é de que a votação venha a ocorrer, de fato, a partir do próximo dia 14 de setembro.
Existe um detalhe que reforça essa expectativa: MPs presidenciais que não tiverem sido votadas após 45 dias da data em que entraram em vigor podem trancar a pauta do plenário. Ou seja, os deputados ficam impedidos de deliberar sobre outros projetos relevantes, enquanto aquele texto considerado prioritário não tiver sido analisado e devidamente encaminhado.
E justamente a partir da semana do dia 14 de setembro, a MP das Apostas terá essa capacidade de trancar a pauta da Câmara dos Deputados.
Mobilização
Nos últimos dias, representantes das empresas de apostas rumaram a Brasília (DF), com o objetivo de criar uma mobilização em favor da aprovação da MP das Apostas.
“Arthur Lira sinalizou que a Câmara deve votar o projeto até a semana que vem. Como haverá feriado, acredito que acabe ocorrendo na semana seguinte. De qualquer modo, o fato é que a vontade política está posta. A questão, agora, é de execução”, afirmou André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que congrega diversas empresas do setor no país.
Segundo ele, representantes do setor estiveram reunidos nesta semana com o deputado federal Adolfo Viana, relator do projeto. Além de pressionarem para que a questão seja deliberada logo, as empresas buscaram obter ajustes no texto da MP.
Embora tenham elogiado a iniciativa do Governo Federal de tentar regulamentar a atividade, as casas de apostas criticam a tributação de 18% estabelecida pelo Executivo e que, somada a outras taxas, impostos e contribuições, poderia resultar em uma carga de 35% (leia mais abaixo).
“Jabutis”
Falecido em 1992, Ulysses Guimarães foi um deputado de atuação destacada no Congresso Nacional. Conhecido por liderar a oposição à Ditadura Militar (1964-1985) no parlamento e a Campanha das Diretas Já, em 1983 e 1984, ele presidiu a Câmara Federal em duas ocasiões, de 1956 a 1958 e de 1985 a 1989.
Foi Ulysses Guimarães o responsável por criar o termo “emenda jabuti”, usado para se referir a propostas que parlamentares tentam incluir nas MPs e que nada têm a ver com o texto original editado pelo Executivo. “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente, ou foi mão de gente”, afirmava o político.
Desde que ele se foi, muita coisa mudou na política e no próprio Brasil. As “emendas jabutis”, no entanto, seguem firmes e fortes como uma das mais sólidas “instituições” do nosso parlamento.
A MP das Apostas não poderia fugir a essa regra. Desde que chegou à Câmara, o texto já recebeu 200 emendas. Algumas buscam aprimorar ou corrigir pontos relevantes do projeto. Outras, porém, passam longe disso.
“As emendas vão desde alteração da tributação sobre a atividade até a legalização de outras verticais do jogo (como cassino on-line, bingo e jogo do bicho)”, explicou Udo Seckelmann, advogado especialista em apostas. Para ele, devido à grande quantidade de mudanças sugeridas por parlamentares, a tendência é de que o texto renda muita discussão no Congresso.
Tiago Gomes, sócio do Ambiel Advogados e especialista em regulamentação de jogos e apostas, é otimista em relação ao prazo para votação da MP. Ele é um dos que “apostam” que a questão irá a plenário nas próximas semanas. O profissional não acredita que o texto original, editado pelo Executivo, venha a ser descaracterizado pelos congressistas.
“É difícil saber como será a versão final a ser votada. Em todo caso, o trabalho do Ministério da Fazenda foi muito bem-feito e buscou o diálogo com o mercado, ouvindo as demandas do setor. Nesse sentido, acho pouco provável que ’emendas jabutis’ possam ser aprovadas pelo Congresso”, analisou Gomes.
Portarias
Caso venha a ser aprovado pelos deputados, o texto que trata das apostas esportivas será encaminhado para o Senado e ainda poderá retornar à Câmara para ajustes, antes de ir para sanção ou promulgação.
Vale destacar, no entanto, que, mesmo depois que a MP das Apostas (ou qualquer outro projeto que verse sobre esse tema) vier a ser aprovada, isso não significa que o setor estará regulamentado no Brasil.
“O setor de apostas esportivas de quota fixa continua desregulamentado no Brasil. Desde a promulgação da Lei 13.756/2018, a atividade foi legalizada, mas permanece sem uma regulamentação efetiva. As apostas esportivas de quota fixa apenas serão efetivamente regulamentadas quando o Ministério da Fazenda publicar as portarias que estabelecerão as diretrizes e regras a serem seguidas pelo setor”, enfatizou Seckelmann.
Para que essa normatização ocorra, é necessária, antes, a aprovação da legislação sobre o tema. Gomes acredita que, dependendo da agilidade com que a matéria avançar no Congresso, as primeiras portarias poderão ser publicadas entre o fim de setembro e o início de outubro. Gelfi, por sua vez, avalia que isso possa se dar até o fim deste ano.
Depois de publicadas as portarias, haverá ainda um prazo de 180 dias para que elas produzam efeitos legais. Portanto, se tudo correr dentro do planejado pelo Governo Federal, a regulamentação das apostas no Brasil valerá, de fato, apenas a partir do ano que vem.
Tributação
Atualmente, a tributação representa o principal ponto de polêmica na MP das Apostas. As empresas prefeririam que fosse mantida a taxa de 5%, prevista na lei de 2018, que perdeu a validade no fim do ano passado, justamente por falta de regulamentação.
Seckelmann compartilha dessa visão.
“A tributação estabelecida pela MP está extremamente alta se comparada às melhores práticas internacionais e a países com regulamentação madura de iGaming. Nenhum país do mundo teve uma regulamentação de sucesso aplicando taxas e carga tributária tão elevadas. Isso precisa ser revisto no Congresso”, avaliou.
O grande argumento utilizado pelos críticos da carga tributária trazida pela MP é de que ela, além de afastar possíveis investidores, tornaria o mercado regulado menos atrativo para os apostadores do que o paralelo.
Gomes, porém, discorda dessa visão. Ele acredita que a taxação prevista na MP permitirá que as empresas tenham margem para ganhos e também considera que ela não estimulará o mercado paralelo.
“Entendo as críticas do setor. Mas temos de analisar a realidade do Brasil. Aqui, esse é um mercado de diversão. O tíquete médio no nosso país não é de um consumidor que busca retorno financeiro com a aposta, mas sim de alguém que deseja mais se divertir. Então, não vejo como esse apostador médio poderia migrar para o mercado paralelo”, opinou.
Embora preferisse a tributação prevista na lei de 2018, Gelfi ponderou que uma carga total um pouco abaixo de 25% já ajudaria a tornar o mercado brasileiro mais competitivo para os investidores.
“O Governo Federal já fez a parte dele, que era editar a MP. Agora, depende do Congresso fazer os ajustes necessários no texto”, finalizou.