João Henrique Areias

O que há em comum entre Real Madrid, o basquete do Flamengo e o Avaí? A partir desta semana, os três podem dizer que em algum momento de sua história foram geridos com um mesmo modelo administrativo. O responsável pela união é João Henrique Areias, espectador e aluno de uma reformulação que o Real Madrid produziu no início deste século. Vice-presidente de esportes olímpicos do time carioca até o ano passado, ele foi contratado nesta semana para ser consultor de gestão dos catarinenses.

Areias foi diretor de marketing do Clube dos 13 durante o processo de criação da Copa União, principal competição nacional de futebol em 1987. Além de uma confusão sobre o campeão ? Flamengo e o Sport, declarado vencedor pela Confederação Brasileira de Futebol, brigam por esse rótulo até hoje ?, a competição ficou marcada pelo retumbante sucesso de suas ações de marketing.

Além disso, Areias foi vice-presidente de marketing do Flamengo entre 1987 e 1988. Em 1995, a Sportlink, empresa em que ele exerce o cargo de diretor-presidente, assumiu o marketing do Fluminense e da Confederação Brasileira de Basketball (CBB).

A Sportlink representa o atacante Sávio, que neste ano fechou com o Avaí. Foi para acompanhar o jogador que Areias conheceu a estrutura do Real Madrid, clube o atleta defendeu entre 1998 e 2002.

A relação com o Real Madrid fez Areias conhecer o modelo de gestão do presidente Florentino Pérez. O dirigente, que voltou ao comando da equipe espanhola no ano passado, foi artífice de uma migração para um formato parecido com o que o Avaí busca para este ano e que o esporte olímpico do Flamengo utilizou em 2009.

?É algo simples, mas que propiciou ao Real Madrid ser um clube moderno e se transformar em um dos maiores faturamentos do mundo, ao mesmo tempo em que briga por títulos?, disse Areias em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.

A reformulação de gestão é uma das apostas do Avaí para manter o bom rendimento recente. Promovido à elite do Campeonato Brasileiro do ano passado, o time catarinense terminou a temporada na sexta posição. A meta agora é a manutenção entre os 12 primeiros do país. E se existem argumentos para a torcida confiar nisso, eles passam pela história de Real e Flamengo.

Confira a seguir a íntegra da entrevista:

Máquina do Esporte: Qual vai ser seu trabalho no Avaí?

João Henrique Areias: Serei assessor especial da presidência. Eu vou ajudar com um trabalho de consultoria de gestão e de marketing esportivo. Vamos trabalhar juntos no aspecto de captação de receita, mas o principal foco é migrar o clube para um modelo profissional. Vou ajudar em outras coisas, mas o que mais me atraiu foi essa chance de trabalhar com um novo conceito de gestão.

ME: O senhor é diretor-presidente da Sportlink, agência que tem como único jogador representado o atacante Sávio, outro que acertou com o Avaí neste ano. Existe alguma relação entre as duas contratações?

JHA: Foi coincidência. Em nenhum momento houve alguma condição ou alguém falou algo na linha do ?ele vem se eu vier?. Na primeira vez em que estive aqui no Avaí, vim para conversar sobre mim. Só que o presidente já tinha essa ideia de contratar o Sávio, que também se motivou com a perspectiva de continuidade da carreira em um local que oferece qualidade de vida e uma grande estrutura. Ele vislumbra até uma chance de continuar a carreira fora de campo aqui, seja na parte técnica ou administrativa. O Sávio fez o curso da Fundação Real Madrid, agora está cursando gestão na Trevisan do Rio de Janeiro. Ele tem uma ideia de continuar no futebol e se prepara para isso.

ME: Qual é o atual estágio dessa reformulação na gestão do Avaí? O clube ainda está estruturando um plano ou já começou a colocar isso em prática?

JHA: Na verdade, o processo de modernização já vinha sendo feito pelo Ênio [Gomes, diretor de planejamento do clube]. Estou conversando com ele para ajustar o que já foi feito, até porque estou pegando a coisa no meio do caminho. Tivemos uma reunião ontem [quinta-feira], outra ainda nesta semana. Estamos tentando dar andamento às coisas.

ME: E como é o modelo que o senhor pretende implantar no Avaí?

JHA: A ideia é fazer algo parecido com o que acontece no Real Madrid. Vamos dividir o estratégico, que vai ser composto por dirigentes voluntários, e o operacional, com uma estrutura eminentemente profissional. Essa estrutura operacional será formada por um CEO e outros executivos. Haverá um diretor esportivo para cuidar do esporte, que é a atividade fim, responsável pelo futebol e pelos esportes olímpicos; um segundo executivo cuidará das atividades meio, como marketing, comunicação e novas mídias; e um terceiro vai gerenciar atividades de apoio, como a parte econômica e de negócios, o RH e a TI. A divisão é simples: em cima temos o estratégico, formado pelos conselhos, e abaixo uma estrutura profissional na parte operacional. É algo simples, mas que propiciou ao Real Madrid ser um clube moderno e se transformar em um dos maiores faturamentos do mundo, ao mesmo tempo em que briga por títulos.

ME: Mas esse modelo não impediu o crescimento da dívida do Real Madrid…

JHA: Há uma confusão cronológica nessa sua linha de raciocínio. Quando o Florentino Pérez assumiu a presidência do Real, em 2000, ele pegou um clube cheio de dívidas e usou a questão patrimonial para levantar dinheiro. Aí implantou esse modelo novo, mais sustentável. Lembro que quando eu cheguei lá com o Sávio parecia que eu estava entrando no Flamengo, diretamente para a sala do presidente. Com o Florentino, até isso mudou. Ele reformulou a estrutura, colocou uma secretária, criou uma recepção. Morei lá durante quatro anos e vi essa mudança. A partir de um novo modelo de gestão, ele levou um clube endividado para outro patamar. Hoje em dia eles têm dívidas, mas como qualquer empresa. É algo controlado, voltado ao investimento. O Avaí também quer algo assim. O nosso último balanço mostrou uma dívida, mas foi um investimento no estádio, no nosso patrimônio. Não foi para pagar frutos de uma má gestão.

ME: Qual é a meta do Avaí com essa nova estrutura de gestão?

JHA: O Avaí conseguiu, em quatro anos de trabalho, chegar à elite do futebol brasileiro. Foi um trabalho fantástico, uma ascensão difícil, mas é mais difícil ainda permanecer em uma posição de elite. Nós queremos figurar entre os 12 melhores do maior futebol do mundo, a NBA do futebol. Sabemos que, para isso acontecer, precisamos tirar sempre um dos clubes dos principais centros. Portanto, precisamos modernizar a gestão e buscar um modelo que viabilize a permanência.

Se eu quisesse apenas buscar patrocínios, teria ficado no Rio de Janeiro, que terá Copa do Mundo e Olimpíadas pela frente. O que mais me motivou aqui foi a busca por um novo modelo de gestão. Queremos algo que dê perenidade e que faça o Avaí não ser um sopro, como foi recentemente o Figueirense, que voltou à Série B.

ME: A pretensão do Avaí é brigar por espaço com os grandes clubes do futebol brasileiro, mas o clube não tem a exposição de outros Estados ou uma larga tradição na elite nacional. Como equacionar isso e ainda assim apresentar um pacote atraente para os patrocinadores?

JHA: Eu vejo o Avaí com atributos e potenciais bastante interessantes. O estádio é praticamente completo no seu core business, por exemplo. É claro que é preciso ter ídolos e títulos para conquistar mercado, mas embaixo disso eu devo contar com uma pirâmide: é necessário investir no curto prazo, que é o time, no médio prazo, que é o estádio, e no longo prazo, que é o CT. Nós temos um estádio belo e estamos criando oportunidades para exploração comercial. Também estamos comprando um terreno para um novo CT ? obtivemos R$ 8 milhões para isso da Lei de Incentivo ao Esporte. É um conjunto de coisas que tornam o Avaí forte.

ME: Mas como isso pode ser traduzido em receita?

JHA: Estamos vendendo a pirâmide. No topo, há o patrocinador que terá o uniforme como principal propriedade, mas que também poderá usar um setor de 900 metros quadrados no estádio. Isso é suficiente para um camarote de até 500 pessoas para relacionamento com clientes ou fornecedores, inclusive em dias sem jogos. Como ?brinde?, ele ainda teria o naming right do estádio. Aí vem o CT. Buscamos parceiros que queiram participar, dar nome ao CT, juntar a marca deles a um processo de formação de atletas e todos os valores que isso representa. O CT ainda tem um clube social que o funcionário do cliente poderá frequentar. Se eu não posso oferecer o pacote de exposição de mídia de um clube de São Paulo, preciso buscar propriedades para equilibrar isso. Nesse processo, é fundamental entender a necessidade do cliente.

ME: Essa preocupação com a necessidade do cliente pode levar o Avaí a mais adaptações no pacote de propriedades do patrocínio?

JHA: Sim. Temos um possível cliente que quer criar uma sede em Florianópolis e está buscando área para isso. Nós temos a possibilidade de fazer um edifício em cada torre do nosso estádio, um para escritórios e outro para hotel, ambos com visão para o campo. O Avaí tem essa posição geográfica muito estratégica porque o estádio fica ao lado do aeroporto e a dez minutos do centro. Voltando ao Real Madrid: assim como aconteceu com eles, a questão imobiliária pode alavancar os recursos aqui.

ME: No ano passado, o senhor já havia falado sobre esse modelo de gestão para o esporte olímpico do Flamengo. Foi uma coincidência o Avaí apostar no mesmo formato ou o senhor que apresentou a ideia ao clube?

JHA: Nós implantamos isso no Flamengo e conseguimos pagar o time de basquete. Os salários estavam atrasados, o time de basquete não recebia havia quatro meses, a crise era total. Nós criamos o modelo, conseguimos equacionar e fomos campeões brasileiros e sul-americanos em cinco meses. Esse é um modelo que eu conheci no Real Madrid, quando eu fiz curso na fundação Real Madrid, e que eu já apliquei anteriormente. Fiz isso na Federação Capixaba de Futebol e no CFZ antes do Flamengo. Foi comprovado na prática. Levei para o Avaí, mostrei como funciona, e isso se uniu a um processo de evolução na gestão que o clube já vinha fazendo.

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