Ricardo Azevedo

A disparidade financeira entre o eixo Rio-São Paulo e o restante do país é notável, ainda mais quando a comparação é feita com o Nordeste, que está atrás de Minas Gerais e o Sul para o mercado publicitário. Mesmo assim, a boa gestão dos parcos recursos e um planejamento inteligente podem mudar a imagem de um clube.

Essa é a visão de Ricardo Azevedo, novo diretor de marketing do Vitória, que assume um cargo que esteve vago por dois anos com a missão de modificar a imagem da agremiação em todo o país. O ?encurtamento? das distâncias é, para o novo dirigente, um certo tipo de ?romantismo?.

?A gente costuma comparar com o mercado espanhol. O Vitória não quer ser o Barcelona ou o Real Madrid, ele quer ser o Sevilla, que não tem os melhores jogadores, mas está sempre chegando, brigando e acompanhando as outras equipes. E não tem toda aquela mídia, como aqui também acontece?, disse Azevedo, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.

O trabalho começa longe do departamento de marketing. Segundo o dirigente, o Vitória vem passando por um processo de limpeza nas contas desde 2006, quando chegou à Série B do Campeonato Brasileiro. A partir daí, o clube vai poder transmitir sua mensagem para os torcedores e começar a capitalizar o sucesso.

?Nós estamos ganhando tudo aqui na Bahia nos últimos tempos, então nosso público tem crescido muito. Isso é perceptivo, mas temos que começar a transformar isso em números?, avaliou.

Todo o processo, no entanto, deve ser feito passo a passo. O trabalho anterior não pode ser zerado, e deve ser deixado para trás com alguns pontos chaves.

Conheça os detalhes na entrevista a seguir:

Máquina do Esporte: O que dá para esperar do marketing do Vitória daqui em diante?

Ricardo Azevedo: Eu assumi no início desse ano, mas já há algum tempo vinha conversando com a diretoria, e desde essa época eu vinha pensando nos projetos. A primeira coisa foi implantar a cultura do planejamento. Eu fechei o planejamento de marketing para duas temporadas. Serão duas frentes, uma institucional e outra mercadológica. Minha maior meta no clube vai ser não só reforçar, mas construir a imagem do clube mais tradicional do Brasil. O Vitória começou no futebol em 1902, antes de todo mundo. Ele tem uma história gigantesca, e vai buscar um posicionamento estratégico, que tem uma postura diferenciada. Toda a campanha vai ser trabalhada para que a gente conquiste a imagem de clube mais tradicional do país.

ME: E como vocês pensam em fazer isso?

RA: Inicialmente, a gente começou a fazer um trabalho de comunicação e marketing interno. Isso precisa ser consolidado dentro do clube. A gente põe desde os garotos até os funcionários, com uma campanha interna. Aí vamos disparar uma campanha externa também. A pedra fundamental é o nosso memorial, que é a história que a gente pode pegar. Então, a construção do memorial é o símbolo da construção dessa imagem. A gente já fez um projeto, estamos fazendo consultoria com o Museu do Futebol, que vai nos ajudar, junto com outras empresas que tem atuação nessa área. Ele vai virar uma referência para quem quer conhecer a história do futebol brasileiro. Salvador já foi uma capital e tinha uma importância política, e o Vitória está inserido nesse contexto. O memorial é a materialização do nosso plano, do nosso discurso. É a sinalização mais clara. A gente trabalha apoiado em números, porque se não crescer o número de fãs e torcedores pelo Brasil nada vai acontecer. Então nós estamos casando esse projeto com o sócio-torcedor, que foi reformulado e pretende consolidar o que o Vitória tem representado. No Estado, o Vitória tem ganho tudo nos últimos anos, e vem crescendo muito, principalmente entre a garotada. A gente está fazendo ações para transformar o perceptivo em números. Agora, a gente vai abrir isso dentro de um projeto de internacionalização, que passa, por exemplo, pela Sul-Americana.

ME: E este memorial está próximo de se tornar realidade?

RA: O projeto está pronto e o acervo está 80% catalogado. A gente ainda vai buscar produtos e peças desse acervo, mas tecnicamente ele está pronto. A maior parte da verba já foi viabilizada, tanto com patrocinadores como com investimento próprio, que viria dos próprios conselheiros. Boa parte da anuidade deles foi direcionada para a construção do memorial. No aniversário, que é em maio, a gente deve lançar ou a pedra fundamental ou o começar as obras, para que, em no máximo um ano, tenhamos um memorial à altura.

ME: Dá para imaginar o memorial como um ponto turístico de Salvador?

RA: Olha, nós vamos atrás de todas as estratégias utilizadas para aprender. Tem duas coisas que são fundamentais nesse jogo. A primeira delas é a forma como o Vitória pode contar a sua história, atrelada ao futebol. É a importância que o clube tem na história do esporte e também aqui na Bahia. O Vitória é fundador de todas as federações esportivas do Estado. O Vitória participou de tudo isso. E a outra é a busca de outras coisas, como a associação ao trade turístico de Salvador, que é um dos principais diferenciais da cidade. Em nível nacional, nós não temos grandes museus de referência aqui. Um dos possíveis diferenciais aí é o museu do Vitória. Trabalhando em associação com o trade turístico, temos um excelente produto para vender. E a estratégia de turismo aqui é muito agressiva. O que a gente quer é associar essa estratégia à do museu do Vitória.

ME: E partindo para o projeto de sócio-torcedor, o que vocês podem apresentar de diferente do que já foi feito?

RA: Dentro desse projeto de reformulação não há nada profundo. Resolvemos fazer isso em etapas. Preciso me adaptar aos próprios processos do clube. Não posso zerar tudo que já foi feito. Agora, o projeto atual está muito ligado a uma imagem errônea que é apenas dá direito a entrada no estádio. Hoje, ele é um pacote de ingressos. Basicamente é voltado para isso. E a nossa primeira campanha vai buscar uma desvinculação da entrada no estádio. O que a gente entende é que o torcedor compra certas coisas intangíveis, como a paixão pelo clube. E a gente quer que ele compre esse produto intangível, que é o direito de ser sócio do Vitória. Então agora vai ter a categoria de sócio que é só sócio do clube. A gente fez essa dissociação porque quem tem menos dinheiro não consegue pagar a temporada inteira. E aí é muito difícil para boa parte da população. Vamos criar um produto de entrada.

ME: A disparidade financeira entre o eixo Rio-São Paulo e o restante do país é, notadamente, um empecilho. Até que ponto é possível transpor essa barreira é econômica?

RA: Essa é até uma postura que eu tenho que diverge de outros membros da diretoria. A gente brinca que eu sou o último romântico. Eu acredito muito nisso. A gente sempre compara com o mercado espanhol. O Vitória não quer ser o Barcelona ou o Real Madrid, ele quer ser o Sevilla, que não tem os melhores jogadores, mas está sempre chegando, brigando e acompanhando as outras equipes. E não tem aquela mídia, como aqui também acontece. A nossa postura é de organização ética com o resultado vindo em seguida, como se fosse uma consequência disso tudo. Hoje, o Vitória é um dos poucos, senão o único, que tem um ?nada consta? em todas as instâncias governamentais. Ele fez um saneamento de todas as despesas e hoje já tem esse título. É claro que ainda existe um passivo, mas ou foi negociado ou está em discussão. O Vitória manteve esse trabalho ao sair da Série B para a A. Acho que hoje a gente está bem sedimentado para ser uma equipe que chama a atenção. Queremos, a partir desse ano, ter resultados muito melhores. Já conseguimos um projeto ousado, porque temos um bom orçamento que nos dá algumas possibilidades. Estou falando de resultado. Primeiro a gente se ajustou, colocou os números no papel. E esta organização pode gerar resultado.

ME: E dá para vislumbrar um crescimento a curto prazo a partir disso?

RA: Perfeitamente. Primeiro quero controlar as despesas, e depois vamos aumentar a receita. No momento que o Vitória tava, um foco teve de ser dado. O foco foi a recuperação daquilo tudo, o controle de despesas e o retorno à Série A. Por isso que esse ano o Vitória vai fazer um trabalho de construção de imagem e também faturamento. Uma série de ações estão sendo pensadas, não só de modernização, mas de utilização diferente do estádio. A equipe administrativa cresceu e agora vamos crescer em faturamento. O Vitória recebeu inúmeras propostas de patrocínios. A maioria veio ao Vitória, e não ele foi até elas. Então eu fiquei muito animado com o interesse do mercado em se associar ao clube. Com a consolidação desse novo projeto, a gente vai conseguir aumentar esses números para a próxima temporada. Isso vai dar um excelente suporte, para o novo posicionamento.

ME: Dentro dessa idéia de planejamento, o que vocês esperam do estádio? Dá para transformar o Barradão em uma arena?

RA: Especificamente com relação a isso, posso dizer que ele já está consolidado como uma arena. Vários institutos mostram que a nossa torcida cuida do patrimônio, é organizada. O próprio conceito de mudança já é uma sinalização de que o Barradão quer e tem estrutura para alterar o seu posicionamento. Esta arena vai passar a se preparar para receber grandes eventos. Estamos, por exemplo, negociando com uma rede de fast-foods nacional, que pode assumir o sistema de alimentos e bebidas. Estamos reformulando também o processo de chegada ao estádio, que já tem um estacionamento para três mil carros. A ideia seria transferir o CT para outros espaços e usar aquele terreno para atividades que trouxessem mais retorno para a gente. Já que a gente tem um produto muito forte que é a arena, precisamos de posições que dêem suporte para ela. A transformação faz parte do planejamento.

ME: E o que você imagina para o licenciamento do Vitória. Você concorda com a visão de alguns dirigentes de que esta é uma área pouco explorada e que pode ser rentável?

RA: Com relação a licenciamento, acho que o problema de um sempre vai ser o de todos. É muito difícil, até pelo mercado brasileiro, você dizer para o clube que ele tem de ter foco na gerência da sua marca. Isso estaria na contramão do processo administrativo de qualquer empresa na economia. Necessariamente, a estratégia de licenciamento vai estar na mão de empresas do mercado, especializadas nisso. O Vitória vai se sujeitar às mesmas vantagens e problemas dos rivais, em geral. E há uma concentração aí, com cada vez menos empresas que atuando. É lógico que a gente está tentando se associar com os melhores parceiros, que possuam, por exemplo, uma estrutura para gerenciamento de problemas. O Vitória está muito atento a esse desenho do mercado, mas o sucesso dele depende mais dessas empresas que dos próprios clubes. Porque ele dificilmente vai conseguir dar focar isso. Seria uma perda de tempo montar uma equipe apenas para conseguir fazer um trabalho nessa área. A estratégia é trabalhar em parceria com empresas especializadas. E aí tem a pirataria também, que é um problema social macro, de base, que é difícil de ser combatido. Não que eu não tenha uma expectativa grande, mas acho que o Vitória tem muito pouco a fazer em relação a isso.

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