Esporte de um nicho limitado, sem espaço na grande mídia e muito ligado às fábricas de confecções do setor. Todas essas definições já foram aplicadas ao surfe em algum momento, mas uma visão experiente e especializada pode apontar um caminho diferente e menos sombrio para um dos esportes mais praticados, e menos rentáveis, do Brasil.
Criador e CEO da Lost…, uma das maiores fabricantes de pranchas e vestuário do mundo, Matt Biolos esteve no país há três semanas para participar de uma estratégia de marketing local da marca, e concedeu uma entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
O otimismo de um dos precursores do esporte se contrapõe à expectativa mediana dos especialistas brasileiros. Biolos desmistifica, entre outras coisas, a importância da grande mídia para o esporte. Vista por muitos como fundamental no processo de crescimento, a imprensa pode não ser tão importante assim.
?O surfe no Brasil vai crescer sem a grande mídia. Nos Estados Unidos também não se fala tanto sobre o esporte, e acho até que aqui se fala mais do que por lá. Só na Austrália é diferente?, disse o executivo.
Atualmente, qualquer processo de expansão precisa trabalhar com a crise financeira, que colocou em risco todo o mercado esportivo mundial. Para Biolos, o surfe também vai ser afetado pela instabilidade financeira mundial.
?As pessoas têm menos dinheiro, então gastam menos. E mesmo que elas tenham alguma reserva, elas estão com medo, e então guardam tudo?, avaliou.
Leia a entrevista na íntegra a seguir:
Máquina do Esporte: Como você avalia o mercado brasileiro para o surfe?
Matt Biolos: Eu não sou um expert, afinal, estou aqui há apenas uma semana. Para mim, parece ser bem forte. Em comparação aos outros mercados, como EUA, Austrália e Europa, o Brasil parece estar reagindo melhor a essa crise. As pessoas realmente têm uma paixão pelo surfe e por esse estilo de vida. E a coisa parece que está no caminho certo. As lojas têm feito o marketing correto e estão se associando às marcas certas.
ME: Aqui no Brasil a cultura do surfe é até mais desenvolvida que o próprio esporte. Qual é o público da Lost…? O praticante ou todos os interessados?
MB: Eu não quero excluir ninguém, mas se você não for um surfista você não vai comprar uma prancha. A prancha é para os surfistas. Quanto às roupas, nós as mantemos em um nível alto, só vendemos em lugares de qualidade, mas se você só vender para os surfistas você não vai ter um negócio. A gente tem de trabalhar, lidar e abraçar as pessoas que vivem e gostam da cultura, mas não surfam.
ME: Então vocês também buscam esse público menos específico?
MB: Nossa estratégia global como marca é passar a mensagem na qual nós acreditamos e fazer a associação com pessoas que nos entendem. Só que todo mundo que quiser entrar nesse processo e participar será bem-vindo. A única coisa é que nós não vamos atrás dessas pessoas. Elas vêm até nós. Nós vendemos nas melhores lojas, tentamos fazer os melhores produtos e isso acontece naturalmente.
ME: A Lost… trabalha muito com desenhos diferenciados e uma idéia de que aquele produto é único. Que valores ela quer atingir com isso?
MB: Individualidade. Acima de tudo, individualidade. Não tenha medo de mostrar quem você é. Não se esconda atrás de nada. Não fique atrás do que a sociedade espera de você. Vá em frente, seja jovem, seja feliz. Fique na vida o máximo de tempo possível. É isso.
ME: E quanto a crise financeira afeta o mercado do surfe?
MB: Afeta muito. As pessoas têm menos dinheiro, então gastam menos. E mesmo que elas tenham alguma reserva, elas estão com medo, e então guardam tudo. Com todo o dinheiro que você perde, você quer parar de gastar de qualquer jeito. Então, em vez de comprar uma calça jeans e uma camiseta, você compra só uma camiseta. Você compra tudo em menor quantidade.
ME: A ausência de cobertura por parte da grande mídia faz diferença?
MB: Eles não falam muito sobre surfe nos Estados Unidos também. Só na Austrália. Eu acho até que a grande mídia fala mais sobre o assunto aqui que lá nos Estados Unidos. Só na Austrália que os surfistas são como jogadores de futebol. Os Estados Unidos são um país gigante, e só tem uma pequena parte na costa. A grande mídia fica muito longe da praia, e isso dificulta. No Brasil, grande parte da população fica a poucos metros da praia.
ME: E porque os Estados Unidos conseguem ter o surfe mais desenvolvido que aqui?
MB: O surfe está no Brasil há pouco tempo. O esporte começou a ser popular nos anos 1960. No Brasil, foi nos anos 1980. São vinte anos de distância. O surfe é um esporte jovem. Futebol americano, futebol e beisebol também demoraram para se estabelecer. É uma cultura jovem, e o Brasil é mais novo que os Estados Unidos. São vinte anos de diferença.
ME: Então tem como conseguir crescer sem a imprensa?
MB: Ele vai crescer sem a grande mídia. No Brasil você vê um fluxo de pessoas que trabalha durante a semana nas grandes capitais e vai praticar nos fins de semana. Às vezes, o chefe da família não surfa, mas tem uma casa na praia. E isso tudo faz a cultura do surfe evoluir e crescer. Hoje o Brasil está 20 anos atrás no surfe profissional, mas mesmo assim tem nomes como Adriano de Souza, que é um dos melhores do mundo. Antes dele, tiveram vários que chegaram perto, mas ele é o primeiro superstar. E é só o primeiro. Vão haver muitos outros. E quando ele se firmar como uma estrela, a grande mídia e o país vão atrás dele, e vão transformá-lo em um grande ícone. Quando o Brasil tiver um campeão mundial, o mercado vai seguir e promovê-lo.