Marcelo Vido

A viagem de Marcelo Vido aos Estados Unidos em fevereiro, embora não tenha conseguido se reunir com dirigentes do Los Angeles Lakers para trocar experiências, foi produtiva. Depois de assistir a uma partida da equipe norte-americana, o ex-atleta volta ao Brasil com fôlego renovado e meta a cumprir: estimular a formação de gestores.

A Liga Nacional de Basquete (LNB), responsável pela organização do Novo Basquete Brasil (NBB), tem se empenhado na formação de árbitros, treinadores, entre outras áreas, por meio da criação de cursos direcionados a funcionários dos clubes que a compõem. “Mas eu também gostaria que formássemos gestores”, afirma Vido.

Em entrevista à Máquina do Esporte, o gerente de negócios e marketing do Minas Tênis Clube, integrante do torneio nacional de basquete, traçou panorama da atual situação da gestão no basquete brasileiro. “Há regras na parte negocial, de marketing, mas nós notamos que alguns clubes ainda não cumprem”, conta Vido.

Com a experiência de quem vive o dia a dia da liga de basquete, o profissional se disse otimista com o equilíbrio entre as equipes envolvidas no campeonato nacional, fator essencial na transformação do esporte em produto atrativo aos principais personagens do mercado.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Máquina do Esporte: Qual é sua visão sobre o basquete brasileiro? Na terceira edição do NBB, o Brasil já está mais maduro?

Marcelo Vido: Eu vejo três pontos. Primeiro, falando em formação e fomento da formação, é algo importante que ainda tem muito a fazer. Tem que ter muito envolvimento direto de confederação, clubes formadores, talentos. É uma área a ser discutida. Uma construção que, no meu ponto de vista, vem acontecendo não de uma forma rápida, até porque demora cinco ou seis anos para formar um atleta. Mas temos que valorizar mais formadores do que profissionais. É uma mentalidade a ser trabalhada por muito tempo. Então a primeira é a base. A segunda, é o profissional, e aí falo tanto de feminino quanto de masculino. A terceira são as seleções. Se falarmos de NBB, algumas etapas foram cumpridas. Temos só dois anos e meio. O basqute precisava que acontecesse algo novo para dar uma animada, e aconteceu, em dezembro de 2008, que foi a criação da liga. Aquilo foi um marco para a reconstrução, porque teve unidade entre clubes e o início do pensamento: vamos deixar de lado regionalismos, parar de falar em Estados, e pensar no basquete como um todo. O ícone desse processo foi o Kouros [Monadjemi, presidente da LNB], uma pessoa que está transformando uma mentalidade arcaica. Mas isso não acontece de um dia para o outro. Em dois anos, conseguimos unidade, campeonatos razoáveis, e agora, no terceiro ano, com um campeonato extremamente competitivo. Não analiso se o nível está alto ou baixo, mas estamos conseguindo manter a competitividade, o balanço, que é a melhor coisa que pode acontecer no esporte. O desafio da liga é fazer um produto interessante para todos os players, desde imprensa, público, patrocinadores, audiência, e estamos conseguindo isso.

ME: Em relação aos clubes, você tem visto o mesmo processo de profissionalização que aconteceu na liga acontecer nos clubes?

MV: Tem muito o que melhorar. Eu também participo da parte técnica, embora minha área seja ver o basquete como produto, e existe um regulamento de tudo o que deve ser feito pelos clubes, algo que foi discutido e aprovado em conjunto. Há regras na parte negocial, de marketing, exposição. Existe certo e errado, e tem que ser cumprido. Mas nós notamos que outros clubes ainda não cumprem, e sou totalmente contra a mentalidade de “ah, tudo bem, eu pago a multa”. O jeitinho não dá mais. Os clubes têm que seguir o regimento, regulamento, porque não dá mais. É um processo que está melhorando, apurando. Vi um jogo do Lakers nos Estados Unidos e é um espetáculo. Temos que tornar nossos jogos atrativos para o público que vai ao ginásio em primeiro lugar. Não adianta pensar em audiência sem pensar em ginásio. O Minas tem pensado em ações para o público interno, estamos trabalhando para trazer todos os nossos sócios para o ginásio. Nossa média de público é muito boa, e nós cobramos ingressos, porque temos participação de patrocinadores e queremos que o público primário aumente.

ME: Muitos torcedores têm reclamado da atitude da LNB de priorizar a televisão. Qual é sua posição diante disso? Qual a importância de aparecer na TV?

MV: Tenho falado isso em reunições com a Globo. Tem que existir equilíbrio entre interesses comerciais e nível técnico. Não adianta pensar só em um ou só em outro. Tem que pensar em horário, torcida. Vejo pelo meu público que domingo, às 11h, não é ideal. Podemos tentar outro dia? Sim. Mas temos condições financeiras para dispensar a televisão? Não sei. É um trabalho a ser feito buscar essa informação. Agora, sou totalmente a favor de horário que atenda primeiro ao público de ginásio. Se tem futebol às 22h, sou radicalmente contra, bem como sou contra jogo às 16h de quarta-feira no basquete. É um desrespeito com torcedor, patrocinador, atletas, na minha opinião, é claro. Mas quando está em uma liga cada um dá suas opiniões e prevalece a maior quantidade de votos. No Minas, investimo em ações para fidelizar o público, mas é um trabalho de médio e longo prazos.

ME: O que o basquete brasileiro tem de importar do modelo norte-americano em termos de gestão?

MV: A liga tem pensado em montar escolas de treinadores, de árbitros, até porque hoje a arbitragem tem que ser muito capacitada e profissional. Não é fácil apitar um jogo, tem de estar preparado. É um processo que estamos evoluindo. Mas eu também gostaria que formássemos gestores. Capacitar gente para trabalhar nessa área. Estamos em um momento de trabalhar pensando no NBB daqui a cinco ou dez anos. Precisamos de melhores gestores.

ME: Com uma liga forte, qual é o papel da confederação nos Estados Unidos? É próximo do que é feito pela confederação brasileira?

MV: O modelo americano é ideal porque tem fomento nas escolas. Esse é o modelo ideal. Quisera ter isso aqui, mas são realidades diferentes. A CBB tem que se preocupar em fomentar o basquete, preocupar-se com todas as categorias das seleções. Esse, para mim, é o papel da confederação. Fomentar, divulgar a modalidade de forma abrangente, pensando no processo de formação. Temos que valorizar formadores. Hoje temos técnicos de ponta tanto para o time principal quanto para a base no basquete do Minas. Estão valorizados. Temos que valorizar também a base. Temos o sonho de ser tão evoluídos quanto os Estados Unidos.

ME: Qual a vantagem em negociar tudo coletivamente, como é feito pela NBA nos Estados Unidos?

MV: Uma das maiores vantagens de criar liga é isso. O modelo de liga americana tem sido bem sucedida na Europa e no Brasil. É o modelo, o caminho. Nossa preocupação com clubes, de ter campeonato atraente para diferentes players, competitivos, é muito importante. Negociar coletivamente, discutindo, acabando com dúvidas internamente, é muito importante. Isso não acontece no futebol por falta de atitude, porque é um modelo que deveria ser pensado para agregar, e não diferenciar, como tem acontecido atualmente. Hoje temos o cuidado de buscar recursos, exposição, são processos. Já temos muito mais pontos positivos do que negativos, mas, como toda gestão, temos de priorizar. É o que a liga está fazendo, e está sendo muito bem conduzida pelo presidente.

ME: Há espaço, culturalmente, para isso acontecer no Brasil?

MV: O sistema americano é um sonho. Praticar na escola é muito mais democrático do que qualquer outro sistema, mas ainda estamos muito longe disso. Pensar em formação desde a escola é algo que não vai acontecer tão cedo. Mas no que puder desenvolver, estou otimista em ver mais gente praticando, para que tenhamos uma geração de talentos. Podemos até perder talentos que nem tiveram oportunidade. A escola é ideal, mas estamos longe disso. Só que não podemos só falar que estamos longe e não fazer nada. Hoje, pelo menos, muitos dos clubes que estão no NBB têm formação forte. Às vezes até contra o que patrocinadores querem, porque alguns só se preocupam com a equipe adulta, mas no basquete os clubes são formadores e isso é uma vantagem que a gente tem. Já temos pelo menos 15 clubes formando atletas. São Paulo ainda é o Estado que mais forma, porque tem mais clubes no interior, mas também estamos crescendo em Minas Gerais, além de outros centros.

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