No início de novembro deste ano, quando anunciou a contratação do executivo Eduardo Corch para tocar seu escritório no Brasil, a agência internacional Havas Sports & Entertainment encerrou uma longa espera. A companhia já operava em mais de 20 regiões espalhadas pelo mundo, já havia estabelecido subsidiárias em outros locais da América do Sul, mas preferiu reservar um período para análise antes de entrar de vez no maior país do continente.
O pragmatismo segue o modelo que a Havas adotou quando resolveu entrar no mercado dos Estados Unidos, e a explicação é basicamente a mesma: como o principal diferencial da companhia é oferecer soluções diferentes para cada local, o tempo de estudo e análise exerce papel fundamental. Sobretudo em áreas com um grau mais elevado de competitividade.
A diferença é que, no caso dos Estados Unidos, esse acirramento deve-se ao desenvolvimento do mercado. No Brasil, em contrapartida, existe um aquecimento motivado pelo binômio “aquecimento da economia + realização de megaeventos esportivos”. O país sediará a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro.
“Nós queremos estar no Brasil porque acreditamos que o Brasil vai ser o país mais importante do mundo. Então, legal, vocês têm 2014 e 2016. Mas não é esse o motivo de estarmos aqui. A razão é que nós temos uma perspectiva diferente: queremos trazer para cá o nosso conhecimento global dos dois eventos”, explicou Lucien Boyer, presidente e CEO mundial da agência, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
A conversa foi realizada no Rio de Janeiro, onde Boyer esteve para participar da feira internacional de futebol Soccerex. O executivo falou sobre os planos da Havas para o mercado brasileiro e os desafios que a marca espera encontrar na região.
Boyer também relatou a maior missão que sua empresa tem para a área: transformar uma companhia global em uma agência com características brasileiras, que entenda as peculiaridades do país e possa colocar isso nos projetos. E essa “alma nacional” já tem até data para ser captada. Afinal, ainda que o país postergue obras e ações voltadas aos megaeventos esportivos, as empresas já estão ávidas para iniciar a comunicação.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Por que a Havas decidiu investir no Brasil?
Lucien Boyer: Eu acho que vocês sabem a resposta. Nós somos uma organização global, que já está presente em vários países e que já está no Brasil por conta de uma série ações, com contratos em diferentes áreas. Nós já temos experiência local, e o que nós fazemos é oferecer um jeito alternativo de pensar e planejar os planos de comunicação, assim como acontece no grupo global. Acreditamos muito que é possível engajar os consumidores a partir da paixão, e esporte e entretenimento são paixões.
ME: Mas por que vocês decidiram entrar no Brasil somente agora?
LB: Estamos em muitos países, e nosso objetivo é ter uma posição relevante ao menos nos 20 países que são mais importantes no mundo. Começamos com Estados Unidos, China, Índia, e basicamente o Brasil estava faltando. Dois anos antes, iniciamos trabalhos no México, na Colômbia, no Peru e no Chile. Agora, estamos muito felizes por estar aqui. Assim como aconteceu com os Estados Unidos, esperamos até estarmos fortes para entrar aqui. Sabíamos que esses dois países teriam desafios grandes. São os mais importantes para o futuro – especialmente o Brasil. Esse é o porquê de não termos entrado aqui antes, mas a ideia já existia.
ME: Em que mercados a Havas pretende se inserir no Brasil?
LB: Nosso negócio é ajudar marcas e instituições a criar uma plataforma para engajar clientes, e nós acreditamos que isso deve ser medido apropriadamente. Sabemos que as marcas globais vão migrar da mídia tradicional para um novo mundo, por exemplo. Essa é uma boa notícia. E sabemos que há países em que o estilo de vida é relevante e países em que a internet tem penetração muito alta. O Brasil está nos dois casos. Mas, e existe um mas, esse comportamento precisa ser medido. Se os clientes quiserem investir mais, precisam de uma abordagem realmente profissional. Eles precisam medir, saber exatamente o porquê de terem colocado aquele dinheiro e quanto eles podem obter de volta. Então, reunimos algumas ferramentas e tivemos uma boa experiência em âmbito global. Nós trabalhamos com as ferramentas e com o nosso conhecimento.
ME: Você não mencionou a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Qual é o peso dos dois megaeventos?
LB: Esse é um bom ponto. Eu não falei nada porque, obviamente, no topo de tudo há esses dois fatores aceleradores, mas não são as únicas razões. Nós queremos estar no Brasil porque acreditamos que o Brasil vai ser o país mais importante do mundo. Então, legal, vocês têm 2014 e 2016. Mas não é esse o motivo de estarmos aqui. A razão é que nós temos uma perspectiva diferente: queremos trazer para cá o nosso conhecimento global dos dois eventos, e temos trabalhado com a Copa do Mundo desde 1998, com os Jogos Olímpicos desde 1992. Então, nós conhecemos esses eventos. Conhecemos as pessoas, as oportunidades, e nossa organização tem experiência de trabalho com o COI e a Fifa. Temos clientes globais como Coca-Cola e Hyundai-Kia, que são patrocinadores globais. Fizemos grandes histórias novas, como a da Louis Vuitton com o troféu da Fifa na última Copa do Mundo. São muitas coisas que queremos trazer pro Brasil e para o nosso time local. Eles podem aproveitar nossa experiência como grande player e usar essas oportunidades para acelerar o crescimento, certamente.
ME: Qual será o tamanho da empresa no Brasil?
LB: A Copa do Mundo do Brasil vai ser a Copa do Mundo do Brasil, não apenas a Copa do Mundo. Então, é preciso ser muito peculiar. Nós precisamos entender muito bem o que acontece aqui e fazer as companhias entenderem o que acontece aqui. E as pessoas querem ser diferentes. De uma perspectiva global, as pessoas querem uma ligação com o evento que seja diferente do que aconteceu na África do Sul ou na Alemanha. Por todas essas razões, vamos fazer uma ligação entre a experiência global e a expertise local. Faremos, a partir de janeiro, um grande trabalho de interação entre o grupo daqui e o time internacional, que vai trazer uma grande lista de contatos nessa área, de eventos como a África do Sul e Londres para cá. Ao mesmo tempo, vamos recrutar muitas pessoas do Brasil que tenham experiência com marcas, esportes, eventos, mídia e criar um grande time. Para dar uma perspectiva, globalmente a Havas administra cinco mil pessoas atualmente. Mas nós começamos com a França muitos anos atrás, e na França temos 108 pessoas. No Reino Unido, cem pessoas. Na Espanha, 60 pessoas. No México nós temos 30 pessoas; na Argentina, 25. No Brasil nós vamos começar do zero, e acreditamos que teremos algo como 30 pessoas até 2014, 60 pessoas até 2016. Acreditamos que o Brasil será um dos quatro maiores mercados para nós em pouquíssimo tempo.
ME: E depois de 2016?
LB: Vamos continuar. Porque nós sabemos duas coisas: a primeira é a experiência que nós temos com o que fizemos na África do Sul. Começamos a companhia por lá há dois anos, e agora está crescendo. As pessoas diziam que nosso pico seria durante a Copa, mas não foi. Estamos crescendo. Entendemos que precisamos planejar nossos negócios para serem sustentáveis. O que nós fizemos lá? Garantimos que algumas empresas poderiam entender como penetrar no mercado sul-africano e ficar. Isso foi interessante.
A segunda coisa é que alguns clientes usaram a Copa do Mundo não apenas para a Copa do Mundo, mas para atrair clientes em um plano de longo prazo. Nós sabemos como fazer isso, e podemos fazer algo semelhante no Brasil. Até porque, e isso não é menos importante, o Brasil tem o terceiro mercado global hoje depois dos Estados Unidos. E se você pensar que a Europa não é um país, o Brasil é o segundo no Oeste. É claro que você tem China e Índia, mas considerando os dois o Brasil está entre os quatro maiores. É um mercado doméstico incrível, e mesmo se vocês tiverem muita estrutura de mídia e esportes, ainda há muito para trazermos ao país em termos de patrocínios esportivos. Há muito a se trazer para o país sobre profissionalismo, criatividade, programas integrados, e isso é algo que nós podemos trazer para ter uma proposta diferente no mercado. Muitas pessoas fazem as coisas em pedaços, e nós criamos um conceito de abranger todo o planejamento das marcas para o esporte. Não é só mostrar um adesivo. Para a marca ser um ator e estar em contato com a comunidade, não adianta dar dinheiro e sair. Ela precisa se engajar nos programas. As marcas podem se engajar e ativar muito mais do que fazem hoje. Não apenas para a Copa, mas para o dia a dia.
ME: Vocês têm alguma meta de faturamento para o mercado brasileiro nos próximos seis anos?
LB: É difícil dizer exatamente. Somos uma companhia muito pragmática. O que eu posso dizer a você é que sabemos que o nosso crescimento será de dois dígitos todo ano, talvez três dígitos. O que nós vivemos na companhia agora é zero. Portanto, o primeiro ano é simples. No segundo e no terceiro ano, esperamos dobrar e dobrar de novo. Acreditamos que esse mercado não tem limites em termos de potencial. Para dar a você uma perspectiva, nosso faturamento global é 500 milhões de euros. Isso em apenas 22 países. Então, se estivermos no Brasil, lógico que pensaremos grande. Um país grande, como a França, representa 20 milhões de euros. E a França só tem 70 milhões de habitantes. Não vejo por que, no longo prazo, o Brasil não pode ser maior do que a França. Acho que é possível atingir isso em 2016. Quando você olha para o investimento de mídia, é possível atingir isso. É pensando nisso que estamos concentrando esforços.
ME: Esse otimismo deve-se mais à força da sua marca ou ao momento do mercado brasileiro?
LB: Acho que todo mundo pode ser otimista sobre o mercado brasileiro. A competição vai ser dura, e vai ser muito difícil para ganharmos market share. Todos os grandes players estão vindo para o país, e também alguns oportunistas por causa da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Todo mundo virá para cá e será difícil tomar parte do mercado. Precisaremos trabalhar mais, precisaremos ser mais inteligentes e precisaremos ser mais criativos. Afinal, precisaremos ser mais brasileiros. Se formos mais brasileiros, teremos mais chance de sucesso. Esse é o porquê de termos tirado um ano antes de entrar definitivamente aqui.
ME: Vocês já são brasileiros?
LB: Meu coração é brasileiro.
ME: E sua companhia?
LB: Eu acho que o Eduardo [Corch, responsável pelo escritório da agência no Brasil] é um brasileiro, conhece o país, conhece o trabalho e tem potencial para entender o que nós fazemos globalmente. Nossa filosofia é ser muito flexível e deixar nossos administradores serem totalmente autônomos. Confiamos muito nele. Não somos uma companhia em que tudo vem definido do topo e os funcionários devem apenas se alinhar. Somos muito meticulosos, mas temos pessoas de todo o mundo e conversamos. Daremos conselhos a ele, esperamos que ele aproveite nossa experiência, mas vamos entregar a ele os produtos e esperar que ele adapte ao país. Não só ao país, mas às pessoas.
ME: Estamos falando, então, sobre criar um estilo para a companhia que seja diferente do que existe em outras partes do planeta…
LB: Acho que cada país tem seu jeito. Se você tenta trabalhar do jeito francês no Reino Unido não funciona e vice-versa. Acho que o Brasil tem suas leis, sua cultura, seus hábitos. Há algumas questões profissionais que nós precisamos colocar com rigidez, mas há muitos meios de se chegar ao coração das pessoas. A primeira qualidade que uma agência precisa ter é saber ouvir. Antes de fazer, precisamos ouvir. E a primeira coisa que precisamos ouvir é como as pessoas vivem e como se conectam com sua paixão. É a partir dessa observação que nós poderemos dar conselhos para planejamento. Se chegarmos apenas com nossas próprias ideias e dissermos que é assim, sabemos que não vai funcionar. Uma coisa que já percebemos é que as pessoas aqui são muito intuitivas. Elas decidem fazer as coisas porque sentem que é certo, mesmo quando não têm dados. Nós achamos melhor ter mais dados. Com exceção dessa questão, vamos fazer as coisas do jeito brasileiro.
ME: Como vocês podem colocar essa questão da alma brasileira também em eventos como a Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos?
LB: Eu gostaria muito de saber [risos]. Eu não sou a pessoa que vai fazer isso. O que eu posso fazer é dar algum feedback para o Eduardo sobre como o Brasil é visto em diferentes mercados em que nós temos interesse. É uma coisa de efeito espelho: como o Brasil é visto lá fora, e a partir disso nós poderemos estressar alguns pontos para entender realmente a alma do Brasil e levá-la a outros mercados. Todo mundo tem uma opinião sobre grandes eventos, mas é importante que as pessoas reúnam o que elas pensam da Copa do Mundo ao que elas pensam do Brasil. Isso é algo que nós não poderíamos oferecer se não tivéssemos uma agência aqui. Precisamos integrar o DNA do Brasil à comunicação da Copa em todo o mundo. Estamos fazendo exatamente a mesma coisa com a cultura de Londres para 2012. E precisa ser algo muito rápido, porque a promoção de 2016 começa em 2012. Não é algo sobre dois anos ou quatro anos, mas sobre agora.
ME: Essa habilidade de criar diferentes modos de trabalho em diferentes partes do mundo é o grande diferencial da Havas?
LB: Sim. O que nós fazemos é oferecer plataformas que se encaixem com o que as pessoas querem. Nós ouvimos o mercado, os consumidores e os fãs. Tentamos nos adaptar ao que eles esperam. O mundo mudou desde os anos passados, e agora as companhias precisam dividir mais. Antes, você tinha o controle da comunicação e podia distribuir suas ideias de uma forma igual para todo mundo. Agora, é fundamental que você seja parte do mundo. Você precisa fazer mais brincadeiras, assim como faz com um amigo. Você não pode ficar melindrado. Isso significa que a marca precisa entender o que as pessoas querem, ouvir e admitir que as pessoas reinterpretem a comunicação. Isso acontece até internamente: a marca precisa ser diferente de cidade para cidade. Se você se comunicar sempre do mesmo modo, vai deixar de atingir com qualidade as pessoas. Basicamente, é por isso que acreditamos na ligação da agência com mercados locais e na presença de líderes fortes.
ME: Isso ajuda também na busca por clientes em mercados diferentes?
LB: Temos muitos clientes locais. Essa postura nos ajuda muito com isso. Trabalhamos com marcas globais, como Coca-Cola, Yahoo ou Hyindai-Kia, mas temos muitas outras que são regionais, como as mexicanas Bimbo e Gruma, a LAN Chile, a Louis Vuitton na França, a El Corte Ingles na Espanha. Muitas agências globais trabalham apenas com marcas globais e acabam perdendo a chance de estar em contato com o mercado local.