Com existência ameaçada no Novo Basquete Brasil (NBB), o Espírito Santo ainda não sabe se terá representantes na próxima edição do campeonato nacional. Vila Velha e Vitória, equipes que participaram das temporadas passadas, ainda não conseguiram os investimentos necessários para disputá-lo, e o prazo é curtíssimo.
Ambas as equipes terão de comprovar à Liga Nacional de Basquete (LNB) na próxima quinta-feira, 15 de setembro, que têm condições financeiras de jogar o torneio. Mesmo com apoio do poder público no pagamento de despesas como passagens e hospedagem, nenhum dos dois clubes tem verba suficiente para participar dele.
Inserido nesse contexto como presidente do Cetaf, popularmente chamado de Vila Velha, em função da cidade na qual está sediado, Luiz Felipe Azevedo analisou a situação do basquete do Espírito Santo em entrevista à Máquina do Esporte. A explicação para tanta dificuldade dada pelo gestor está ligada à cultura do Estado.
Diferentemente de clubes do interior de São Paulo, onde essa modalidade sempre teve certa tradição e força, o Cetaf tenta convencer empresas a investir no basquete sem que elas conheçam profundamente o que é preciso para que ele exista. “As pessoas nunca ouviram números, as necessidades”, relata o presidente do time.
Quanto tempo será necessário para que esse esporte ganhe tradição no Estado? O ex-jogador de basquete, com dez anos de atuação na seleção brasileira, não se arrisca a palpitar. Para ele, investimentos em categorias de base e relação de confiança com patrocinadores, na base de entrega de retorno efetivo, são a chave para crescer.
Leia a entrevista na íntegra abaixo:
Máquina do Esporte: Como está a busca por patrocinadores para a próxima temporada do NBB?
Luiz Felipe Azevedo: Temos prazo até o dia 15 de setembro para apresentá-los. Pretendemos fazer uma coletiva no dia 14 para posicionar todo mundo. Estamos aguardando esse restinho de tempo para consolidar o que realizados para, no dia 14, mostrar a definição a todos em uma coletiva.
ME: Existe a chance de não participar do próximo NBB?
LFA: A chance existe. Estávamos em feriado nacional, agora estamos em feriado por causa do aniversário de Vitória [8 de setembro] e precisamos de dias úteis para finalizar negociações. Não sabemos se teremos um time do tamanho que a gente deseja, mas tentaremos colaborar. Esperamos que seja suficiente para dar continuidade. Nós temos resultados expressivos, estruturação da base consolidada, somos campeões em todas as categorias de base do Estado. Estamos vendo tudo andar, mas, obviamente, alto rendimento está ligado à necessidade de investimento.
ME: O que aconteceu com os patrocinadores da última temporada: BMG, Garoto e UVV?
LFA: Não existe mais a possibilidade de a UVV estar conosco. Houve contato no fim da última temporada, e logo houve a recusa. A Garoto tem contrato vigente até dezembro. O BMG é uma das que acreditamos plenamente na renovação. O governo do Estado é parceiro desde o início e deve repetir a ação que fez no ano passado. Estamos em busca da última força.
ME: Falta justamente a cota máster?
LFA: Isso, o parceiro máster.
ME: Como o governo ajuda o Vila Velha? Há verba envolvida?
LFA: O Estado ajuda na logística, com passagens para a equipe, como eles também fazem com o Vitória. Já é algo definido.
ME: E a Garoto?
LFA: Eles contribuem com dinheiro.
ME: O que está faltando para as equipes de basquete do Espírito Santo?
LFA: Sou daqui, e nós evoluímos muito. O Espírito Santo evoluiu muito. Se considerarmos que há cinco anos ter uma equipe no Nacional era utópico, hoje temos, brigando para participar, duas equipes. Houve avanço significativo no basquetebol do Espírito Santo em nível nacional. Agora, o processo cultural que envolve investimentos não acontece da noite para o dia.
ME: O que mudou nos patrocínios do passado para cá?
LFA: As pessoas deixaram de patrocinar fulano para pegar em troca apenas um jogo de camisas. A cultura de cinco anos atrás, quando se falava em patrocínio, era trocar dinheiro por material esportivo, ajudar em evento pontual, algo que acontecia num fim de semana e parava por ali. Não era uma cultura de investimento para um campeonato de longa duração, que passa pela necessidade de pagamentos mensais, folha de pagamento de atletas, hospedagem, locação. Isso é muita informação para pouco tempo.
ME: O que precisa ser feito no Espírito Santo para emplacar o basquete?
LFA: Vejo-me implantando uma cultura, e isso requer tempo e preço. Acredito em tudo isso. A vinda do Cetaf, como empresa de esporte, contribuiu muito para esse perfil de discussão a respeito de gestão desportiva. Falamos de basquete com duas equipes tentando se manter no Nacional, mas olhe para o futebol. Ninguém sabe em que divisões estão nossos times. Estamos manter acesa a chama. É um avanço. Não podemos dizer que não avançamos, mas precisamos de um tempo de maturação. O processo precisa de mais tempo.
ME: Qual o modelo de gestão mais apropriado nesse sentido, na sua visão?
LFA: Temos a Garoto, que é empresa privada. O BMG, que esteve conosco. Temos também o governo. Então é um modelo de projeto que funde forças da iniciativa privada com a da pública. É um modelo fantástico! Já conseguimos enxergar um modelo assim aqui. O poder público tem responsabilidades na formação de referências, estímulo para nova geração, enquanto o interesse do privado diz respeito a visibilidade de marca, retorno, implantação institucional, mídia. É a fusão, dentro do que acompanho, mais interessante.
ME: Os patrocinadores recentes do Vila Velha são empresas de porte nacional, como Garoto e BMG. Não há empresas regionais, do Estado, que pudessem investir no basquete?
LFA: Citando o exemplo de Bauru, que retornou há pouco tempo, porque eles já foram campeões paulistas recentemente, falar de basquete não é novo por lá. É algo que a população já conhece. Em Rio Claro, onde estive muito anos, fomos campeões de tudo nos anos 1990. Era o time a ser batido. Hoje, todos lá sabem quanto custa para formar um time competitivo, porque têm essa referência. Eles sabem quanto custa para ter um time. Quando traçamos um paralelo com empresas locais daqui, falamos de algo que nunca existiu. Fica muito mais difícil. As pessoas nunca ouviram os números, as necessidades. Precisamos de maturação, e digo falando de dentro desse furacão.
ME: Dá para estimar quanto tempo será necessário para essa maturação que você fala? Cinco anos? Dez? 50?
LFA: Eu entendo as demandas das empresas. A conquista de credibilidade no mercado é muito importante. Vejo isso nos nossos parceiros. A Garoto está conosco há três anos, e desconheço um patrocínio que esteja em uma mesma equipe de basquete há três anos. Isso significa que nosso trabalho está sendo bem feito, porque é uma relação de custo e benefício. Não tem amizade, ser bonito, rico, alto ou magro. Aos poucos, o Espírito Santo está conquistando espaço, consolidando a base. A gente está trabalhando, e torço para ver outras gerações colhendo, mas em esporte de alto rendimento é difícil prever, porque tudo está intercalado com a necessidade de bons resultados.
ME: O que o clube de basquete precisa oferecer para ter patrocínios longevos, como o da Garoto?
LFA: O importante é ter no investidor, no patrocinador, confiança. Demonstrar o tamanho exato daquilo que ele pode esperar. No fim da temporada, dá para entregar que, dentro do que se planejou e esperou, os objetivos foram alcançados. Não podemos chegar e dizer que vamos jogar a final, ser campeões da liga. Isso é vender estruturação equivocada, que colherá prejuízos significativos. O que tentamos é mostrar para as pessoas o que elas podem esperar e o que podemos oferecer. Ao fim da temporada, chegamos e mostramos que o que foi proposto foi conseguido.
ME: Dá para prever o futuro do Espírito Santo no basquete?
LFA: Não posso afirmar, porque depende de recurso. Não se faz esporte de alto rendimento sem recursos. Se continuarem investindo, vamos vê-lo se consolidar. Se pararem, os projetos param. Não será a primeira, nem a última vez. Já fui campeão paulista em 1989, vice-campeão brasileiro, e o time acabou em 10 meses por falta de patrocinador. Alto rendimento está ligado a essas coisas. Minha empresa está trabalhando. Estamos otimistas.