Sérgio Bruno Zech Coelho

A vida de um clube social está longe de ser fácil. Sucesso absoluto nas décadas de 1960 e 1970, espaços de convivência das grandes cidades começaram a perder espaço para condomínios de luxo com a escalada da violência e o aumento da correria do dia-a-dia. O fenômeno derrubou grandes sucessos daquele período, como a Portuguesa de Desportos e o Corinthians, que já tiveram mais de 50 mil associados cada.

A fonte, no entanto, ainda não secou totalmente. Entre os oásis destacam-se Pinheiros e Minas Tênis Clube, em São Paulo e Belo Horizonte, respectivamente, entre outros. O primeiro conta com 36 mil sócios, enquanto o último contabiliza cerca de 73 mil afiliados, números que diferem da realidade e apontam o caminho para a salvação das outras agremiações.

Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, Sérgio Bruno Zech Coelho, presidente do Minas Tênis, conta o que difere as exceções da regra geral. Para ele, a busca pela inovação e o marketing ativo com o associados podem mudar a cara do negócio.

?Porque que o Minas pode fazer e ter sucesso e os outros não? É uma questão de fazer de forma profissional. Se você achar que o sócio vai correr atrás daquilo esquece. Você tem de criar coisas que agreguem valor para os seus associados. E muitas vezes as pessoas não conseguem enxergar isso?, disse o dirigente.

Os resultados são visíveis, com um rol de cerca de 30 patrocinadores nas mais variadas modalidades, o Minas Tênis abre seu quadro para ações específicas, como planos de saúde e contas especiais em bancos. Na outra ponta, mantém times profissionais que garantem a exposição e a maturação da marca. Só nos últimos Jogos Olímpicos, foram 12 atletas na delegação brasileira.

Essa presença no esporte de alto rendimento fez a diretoria pleitear vôos maiores. No último dia 26, o clube conseguiu a aprovação de dois projetos na Lei de Incentivo ao Esporte. O primeiro pleiteia R$ 4,2 milhões para a criação de um núcleo de integração das ciências do esporte, e o segundo, de R$ 19,5 milhões, quer formar atletas de várias modalidades nos próximos dois anos.

Leia a íntegra da entrevista a seguir:

Máquina do Esporte: O que vocês pretendem com esses dois projetos inseridos na Lei de Incentivo ao Esporte?

Sérgio Bruno Zech: Eu tive oportunidade de falar com o ministro para pedir projetos de dois anos. Antes só podiam planos de apenas um, e aí você gera problemas para o seu investidor. Se você fala que é mais longo, às vezes ele apóia por mais tempo. Eles estenderam para dois anos. Parece que até existe a possibilidade de quatro anos, mas aí é mais complicado. No de formação de atletas, nós vamos pegar os nossos atletas e melhorar a capacidade de formação em termos de viagem e infra-estrutura, e também aumentando o número de beneficiados. Basicamente esse é o escopo do projeto. O outro que a gente está tratando é o de ciências do esporte. A gente pretende melhorar o acompanhamento da evolução dos atletas. Hoje é muito difícil você saber qual a melhor preparação de cada esporte. Para cada nicho, você tem uma característica de treinamento. E é evidente que todas essas diferenças vão ser avaliadas.

ME: As duas propostas já preparam para os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012?

SBZ: Nós tínhamos sugerido que eles tivessem quatro anos, que é o tamanho do ciclo olímpico, mas isso exigia um sistema de cadastramento de atletas que não está nos nossos planos. Do jeito que está formulado, escolhemos fazer de dois em dois anos.

ME: Passando para o clube social, qual o segredo do Minas Tênis? Como fazer um clube funcionar diante de todas as concorrências atuais?

SBZ:Hoje o Brasil tem cerca de 12,9 mil clubes com sede, estatuto, que existem de verdade. E aí tem clube de todo o jeito. Nós temos uma confederação que tem cerca de 800 filiados. Dentro dela, criamos algo nos moldes do Clube dos 13 para que esse fosse o braço político da confederação. Chamamos de Consenso Superior Interclubes, e tem os 29 maiores do país. Eu tenho um conhecimento bastante privilegiado do segmento de clubes no país. O grande problema é que o clube é uma entidade de prestação de serviços. Se você achar que o sócio vai correr atrás daquilo, esquece. Você tem de criar coisas que agreguem valor para os seus associados. E muitas vezes os dirigentes não conseguem enxergar isso. Por isso os clubes estão esvaziando. Hoje nós temos quatro unidades, eu tenho 73 mil sócios e ainda tenho fila para comprar cota de mais de 100 pessoas. A situação do Minas é privilegiada e o Minas conseguiu mudar essa estrutura. Se você chegar aqui às 6h tem fila para entrar, e não tem hora de fechar, é um negócio que funciona 15h ou 14h por dia. Como você quer que isso seja administrado por uma diretoria amadora, que não ganhe nada? Você tem um negócio, que é gerenciado por uma diretoria que não é profissional. A nossa diretoria é normativa, como se fosse o conselho de uma empresa, e tem um pessoal contratado. Nós criamos a linha e eles colocam em prática, são funcionários. Hoje o Minas tem uma preocupação muito grande de atender o sócio.

ME: Então essa linha de raciocínio pode salvar outros clubes também?

SBZ: Sim. Porque que o Minas pode fazer e ter sucesso e os outros não? É uma questão de fazer de forma profissional. Hoje todos os nossos cursos têm certificação ISO 9002. Nós criamos até um modelo de franquia do Minas. Tem colégios e clubes para os quais eu vendo uma franquia do Minas. Eu dou o know how e ele me paga o royaltie. Virou até um negócio. Só que você não pode fazer uma porcaria qualquer. Porque que as minhas academias têm fila? Meus equipamentos são muito bons e eu tenho a preocupação de que meu sócio perceba valor nisso. O sócio que faz academia paga, mas é 40% a menos do que se ele fosse no mercado. Se fosse fazer lá fora, ia pagar mais caro.

ME: E como funciona a relação com os patrocinadores?

SBZ: Ela é muito próxima. Vou te dar um exemplo, a Unimed hoje é patrocinadora dos meus corredores de rua. A gente se preocupa com a empresa. Se eu só der exposição de marca é legal, mas porque eu não deixo ela fazer negócios com meu corpo de associados? Então hoje nós temos um plano especial para o sócio do clube. É um dos mais baratos de Minas Gerais. Para o clube é ótimo, para o sócio é ótimo e para a Unimed é ótimo, porque o nível de rentabilidade é altíssimo. E eu tenho outros casos desses lá dentro. Hoje eu tenho 30 patrocinadores. Desde a Vivo, que apóia o vôlei masculino, até os menores, que bancam as viagens dos meninos. O ano passado arrecadei cerca de R$ 10,5 milhões. Isso me ajuda nas despesas e desonera o sócio.

ME: E como funciona essa relação com o esporte de alto rendimento?

SBZ: O Minas foi fundado para fazer esporte. Minha obrigação é ter bola, uniforme, técnico, quadra. O que eu não posso é pagar salário de atleta. Não posso tirar dos sócios o salário dos atletas. Tem de ter um patrocinador. No ano passado, a Fiat saiu do meu time de vôlei, as profissionais saíram junto e eu tive de subir minhas meninas de infanto. Porque que tem de investir? Porque se eu perder o time da noite para o dia eu posso repor e não fazer feio. Isso que eu estou te dizendo é uma filosofia que alguns clubes têm. Se você for ver, nesses 29 do Conselho você conta nos dedos quem faz esporte. O Sírio, por exemplo, que tem uma baita história, parou com o esporte. Falta de incentivo, talvez de interesse também. Tem uma série de motivos que, de repente, tiram essa vontade de investir no esporte. Agora, não é fácil você chegar na situação em que estamos hoje. São anos batalhando por isso. Hoje a gente tem uma marca respeitada. Na hora em que eu abro projetos de Incentivo todo mundo conhece e eu não tenho problemas para captar. Às vezes, o cara tem medo de aplicar nos projetos porque não conhece o proponente. Se o recebedor do dinheiro não é bom, não é só ele que está implicado na história se algo der errado. Amanhã, até o investidor pode ser cobrado por isso, porque é dinheiro público. É importante você ter a credibilidade no mercado.

ME: Dentro dessa roda, qual é o papel do esporte de alto rendimento?

SBZ: Ele é o espelho. Se eu não tiver uma equipe forte, como eu vou ter procura pelas minhas escolinhas? Essa imagem é fundamental. Eu te dou o exemplo do Guga. Na época de auge dele, tinha muito menino querendo jogar tênis. O efeito do ídolo é fundamental.

ME: E como o mercado reage às mais diversas modalidades? Ele apóia o Minas mesmo sem a garantia de exposição na grande mídia?

SBZ: Na verdade, o que a gente oferece é uma estrutura. Hoje, a gente precisa buscar esse apoio lá fora. Para nós, é muito importante ter patrocínio, e agora não está fácil. Como eu te falei, eu perdi a Fiat, e estamos até agora sem ninguém. E isso porque somos o único clube que disputou todas as edições da Superliga. Esse relacionamento não é fácil, porque o que ele busca é quase sempre a exposição de mídia.

ME: E nesse caso, o quadro associativo pode ser um chamariz?

SBZ: Claro. Nós estamos, por exemplo, desenvolvendo com a Vivo um plano de telefonia só para o sócio do Minas. Eu tenho 73 mil sócios. Desses, 50 mil são adultos. É um mercado interessante para qualquer um, principalmente nesse nível de renda que nós temos aqui. A mesma coisa é o Bradesco. Estamos desenvolvendo uma série de produtos especiais. O meu patrocinador tem de enxergar além da exposição. Eu tenho um nicho de mercado interessante para ele.

ME: E o que você acha que deveria mudar em relação à formação de atletas? Você acha que os clubes hoje têm o apoio necessário para desenvolver talentos?

SBZ: Eu fui procurado pelo Márcio Braga [presidente do Flamengo] para a criação do Conselho de Clubes Formadores de Atletas, e uma das coisas que mais nos chateia é a total desconsideração do Comitê Olímpico para os clubes. De todos os atletas que foram para a Olimpíada de Pequim, 77% eram de clube. Só o Pinheiros tinha mais de 30 e o Minas mandou 12. O presidente do Pinheiros pediu uma credencial para ver um atleta dele. Não pediu passagem, hospedagem, nem nada. Só o ingresso. A resposta era que a credencial era só para autoridade. Quando volta de lá, ninguém fala no clube. Quem paga o Thiago [Pereira, nadador que ganhou oito medalhas no Pan de 2007]? Sou eu. Alguém falou do Minas? Eu até falei com o Galvão Bueno [narrador da Rede Globo] quando fui jantar com ele no Rio de Janeiro na época do Pan. ?Que história é essa de falar que ele é o menino de Volta Redonda? Ele é do Minas desde que tem 12 anos!? Essa é uma situação que acontece. Nós somos alijados, e somos parte da estrutura esportiva. O Márcio Braga foi ao COB pedir apoio, porque a situação dos esportes olímpicos lá está complicada, e ouviu que teria de esquecer porque o COB não acredita em clube no Brasil. Isso não vem de hoje. Acabaram de fazer uma festa para os atletas, e nós nem fomos convidados. Eu fui contemporâneo do [Carlos Arthur, presidente do COB] Nuzman no vôlei, então conheço ele e não é de hoje. Sempre tive bom relacionamento, e de uns tempos para cá ele começou a ignorar os clubes.

ME: E o que poderia ser modificado nesse panorama?

SBZ: Nós queremos falar que nós somos os responsáveis pela formação. Essa história de que escola forma atleta é brincadeira, porque eles não têm estrutura. Nós somos os grandes responsáveis e não somos reconhecidos por isso. Nós queremos participar dessa história. Porque todo o dinheiro vai para o COB e não vem nada para a gente? O Flamengo, por exemplo, está em um sufoco danado e é dono da maior história olímpica do Brasil, com o maior número de atletas olímpicos de todos os tempos, segundo eles mesmos. Quem é que vai fazer esporte nesse país? Essa é a grande miopia. Eu já escrevi um artigo questionando a política de esporte do país, que simplesmente não existe. O esporte tem demonstrado para todo mundo que é importante. Só que antigamente não tinha dinheiro, e agora tem. E foi pior que Atenas em termos de medalhas. Agora, quem está trabalhando aqui embaixo não ganha nada e nem é reconhecido. Quem trabalha na base, por enquanto, são os clubes. Hoje, até existem algumas universidades como a Ulbra e a Unisul que estão no alto rendimento, mas formação ainda é com a gente. Não tem nada a ver com a confederação.

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