Entre clubes brasileiros, poucos tiveram tantas vitórias quanto o Internacional na década de 2000. Ao todo, foram conquistados seis troféus internacionais e seis títulos estaduais, embora nenhuma competição nacional tenha sido vencida. O desempenho no futebol, entretanto, ainda não conseguiu eliminar problemas financeiros.
Com receitas anuais na ordem de R$ 180 milhões, o clube gaúcho ainda enfrenta déficit de R$ 20 milhões durante esse período. “O Inter é o único que tem ganhado títulos sistematicamente, nacional e internacionalmente, mas achamos que ainda não capturamos todo o valor disso”, avalia Aod Cunha, executivo-chefe da equipe.
Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, o economista explica que, apesar de o Internacional possuir 104 mil sócios, ainda necessita da venda de atletas para equilibrar as finanças. O objetivo, para os próximos anos, é reduzir essa dependência. Por essa razão, dois temas ganham relevância: Beira-Rio na Copa de 2014 e Clube dos 13.
Por um lado, o Internacional admite que não deve seguir o modelo de autofinanciamento proposto pela gestão anterior. Outros clubes, como Grêmio e Palmeiras, optaram por ceder direitos a empresas como OAS e WTorre para viabilizar a construção de novo estádio. Ao Inter, falta a aprovação do conselho deliberativo para seguir o mesmo caminho.
Em relação ao Clube dos 13, ainda com discurso cauteloso, o clube gaúcho mantém a preferência pela negociação coletiva de direitos televisivos, mas garante que irá receber e analisar todas as ofertas possíveis. “Essa é a posição mais centrada nos interesses do Inter e nos do próprio campeonato”, justifica o executivo-chefe do clube.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: Para alguém que veio da política, em praticamente dois meses de trabalho, quais são as suas impressões sobre a gestão no futebol?
Aod Cunha: Na verdade, eu saí da área acadêmica, do setor privado. Tive dois anos como secretário da Fazenda, depois fui para os Estados Unidos e estive um ano no Banco Mundial. O futebol é um ambiente diferente, evidentemente, porque há uma complexidade. É um esporte movido por paixão. Nosso propósito é avançar em termos de gestão profissional, então é um exercício de paciência, de criar metas de longo prazo e superar adversidades a todo momento.
ME: Quais são suas atribuições no cargo de executivo-chefe? O que fica sob sua responsabilidade e o que continua com o presidente?
AC: Essa função de CEO, que foi criada em janeiro, acabou agrupando funções das áreas financeira, de gestão, de marketing, patrimonial e administrativa. Todas essas funções estão comigo, e trabalho integrado também com o vice-presidente de futebol. Temos diálogo constante, afinal o futebol é a atividade fim e principal fonte de despesas e arrecadação do clube. O presidente fica com questões importantes, como relações institucionais, dentro e fora do clube, e com a política do clube como um todo. Tenho um trabalho diário, cotidiano, integrado ao do presidente. Meu contrato é de dedicação diária ao Internacional.
ME: A criação do cargo de executivo-chefe é um movimento que deve ser seguido por outros clubes?
AC: É uma tendência natural, tenho dito muito isso, caminhar rumo à profissionalização. Não sei se por meio desse cargo, mas ter cada vez mais equipes de executivos e profissionais trabalhando no futebol, porque há um conjunto de oportunidades que farão o mercado esportivo brasileiro crescer muito. Como qualquer setor, onde há oportunidade, o mercado se organiza. Esses clubes vão ter de se profissionalizar, se não quiserem ficar para trás.
ME: Qual a percepção do Internacional hoje em dia sobre receber a Copa do Mundo em 2014? Vocês consideram a possibilidade de isso não acontecer?
AC: Estamos trabalhando para estar na Copa. Continuamos trabalhando. Eu entrei em janeiro, mas o clube já havia tomado há mais de um ano a decisão de pleitear e receber a Copa do Mundo. O Internacional optou por modelo de autofinanciamento, e quando assumi em janeiro recebi, entre outras missões, a demanda de realizar estudos de viabilidade para identificar possibilidades. O que identificamos é que, para se atingir o objetivo de ter estádio nos padrões da Fifa, e para não contaminar as finanças do clube, na nossa avaliação, não há outro modelo senão o de ter uma parceria estratégica. Essa é a discussão que estamos fazendo nos conselhos fiscal, consultivo e deliberativo.
ME: Entre manter a reforma do estádio com recursos próprios e contar com o auxílio de uma construtora para viabilizar o projeto, qual é o caminho mais viável atualmente?
AC: Nossa posição é clara: conseguir parceira. Mas como é uma decisão muito importante, que vai impactar nas próximas décadas do clube, estamos levando essa posição e alteração para o conselho deliberativo. Ele tomará a decisão.
ME: Como os investimentos no Beira-Rio estão afetando as finanças do Internacional? Qual é a atual situação financeira do clube?
AC: Na verdade, há separação de contas. Temos a conta da obra, da venda de algumas suítes e cadeiras, da venda do Eucaliptos, estádio antigo do clube, e esses são os recursos financeiros até esse momento. Não há contaminação das finanças, mas a preocupação é que, ao mesmo tempo, resolvamos o déficit estrutural do clube. Como outros clubes brasileiros, e o Inter não é diferente, as receitas cresceram muito, mas as despesas também cresceram. Nosso plano é, em diferentes etapas, melhorar a equação financeira do clube. Nossa avaliação é de que o clube deve focar nas atividades fim, que é a gestão do time de futebol, jovens talentos, entre formar, contratar e selecionar, gestão da marca e gestão dos sócios. Não queremos abrir flancos de investimento que não estejam ligados à nossa atividade fim, como nos aventurarmos em obras. Então achamos que, por vocação, não devemos fazer nada que prejudique a boa gestão financeira.
ME: Você pode ilustrar esse déficit estrutural com números?
AC: Nossas receitas subiram significativamente nos últimos anos. Estamos na casa dos R$ 180 milhões, e temos déficit aproximado, no final de cada exercício, de R$ 20 milhões. O clube também começa o ano com a necessidade de financiamento de R$ 80 milhões. E aí o que fazemos todo ano, que ainda é nossa principal fonte de receita, é a venda de direitos federativos. Depois, com um terço para cada, temos direitos televisivos, marketing e sócios, mas a receita com venda de atletas ainda é maior. Queremos depender menos, por necessidade, da venda de atletas, e para isso precisamos ter um padrão de financiamento maior, avançar nesse modelo.
ME: O que vocês estão fazendo para diminuir esse déficit?
AC: Trabalhamos em duas frentes: controle e redução de custos, de um lado, e diversificar fontes de receita, de outro. Estamos trabalhando na melhor captura do valor de parcerias, patrocínios e publicidade. O Inter é o único clube que tem ganhado títulos sistematicamente, nacional e internacionalmente, mas achamos que ainda não capturamos todo o valor disso. Estamos fazendo movimentos nessa direção. Expandir receitas com sócio, por exemplo. Já temos um bom número de sócios, mas queremos diversificar as fontes de receita com relacionamento. Há também a possibilidade de exploração imobiliária no entorno do Beira-Rio. Não conseguiremos equacionar tudo no curto prazo, mas nos próximos anos vamos depender menos da venda de jogadores na área financeira.
ME: Em relação ao racha no Clube dos 13, qual é a posição atual do Internacional? Vocês já pensam em negociar os direitos televisivos separadamente?
AC: Nossa posição sempre foi preponderantemente de negociar coletivamente. Nós queremos negociar em conjunto e queremos valorizar o Campeonato Brasileiro. Por isso, em determinado momento, ficamos com o Clube dos 13. Quando olhamos para as ligas europeias, aquelas ligas que mantiveram a negociação coletiva, como Premier League e Bundesliga, conseguiram melhor performance na venda, ficaram com campeonatos mais equilibrados, ou pelo menos menos desequilibrados. Diferente da liga espanhola, na qual a receita de dois clubes se distanciou muito. Não gostaríamos que isso acontecesse com Corinthians e Flamengo, falando abertamente, no Brasil. Essa é a posição mais centrada nos interesses do Inter e nos do próprio campeonato. Estamos mantendo essa preocupação, olhando desdobramentos do ponto de vista de segurança jurídica. Mas, agora, estamos abertos a ouvir todas as propostas possíveis, de preferência nesse formato de negociação coletiva.