Oliver Seitz

Em 2003, o futebol inglês foi sacudido pela investida do bilionário russo Roman Abramovich, que gastou milhões de libras para fazer do Chelsea, um clube à beira da falência, a maior potência esportiva do país.

Para Oliver Seitz, Abramovich não pode ser considerado um investidor no futebol inglês, mas deve ser encarado como um benfeitor. Segundo o professor-assistente e pesquisador da Universidade de Liverpool, o “fator Abramovich” revelou a responsabilidade fiscal dos clubes ingleses, que abdicaram das conquistas para manter o caixa em ordem.

“Nenhum clube cometeu loucuras em seu orçamento para tentar barrar a ampla dominância esportiva do Chelsea”, afirma.

Leia a seguir o complemento da entrevista com Oliver Seitz:

ME: Como os ingleses encaram a presença cada vez maior de megainvestidores em seus clubes? É um desenvolvimento natural da indústria esportiva ou é a comprovação da falência do modelo de gestão empresarial dos clubes?

OS: A presença de investidores no futebol inglês é a prova da eficácia econômica do modelo de gestão. Contudo, o único investidor no futebol inglês é Malcom Glazer, que comprou quase que a totalidade das ações do Manchester United, o único clube inglês e possivelmente mundial em que é possível se fazer dinheiro. Um investimento é caracterizado por aplicar um montante de dinheiro no presente para recolher dividendos no futuro, e o Manchester United é o único clube que gera uma quantia significativa de dividendos de modo que possa ser caracterizado como investimento. Outros clubes, como o Chelsea, por exemplo, não recebem investidores. Recebem benfeitores. É difícil acreditar que o Abramovich esteja pensando em receber dividendos quando contrata jogadores por 100 milhões de reais para deixá-los no banco de reservas. Vale dizer também que após o ingresso do “fator Abramovich” no mercado de futebol inglês, foi possível perceber também a consolidação do modelo racional de gestão. Nenhum clube cometeu loucuras em seu orçamento para tentar barrar a ampla dominância esportiva do Chelsea. Os clubes deixaram de lado a ambição de conquistar o campeonato para não comprometerem suas responsabilidades fiscais. Sabendo da impossibilidade de competir financeiramente, deixaram o Chelsea em um campeonato à parte. Tirando ele, o Campeonato Inglês está bastante competitivo.

ME: Qual a principal fonte de receita atualmente dos clubes da Inglaterra? É possível um clube ser rentável sem precisar negociar jogadores?

OS: Depende do clube. Os maiores possuem um equilíbrio entre as fontes de receita, divididos entre receitas de TV, de dias de jogos e de merchandising. A venda de jogadores geralmente é direcionada para a contratação de outros. Não existe a necessidade da venda para equilibrar o balanço. Mas esses casos são poucos. A maioria dos clubes é bastante dependente da receita de televisão, e quando essa fonte seca, no caso do rebaixamento, o clube é obrigado a vender principais jogadores. Alguns clubes menores, como o Crewe Alexandra, por exemplo, são chamados de “clubes vendedores”, por adotarem uma política voltada à revelação e negociação de jogadores.

ME: Nos últimos anos, a Premier League perdeu espaço, em termos de audiência, para a Liga Espanhola e, em termos de valores dos contratos de televisão, para a Liga Francesa. Por que isso ocorre? A falta de ídolos mundiais é um problema para o futebol inglês?

OS: O último contrato da Premier League com a televisão foi feito há três anos e agora deverá ser renovado com algumas mudanças e valores reajustados. A tendência é que, com o valor corrigido, a Premier League volte ter o contrato de televisão mais valorizado. Com relação à audiência, certamente que a grande presença de ídolos na Liga Espanhola possibilita a atração de mais espectadores, principalmente depois da política de contratações do Real Madrid. O futebol inglês, porém, sempre se preocupou consigo mesmo, sem ligar muito para o que acontece fora de suas fronteiras. Com Rooney, Lampard, Gerard e Henry ainda jogando na Premiership, não é muito comum ouvir alguém reclamando da falta de astros mundiais.

ME: Como é feito o trabalho de comunicação dentro dos clubes ingleses? O atleta é colocado num outro patamar, sendo tratado praticamente como um super-astro, inatingível para o público?

OS: O trabalho de comunicação é levado muito a sério pelos clubes ingleses. Clubes medianos, como o Everton, por exemplo, chegam a empregar dez profissionais específicos para a área. Alguns desses profissionais cuidam especificamente da internet, uma área cada vez mais importante para os clubes. O Liverpool possui uma empresa contratada, com dezessete empregados, apenas para cuidar do seu site. Há, também, uma grande preocupação com a imprensa inglesa, que dá amplo destaque diário ao futebol. Os clubes se preocupam especialmente com os tablóides, famosos por serem ávidos por denunciar escândalos, como a recente história envolvendo o técnico da seleção inglesa, [Sven Goran] Eriksson, e um jornalista que se fez passar por um xeique árabe. As conseqüências desses escândalos podem ser terríveis, principalmente se o clube possui ações listadas na Bolsa de Valores. São esses mesmos tablóides que se encarregam de elevar os jogadores de futebol a um status de super-humano. Esse culto começou na década de 70, com George Best, e cada dia mais faz parte da cultura britânica. Parte da popularidade do David Beckham certamente se deve a isso. Porém esse fenômeno é muito mais incidental do que planejado. Os clubes pouco trabalham para promover essa supervalorização. É um fenômeno muito mais atrelado à própria cultura inglesa.

Leia o complemento desta entrevista.

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