Foi um ano de brasilidades exuberantes, quase tropicais. A CCXP (Comic Con Experience), esse carnaval de cultura pop que ocupou o São Paulo Expo de quinta-feira (4) ao último domingo (7), decidiu abraçar o país com mais entusiasmo do que em edições anteriores.
E o público, quase 300 mil pessoas ao longo dos quatro dias, correspondeu. O pavilhão, localizado na Rodovia dos Imigrantes, virou uma espécie de alfândega emocional: cada pessoa entrava trazendo sua bagagem afetiva — o mangá da adolescência, o filme que salvou uma semana ruim, o jogo que custou o 13º salário — e saía com leveza emocional, mas nem tanto financeira.
Num canto, alguém chorava porque encontrou seu artista favorito. No outro, lágrimas por pagar R$ 65,00 num hot dog temático do Hulk.
NBA
Mas CCXP não é apenas um festival de capas, espadas e sagas espaciais. É, também, uma arena de esportes. Afinal, o que é uma estrela da NBA senão um super-herói de camiseta regata e tênis caros?
A NBA desembarcou na CCXP com a certeza de quem joga em casa. E qual é o maior fetiche de um fã de basquete? Não é um autógrafo ou uma selfie capenga. É o Troféu Larry O’Brien, aquela taça dourada que parece feita para um faraó moderno. E lá estava ela, exposta, imponente, gerando filas que fariam inveja a qualquer estreia de blockbuster da Marvel. O troféu é a prova física de que o suor e a glória realmente existem.
Para dar alma a essa peça de metal reluzente, trouxeram Gary Payton, “The Glove” (A Luva), como era conhecido por sua defesa que parecia uma mão de veludo com espinhos por dentro. Payton subiu ao Palco Omelete. Não um ator, não um produtor, mas um jogador de basquete, um campeão de 2006 pelo Miami Heat e membro do Hall da Fama. Um contador de histórias.
A Luva estava ali para falar do desafio de marcar os gigantes da liga e, claro, daquele sabor inigualável do título. É um contraste fascinante: a CCXP é o palco da fantasia onde o impossível acontece, e o painel da NBA traz a realidade brutal e gloriosa do esporte. Eles vieram nos lembrar que, sim, os heróis existem, mas eles usam shorts e precisam suar por pontos.
O painel, no fim das contas, foi mais que uma entrevista; foi uma injeção de adrenalina. Uma liga multimilionária provando que entende a juventude geek, misturando a lenda esportiva com a cultura pop. Um sucesso de público que garante que a união entre a bola laranja e a convenção de quadrinhos não é acidente, mas sim uma das jogadas mais inteligentes do ano. Pois o basquete, convenhamos, é um espetáculo que já vem pronto e com trilha sonora de arrepiar.
Sportainment
O papel dessas plataformas esportivas é cada vez mais central. Elas transformaram o consumo de esportes: torcedores acompanham partidas de qualquer lugar, com acesso a múltiplas câmeras, estatísticas em tempo real, replays sob demanda e entrevistas exclusivas.
Campeonatos de futebol, basquete, tênis, automobilismo e e-Sports agora têm alcance global, permitindo que clubes e federações engajem fãs, monetizem eventos e expandam audiências de formas que a TV tradicional não conseguiria.
Essa convergência entre entretenimento e esporte, que os americanos juntaram no termo sportainment, mostra que o streaming não é apenas uma tecnologia, mas um pilar para a indústria esportiva.
Brasil

Já no domínio das atrações tradicionais do evento, houve muitos momentos emocionantes, daqueles que fazem a plateia entrar em histeria uníssona, mas nenhum bateu a presença de Fernanda Montenegro. Aos 96 anos, ela tomou o festival como quem atravessa um palco que sempre lhe pertenceu.
No painel do filme Velhos Bandidos, recebeu uma ovação de pé daquelas que parecem durar mais que a própria convenção. A plateia derreteu, ela se comoveu, e o resultado foi uma euforia coletiva muito mais bonita do que qualquer efeito especial anunciado por aí.
“Sempre valorizamos a cultura brasileira e buscamos dar visibilidade ao nosso conteúdo dentro do evento”, destacou Renato Fabri, CEO e cofundador da CCXP.
“Maurício de Sousa, que completou 90 anos de idade em 2025, foi um dos primeiros homenageados quando começamos. Mas levou um tempo até que os profissionais do nosso país entendessem que esse também era um espaço para eles”, contou o executivo.
Mídia
As grandes produtoras transnacionais marcaram presença na CCXP como o principal palco global fora dos EUA, com a Prime Video e a Warner Bros, que acaba de ser vendida num negócio bilionário para a Netflix. Já a Discovery liderou o espetáculo ao trazer os elencos de séries consagradas como The Boys e Fallout, e aclamadas produções futuras da HBO Max.
Estúdios como a Sony Pictures e a Diamond Films apresentaram seus próximos sucessos de bilheteria — incluindo a presença de Timothée Chalamet para Marty Supreme —, a feira também deu grande destaque a gigantes de nicho como a Crunchyroll, que ofereceu experiências imersivas de animes, garantindo que o evento fosse uma vitrine completa para todos os segmentos da cultura pop.
A indústria do entretenimento descobriu que, para o fã, não existe “cedo demais” quando o assunto é hype. O fã é uma criatura que acorda às 4h da manhã para pegar senha de painel, enfrenta fila, corre, tropeça, perde horas no trânsito, quase perde a dignidade — mas nunca o lugar.
Público
Um exemplo é o jovem casal Karen Oliveira e Levi Gimenes, de Jaboticabal — 350 km de distância da capital paulista— e com zero arrependimento. Na fila de uma das atrações, os dois esperavam com uma mala cheia de brindes, souvenires e colecionáveis que pareciam multiplicar sozinhos.
Ficaram ali por cerca de uma hora e quinze para encarar uma brincadeira que duraria menos de quatro minutos. A espera, embora assumidamente chata, era tratada pelos dois quase como parte do pacote: na CCXP, até a paciência faz parte da experiência.
“Ano que vem voltaremos. E, se houver justiça no universo, encontraremos filas menores”, brinca Karen.
E assim passou mais uma CCXP: um delírio nerd, uma espécie de retiro espiritual da cultura pop, uma festa onde ninguém é estranho porque todo mundo é estranho do mesmo jeito.
É visível que o público sai de lá exausto após quase nove horas de festival, indisfarçavelmente feliz e um pouco mais pobre — mas com a sensação de ter vivido algo que só a mistura de imaginação, gente apaixonada, esportes, streaming e um bom ar-condicionado poderia proporcionar.
CCXP26

Para 2026, a organização anunciou uma edição em Seul, na Coreia do Sul. Um movimento calculado para reforçar os laços com a cultura pop asiática e surfar, sem cerimônia, na maré da Hallyu — do K-Pop aos K-Dramas e Webtoons.
O golpe é de mestre: levar a marca para a Ásia significa abrir caminho para que ídolos coreanos, criadores de animes e nomes de peso do mercado oriental desembarquem também nas edições brasileiras.
Além do cinema e da música, a expansão para a Coreia do Sul promete fortalecer o componente esportivo do evento. A Ásia é um celeiro de paixões que a CCXP pode capitalizar, notadamente nos e-Sports, em que a Coreia do Sul é potência mundial em games como League of Legends (LoL) e StarCraft, com atletas icônicos como Faker.
Outros esportes de grande apelo regional, como o beisebol (dominante no Japão e Coreia do Sul) e tênis de mesa (com forte presença chinesa), devem ser contemplados.
Seul, no fim das contas, não é só um novo endereço: é a carta que a CCXP coloca na mesa para mostrar que pretende ser mais que um festival voltado ao que Hollywood produz. Quer ser um hub global — e, com isso, ampliar o cardápio de painéis, atrações, esportes e surpresas para o público no Brasil.
