Algumas das coisas mais importantes deste mundo são aquelas que, às vezes, recebem menos atenção por parte das pessoas no cotidiano. Desde a década de 1960, nunca se falou tanto em exploração espacial quanto agora, situação impulsionada pelas recentes missões enviadas pela empresa SpaceX, que afirma ter planos de enviar astronautas até Marte em breve. A busca por vida em outros planetas (ou, pelo menos, de condições apropriadas para que ela exista) é uma das justificativas para os bilhões gastos na exploração do cosmo.
A água talvez seja o elemento mais procurado pelos cientistas nos outros planetas e galáxias. Justamente essa substância que cobre 71% da superfície da Terra, tornando-se tão comum que muita gente nem se dá conta de como ela vem sendo degradada ao longo dos anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, anualmente, 500 mil seres humanos morram em decorrência de doenças ocasionadas pelo consumo de água contaminada.
Poluição, desmatamento, assoreamento, destruição das nascentes, aquecimento global, consumo desenfreado. Ameaças à reserva de água potável não faltam no mundo. E nestes tempos em que o esporte passou a abraçar causas sociais relevantes, é de se espantar que um tema como a preservação dos recursos hídricos, crucial para a sobrevivência humana, ainda gere pouca comoção em clubes, ligas, patrocinadores e torcedores, de um modo geral.
No Brasil, onde 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 100 milhões não contam com coleta de esgoto em suas residências (dados do Ranking do Saneamento 2022), os principais clubes de futebol, esporte mais popular do país, não divulgaram em seus sites ou redes sociais nenhuma ação concreta e sistemática voltada à questão hídrica nesta semana em que é celebrado o Dia Mundial da Água.
A situação se repete nas demais épocas do ano. No fim das contas, o assunto, quando muito, torna-se objeto de algum post isolado, que não tem reflexos para além da plataforma onde o conteúdo foi compartilhado.
A ausência de iniciativas sustentáveis concretas e perenes não é um problema isolado do futebol brasileiro. É, antes, uma característica do mundo esportivo de um modo geral, que ainda insiste em permanecer alheio a questões de impacto social ou ambiental.
Aos poucos, porém, vão surgindo exemplos de clubes, instituições e eventos esportivos que desejam fazer diferente e tratar a água e o meio ambiente como prioridades. Reunimos, aqui, algumas experiências sustentáveis desenvolvidas recentemente, tanto no Brasil como no mundo.
Manchester City
O Manchester City fez uma parceria com a empresa distribuidora de água dos Estados Unidos Xylem Inc. para promover uma campanha de conscientização sobre a preservação hídrica.
A iniciativa tem o técnico Pep Guardiola como um de seus embaixadores e conta com um site, onde os visitantes são convidados a se engajar em uma série de ações, que vão desde a leitura de artigos informativos até a adesão a um abaixo-assinado.
Em troca, elas recebem waterdrops (gotas de água), que dão ao participante o direito de concorrer a prêmios, os quais incluem camisas autografadas do Manchester City e uma série de experiências.
A parceria do clube com a Xylem, no entanto, não está restrita a essa campanha atual. Em 2019, por exemplo, a empresa e a Heineken toparam a empreitada de produzir uma edição limitada de cerveja feita com água purificada, 100% coletada do telhado do Etihad Stadium, casa do City. O produto foi batizado de “Raining Champions”, em homenagem à conquista da Premier League pelo clube.
Fórmula 1 e Rally dos Sertões
O descarte inadequado de óleo automotivo representa um dos maiores riscos para os lençóis freáticos. Apenas uma gota dessa substância é capaz de contaminar 100 litros de água de uma só vez. Nos últimos tempos, os esportes a motor têm voltado suas atenções para esse problema, como forma não apenas de oferecer destinação correta aos próprios resíduos gerados, como também dar um bom exemplo aos fãs.
No ano passado, tanto o Rally dos Sertões quanto o Grande Prêmio de São Paulo de Fórmula 1 firmaram uma parceria com a empresa Lwart Soluções Ambientais, para a coleta de óleo lubrificante usado, que depois foi encaminhado para reciclagem por meio do rerrefino.
No caso do GP de São Paulo de F1, outras ações sustentáveis também vêm sendo adotadas nos últimos tempos, como a reciclagem anual de 7 mil a 10 mil pneus utilizados como barreiras de proteção na pista de Interlagos e a coleta especializada de lixo orgânico para ser transformado em fertilizante.
A etapa brasileira da Fórmula 1 também passou a utilizar, desde 2021, embalagem tetrapak de água, da empresa A9. Esse material posteriormente é coletado e transformado em telhas, que são destinadas para comunidades locais.
Rio Open
A reciclagem é um dos principais meios de se preservar os recursos hídricos, já que acarreta na redução do consumo de água no processo de fabricação dos produtos. Essa prática é uma das grandes preocupações do Rio Open, principal torneio de tênis da América do Sul e que é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como carbono neutro.
As ações sustentáveis são consideradas pilares do torneio e incluem a neutralização das emissões de CO2, por meio da parceria com a empresa energética Engie, que utiliza créditos de carbono da Usina Hidrelétrica de Jirau (RO).
Esse trabalho começa bem antes do evento, quando são aplicados os princípios da circularidade na cadeia de resíduos com três etapas: redução, reciclagem e reutilização. A iniciativa envolve desde a utilização de copos reutilizáveis nos bares até ações para a destinação de resíduos orgânicos para compostagem e de recicláveis para cooperativas licenciadas. Além disso, as concessionárias de alimentação e bebida também utilizam materiais recicláveis.
A reutilização de materiais está entre as ações adotadas e inclui pulseiras feitas com cordas de raquetes usadas na competição, que são vendidas na loja de produtos oficiais do torneio, a La Boutique. A organização também costuma destinar lonas para uso de cooperativas parceiras, tampinhas de garrafas para reciclagem, além de bolas e sobras de uniformes para projetos sociais.
Campeonato Carioca
Apesar de os grandes clubes ainda não colocarem a questão hídrica no centro de suas preocupações diárias, o tema já vem sendo trabalhado de maneira sistematizada em algumas competições de peso.
É o caso da parceria entre a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), a Band e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que utiliza os jogos do Campeonato Carioca para transmitir ao público a mensagem de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, garantir o reflorestamento de uma área equivalente ao Estádio do Maracanã.
A campanha “Plantando Gols” prevê o plantio de dez mudas de espécies nativas da Mata Atlântica para cada gol marcado na competição. No último sábado (18), por exemplo, a goleada do Fluminense sobre o Volta Redonda por 7 a 0, pela semifinal da competição, garantiu mais 70 árvores na fatura do projeto. Elas serão cultivadas em Queimados, em um terreno às margens do Rio Guandu, por integrantes do programa socioambiental Replantando Vida, da Cedae.