Gustavo Ioschpe

A G7 Cinema, pertencente ao economista e cientista político Gustavo Ioschpe, encontrou um nicho bastante específico para explorar no esporte. Com nove filmes produzidos, capitalizou a relação entre torcedores e clubes como Grêmio, Internacional, São Paulo e Corinthians, e se consolidou no mercado brasileiro.

Com três modelos de negócios possíveis para viabilizar o desenvolvimento dessas películas – com patrocínios obtidos via Lei de Incentivo, em negociação direta com a empresa ou até sem apoio financeiro -, a regra é lucrar. “Eu me preocupo com qualidade, mas também para que sempre dê retorno financeiro”, afirma Ioschpe.

Em entrevista à Máquina do Esporte, o empresário contou quais são as principais dificuldades encontradas em negociações de patrocínio e os trunfos para conseguir suporte financeiro da iniciativa privada. O impacto emocional que filmes de futebol causam no espectador, comprovado por pesquisas, predomina. 

O dono da G7 Cinema também avaliou a situação do mercado de filmes de futebol no Brasil, na qual as perspectivas não são nada animadoras, e ponderou a respeito dos grandes eventos esportivos como oportunidade de negócio para o meio cinematográfico. “Nada supera a relação entre clube e torcedor”, argumenta Ioschpe.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Máquina do Esporte: O mercado de filmes de clubes está em expansão? Você teme concorrência nesse nicho em breve?

Gustavo Ioschpe: Já fizemos nove filmes, de vários clubes, das regiões sul e sudeste, do Campeonato Brasileiro, da segunda divisão, de Libertadores, Mundial, e acho que todos os desafios que tínhamos foram superados, às vezes até com muito mais do que o esperado em termos comerciais. Agora, deve diminuir o volume de produção no Brasil. Em geral, porque esse mercado vai passar por momento de readaptação, reacomodação.

ME: Por quê?

GI: Para nós, historicamente, a principal fonte sempre foi o home video, o DVD, mas é um mercado em declínio, porque essa é uma mídia que pode deixar de existir ou deixar de ser economicamente viável em poucos anos. Terá de haver reinvenção do modelo de negócios para que continue a ser lucrativo, então estamos em período de transição.

ME: Para onde o mercado caminha?

GI: Com o DVD acabando, ainda não sabemos se o mercado irá migrar para o formato online, com transmissão digital, porque isso ainda não está consolidado. Não sabemos se será via download, streaming, computador, celular, televisão, então ainda é algo que está nascendo.

ME: Quanto tempo terá essa transição? O que a G7 fará nesse período?

GI: Teremos pelo menos quatro ou cinco anos de incerteza, e imagino que isso fará com que o mercado não cresça muito. A questão econômica precisa ser equacionada. Da nossa parte, faremos menos projetos, sempre focados na qualidade de cada produto, para que sejam muito superiores e se viabilizem comercialmente, acessando mercados fora do tradicional. Há algo muito forte fora do país, como vender filmes para canais de TV estrangeiros, sites. Em termos macro, está acontecendo no cinema o que aconteceu com a música, a morte de um paradigma para o surgimento de outro. O cinema terá de se reinventar.

ME: Como grandes eventos, como Copa e Jogos Olímpicos, devem impactar nesse nicho?

GI: Esses grandes eventos só são realizados por players globais, então estamos nos esforçando para atingir esse patamar. Mesmo tendo Copa e Olimpíadas no Brasil, esses filmes não serão produzidos só por brasileiros, mas por produtoras com histórico de relacionamento com as entidades – Uefa, Fifa, COI – que tenham estrutura global de distribuição. O mercado brasileiro continuará existindo, com DVD de Estadual, Brasileiro, mas os grandes eventos, segundo meu feeling, serão feitos por players globais.

ME: Como a G7 irá se comportar diante desses eventos?

GI: Nosso objetivo é ser líder global. A maioria dos nossos produtos no futuro serão sobre clubes e eventos globais. Essa é nossa meta e ambição. Se conseguirmos, será um passo natural poder fazer filmes sobre Copa, Olimpíadas, mas também não é nosso principal objetivo. A minha visão é que nada supera a relação que clube tem com torcedor, inclusive seleções ou Olimpíadas. Quero fazer grandes filmes, que tenham como pano de fundo o futebol, principalmente de clubes e torneios.

ME: Por que futebol?

GI: Futebol desperta sentimentos humanos, universais, e é isso que me interessa. As gerações passam o futebol umas para as outras, e isso me dá material para cinema. Os pais passam o futebol para os filhos.

ME: Quais propriedades comerciais podem ser exploradas em um filme?

GI: Nós fazemos do patrocínio um mecanismo no qual a empresa aparece em telas iniciais, trailers, pôsters, material de divulgação, DVD, embalagem dos produtos, e também abrimos o filme para que sejam feitos eventos e pré-estreias.

ME: Dá para fazer publicidade dentro do filme, como com um personagem consumindo determinado produto?

GI: Dentro do filme, da história, a grande maioria dos diretores exige que não haja interferência comercial. Se a empresa patrocina um clube e nós gravamos em um estádio que tenha a placa dela, mostramos, claro, mas não colocamos nenhuma cena proposital, senão fica forçado. A própria Ambev é nossa patrocinadora em quase todos os filmes, e eles não querem fazer com que um depoimento seja dado com copo de Brahma na mão.

ME: Como você consegue tornar a produção de filmes sobre clubes um negócio rentável? Onde dá para captar recursos com mais facilidade?

GI: Temos experiência de fazer filmes com Lei de Incentivo e patrocínios que não sejam captados por meio dela. Já fizemos nove filmes, e há três categorias: patrocínio com incentivo fiscal, sem incentivo fiscal e sem patrocínio nenhum. Eu me preocupo principalmente para que tenha qualidade, mas também para que dê resultado financeiro. Não posso pagar para trabalhar. Quando não temos patrocínio, fazemos adequação, sacrificamos algumas coisas para que o filme seja comercialmente viável, como lança em cinema digital, na internet, porque película é o que torna o negócio mais caro.

ME: Como vocês convencem empresas de que vale a pena patrocinar?

GI: Nós conseguimos demonstrar, por meio de pesquisas de opinião, que nossos filmes despertam reação emocional que nenhum outro consegue. Podemos não ter a maior bilheteria, mas impactamos em um número muito grande de pessoas, com centenas de milhares de espectadores nos cinemas e no DVD. Também impactamos um número bem significativo de maneira profunda. Temos pesquisas que mostram isso. O filme da conquista da Libertadores pelo Inter, por exemplo, fez com que 77% dos que saíram das salas de cinema dizerem que foi o melhor filme da vida. Mais de 90% recomendariam para amigos. A relação é absolutamente passional. É isso que o patrocinador quer. Os filmes de futebol são colecionados, vistos repetidas vezes. Temos relatos de gente que já viu 15 vezes o mesmo filme. Para empresas que têm visão de apoiar cinema e esporte, damos uma taxa de retorno absurda.

ME: Quais as dificuldades na hora de conseguir o patrocínio?

GI: A maior dificuldade é que, como fazemos filmes de clubes, as empresas ainda têm reticências em apoiar filmes de um clube só para não antagonizar com o rival, mas essas resistências estão sendo vencidas. As pessoas têm notado que há mais maturidade entre a torcida, sem gerar animosidade à marca só porque ela patrocina o rival. Temos pesquisas que mostram que 95% dos torcedores não boicotariam a empresa que patrocinasse o outro time. A Ambev patrocinou filmes de Grêmio, Inter, São Paulo, Corinthians, e ninguém disse que ela é partidária de um ou de outro.

ME: Você fechou negócio com a Universal Pictures para produzir um filme sobre a Champions League. Como está esse negócio?

GI: Ainda precisamos de acordo com a Uefa. Se sair, a Universal nos ajuda na distribuição. Nós fazemos a produção, entregamos o produto pronto, e eles põe no cinema, em DVD, canais de TV, internet, fazem com que o produto chegue nas mãos das pessoas. Precisamos da anuência da Uefa. Com a participação dela, já podemos fazer, mas também queremos parceria com o time que for campeão da Champions.

ME: Por quê?

GI: Nosso foco é fazer filmes que sem focados em emoção, e não especificamente o que acontece no gramado. Para isso é muito importante ter a participação do clube, para que ele disponibilize atletas, comissão técnica, para que ele nos ajude a divulgar, a chegar na torcida. Normalmente fazemos um website no momento em que o filme é anunciado, para que torcedores participem e se envolvam de três maneiras. A primeira é a escolha do layout gráfico do pôster. A segunda é mandar imagens de dentro das próprias casas, para que façamos um álbum. E a terceira é contar a história de um assunto que possa ser retratado, e o torcedores com as melhores histórias são inseridos no filme. Essa participação do time não é obrigatória, mas é positiva.

ME: E em relação à Uefa? Vocês estão confiantes em convencê-la?

GI: Com a Uefa já estamos em contato. Eles ficaram impressionados com o que fizemos, mas agora estão envolvidos com o trabalho da final. Vamos conversar na sede deles na Suiça depois da Champions para mandar mais materiais, filmes na íntegra, para determinar se vamos fazer ou não. Eles não têm impedimento contratual com ninguém, nunca fizeram nada para cinema, então a chance é muito boa. A preocupação deles é com qualidade, fazer algo compatível com o nível da Champions, e isso modéstia à parte me tranquiliza bastante, porque temos feito produtos que vencem festivais, primam pela qualidade de imagem, música, roteiro.

ME: Dá para fazer filmes que não sejam necessariamente documentários, como histórias fictícias, nas quais a marca do clube é inserida?

GI: Dá, mas não é minha praia. A realidade é tão rica e inacreditável… Tem coisas que ouço, que se fossem ficção, diriam que é inverossímil. Se ficar no mundo do documentário, tem material de sobra para trabalhar.

ME: Como você identifica potencial para fazer filmes nos clubes? Depende de títulos recentes, por exemplo?

GI: Não depende de nada. Qualquer time que tenha torcida grande, leal, como são todas as torcidas, têm potencial para grandes filmes. O que mais nos interessa não é o que acontece dentro das linhas, mas fora delas. A relação da torcida com o clube, e também as relações interfamiliares, como entre pais, filhos, maridos, mulheres. Já ouvi histórias de tudo o que se pode imaginar. Pais que não se dão bem com filhos, mas que se unem porque torcem juntos. Marido e mulher que namoram há quatro anos, são virgens, e não fazem sexo em determinado dia porque era final do campeonato. Gente que, por causa da vitória do clube, acredita que venceu a luta contra o câncer. Há literalmente um infinito leque de emoções humanas.

ME: Mas o futebol em si é importante, não?

GI: Essa foi minha primeira grande dúvida. Do filme dos Aflitos, que foi o primeiro e teve um êxito estrondoso. Era um episódio com quatro expulsos, todas aquelas circunstâncias, no qual um time saiu vitorioso. O próprio Felipão [Luiz Felipe Scolari, técnico] disse que isso só aconteceu uma vez na história, e pensei: até que ponto isso pode ser replicado com outros times? Essa dúvida foi respondida no segundo filme, do Inter no Mundial, porque a campanha foi curta, de dois jogos, e eles foram chatos. Não teve nenhum acontecimento surreal, pelo contrário. O jogo foi amarrado, de meio-campo, 1 a 0, com gol do reserva que era detestado pela torcida. Todos os elementos diziam que a história era micada, sem emoção, mas teve mais sucesso do que o filme dos Aflitos.

ME: Qual o papel dos críticos nos filmes de futebol? Qual o peso da opinião deles nas vendas?

GI: Nosso objetivo não é fazer filmes que sejam sucesso de crítica, mas do agrado do torcedor. Como o caminho para agradar o torcedor é fazer um grande filme, eles também têm sido reconhecidos pela crítica. O Merten [Luiz Carlos Merten, colunista do jornal “O Estado de S. Paulo”], um dos mais conceituados e rigorosos do país, disse que o filme do Inter é um dos três melhores filmes de futebol do mundo para ele. Temos resenhas boas no Estadão, na Folha. O Fiel e o Soberano foram indicados para festivais. Quatro dos nossos filmes foram para festival na Alemanha. Outro para amostra em Milão. A mídia italiana gostou tanto que o Berlusconi comprou alguns filmes para exibir na Itália. Não são filmes conceituais, para ganhar Oscar, é claro.

ME: No cinema tradicional, as produtoras costumam usar a crítica para impulsionar os próprios filmes, às vezes estampando as frases na embalagem. Dá para fazer isso com filmes de futebol?

GI: Eu não saberia dizer, porque a relação com esses filmes é diferente. Ganhar festival abre portas para a distribuição, no caso deles. No filme de futebol a relação é mais simples. É importante, sem dúvida, ter qualidade. Há torcedores fanáticos que saem, dispõem-se a pagar ingressos, pipoca, apenas pela paixão, mas não acredito que isso aconteça sempre. Há filmes de concorrentes que não primam pela qualidade, porque dizem que futebol faz consumir de qualquer jeito, por causa da paixão, que as pessoas vão assistir de qualquer jeito, só porque é futebol. Torcedor não é idiota. Não é tão apaixonado, a ponto de não ver qualidade. Ele reconhece esforço, qualidade, uma combinação de fatores.

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