Os Jogos Parapan-Americanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro, representaram o início de uma nova fase para o desporto paraolímpico nacional. Com 228 medalhas, o Brasil conquistou a liderança da competição e se fortaleceu para cumprir uma tarefa significativa: inserir os atletas portadores de deficiência do país na elite mundial.
A pouco tempo do início das Paraolimpíadas de Pequim, porém, o projeto sofreu uma baixa significativa. A Petrobras, que apoiaria a preparação da delegação brasileira, abandonou o barco e provocou um reajuste orçamentário no ano mais importante da história do movimento paraolímpico para o Brasil.
“Contávamos com o repasse. Receberíamos R$ 10 milhões da Petrobras, o que representa mais da metade do nosso orçamento atual. Agora vamos trabalhar seriamente para arrumar outra empresa interessada em financiar nosso projeto rumo a Pequim. Estamos abertos para negociações”, afirma Vital Severino Neto, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), que conta com R$ 19,5 milhões anuais para realizar seu trabalho à frente da entidade.
Apesar do baque sofrido, o dirigente prefere celebrar as conquistas do passado. E, principalmente, exaltar o fortalecimento da categoria. Cego desde os sete anos, o comandante do CPB vê uma aproximação do público com os atletas paraolímpicos e ressalta que a escassez de investimentos no Brasil não se restringe às modalidades especiais.
“O preconceito, na verdade, não acontece só em torno do esporte paraolímpico. As empresas têm receio de aportar no esporte em geral. Essa postura, apesar de não ser compreensível, é aceitável. A gestão do esporte no Brasil ainda intimida os investidores”, avalia o dirigente, destacando o papel no processo de união entre torcida e atletas:
“O que cria a distância é a falta de informação. A imprensa tem ajudado muito a fazer com que a sociedade brasileira perceba que o esporte paraolímpico é igual a qualquer outro”, explica.
Nesta entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, Vital Severino Neto fala sobre o desenvolvimento do movimento paraolímpico no Brasil, destaca a importância da educação no combate ao preconceito e critica a gestão do esporte no país.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: A campanha nos Jogos Parapan-Americanos colocou o Brasil entre as potências do desporto paraolímpico no continente. Como o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) conduziu o desenvolvimento da categoria nos últimos anos?
Vital Severino Neto: Foi um trabalho de médio prazo, que tem muito a ver com a aprovação da Lei Agnelo Piva. Essa lei permitiu que, a partir de 2002, nós começássemos um planejamento de estruturação do comitê, além da profissionalização administrativa e esportiva do desporto paraolímpico. Colhemos bons frutos já nas Paraolimpíadas de Atenas, em 2004, e o Parapan do Rio foi o coroamento desse trabalho, permitindo que nós assumissemos a vanguarda nas Américas.
ME: Como é feito o trabalho de gestão na entidade?
VSN: Nossa principal fonte de renda é a Lei Agnelo Piva. Parte dos recursos recebidos é destinada para a parte gerencial do comitê e um percentual maior é distribuído entre todos os esportes paraolímpicos do Brasil. O comitê descentraliza a administração desse dinheiro, seguindo o mesmo espelho do COB [Comitê Olímpico Brasileiro]. É claro que nossos recursos são muito menores, mas eles têm permitido a realização de um bom trabalho. Tudo isso, obviamente, aliado à dedicação dos nossos atletas e profissionais.
ME: Qual é receita anual do CPB?
VSN: Da Lei Piva, nós recebemos R$ 14,5 milhões por ano. Desse montante, 15% é destacado para o esporte escolar e universitário. Os outros 85% são aplicados no desporto paraolímpico. Além disso, contamos com o patrocínio da Caixa [Econômica Federal] no valor de R$ 4,9 milhões. Esse dinheiro é direcionado, principalmente, para o circuito de atletismo e natação da Caixa e para o programa de financiamento de atletas de alto nível. Ou seja, é um projeto de bolsa para os atletas.
ME: Como o comitê recebeu a notícia da desistência da Petrobras de apoiar o desporto paraolímpico?
VSN: Na verdade, não seria um patrocínio. Esse dinheiro chegaria vai Lei de Incentivo ao Esporte. A Petrobras, no caso, não patrocinaria o comitê, mas apoiaria a preparação brasileira para os Jogos Paraolímpicos de Pequim. Contávamos com o repasse. Receberíamos R$ 10 milhões da Petrobras, o que representa mais da metade do nosso orçamento atual. Agora vamos trabalhar seriamente para arrumar outra empresa interessada em financiar nosso projeto rumo a Pequim. Estamos abertos para negociações.
ME: O CPB tem outros projetos encaminhados para utilizar os benefícios da Lei de Incentivo?
VSN: Não. Estava quase certo que seríamos financiados pela Petrobras. Por isso, não entramos na certificação de outro projeto. Porém, pela lei, podemos captar recursos até junho. Vamos tentar captar o máximo possível para minimizar o baque orçamentário causado pela desistência da estatal.
ME: Mesmo com tantas conquistas, o desporto paraolímpico do Brasil só tem um patrocinador oficial. Ainda existe preconceito por parte das empresas em apoiar as disputas entre atletas portadores de deficiências?
VSN: Diminuiu muito. O preconceito, na verdade, não acontece só em torno do esporte paraolímpico. As empresas têm receio de aportar no esporte em geral. Essa postura, apesar de não ser compreensível, é aceitável. A gestão do esporte no Brasil ainda intimida os investidores. Não adianta tentar tapar o sol com a peneira. É preciso dar seriedade na gestão para que as empresas acreditem e confiem para destinar seus recursos de incentivo, renúncia fiscal e de publicidade ao esporte.
ME: No Parapan, houve uma aproximação entre os torcedores brasileiros e os paraatletas. O público perdeu o receio de apoiar as modalidades paraolímpicas?
VSN: O que cria a distância é a falta de informação. A imprensa tem ajudado muito a fazer com que a sociedade brasileira perceba que o esporte paraolímpico é igual a qualquer outro. De maneira geral, o esporte no Brasil é acompanhado de perto pelos torcedores. São raros os eventos que contam com público considerável. O interesse do público só é despertado em competições como o Pan ou o Parapan, onde temos o Brasil enfrentando um estrangeiro.
ME: Existe algum projeto para popularizar o desporto paraolímpico no Brasil?
VSN: Não há nada específico. O que temos é um projeto continuado de massificação e divulgação da nossa cateogoria. Queremos dar visibilidade ao movimento paraolímpico e, principalmente, fazer com que a sociedade veja o paraatleta simplesmente como atleta, não como algo estranho. Essa é uma questão educacional e tinha que começar desde a educação primária dos cidadãos.
ME: Nesse sentido, a escassez de eventos transmitidos pela televisão prejudica o desenvolvimento do movimento paraolímpico?
VSN: Esse é um problema muito sério. Temos tentado trabalhar nisso desde Atenas. Focamos muito a questão da TV. Ainda temos poucos eventos na TV, mas, apesar disso, estamos contentes. Entre 2005 e 2007 tivemos “horas de TV” como a gente jamais imaginou que teria. O próprio Parapan foi muito forte no ano passado. Além disso, tivemos outros eventos no Sportv, como o meeting de natação. A televisão precisa se conscientizar do seu papel. Mas é complicado, muito difícil mesmo.
ME: O que o comitê projeta para as Paraolimpíadas de Pequim?
VSN: Queremos que Pequim supere o que foi Atenas. O Brasil foi o país com o maior número de horas de transmissão, foram 180 horas no ar. Além dos eventos ao vivo, tivemos matérias e meios de divulgação na Globo, Bandeirantes, TV Educativa, Radiobras… Para este ano, nosso desejo é oferecer muitas – e boas – imagens para o país.