Futebol dá adeus a Franz Beckenbauer, primeiro craque a se tornar gestor de alto escalão

Franz Beckenbauer, defendendo a seleção alemã - Reprodução / Instagram (@bundesliga)

Se uma pessoa qualquer resolvesse escalar uma seleção com os maiores jogadores de futebol de todos os tempos, é provável que houvesse muita discussão em torno dos eventuais donos de cada camisa. Mesmo a 10, eternizada por Pelé, talvez fosse alvo de polêmica, por conta da concorrência com figuras como Messi ou Maradona. Uma presença, no entanto, seria incontestável nesse time dos sonhos: a de Franz Beckenbeuer, com a número 5.

Eleito o maior líbero da história, o craque alemão morreu nesta segunda-feira (8), aos 78 anos de idade. Ultimamente ele vivia na Áustria, ao lado de sua terceira esposa e longe dos holofotes.

Nos tempos em que esteve na ativa, no entanto, ajudou a revolucionar o futebol. Foi o primeiro ex-craque a se tornar um dirigente de alto escalão no esporte mais popular do planeta. Antes disso ele fez história dentro e fora de campo, atuando como jogador e treinador.

Um tapa transformou a história do Bayern de Munique

Franz Beckenbauer nasceu em Munique, na Baviera, no ano que 1945, em uma Alemanha arrasada e dividida pela 2ª Guerra Mundial.

Seu bairro natal, Giesing, era reduto do Munique 1860, clube do qual o garoto Beckenbauer acabou se tornando torcedor. Mas essa relação de amor estava com os dias contados.

Quando ainda era adolescente e atuava na categoria sub-14, teve a oportunidade de enfrentar o time do coração em campo, mas acabou sendo agredido por um oponente, durante a partida. Esse fato foi relembrado no post feito pelo Munique 1860, em homenagem ao Kaiser.

“Mesmo que ele jogasse no clube errado, ele era um verdadeiro Giesinger. O fato de ele não ter começado sua carreira mundial com os Sechzig foi devido a uma discussão em um jogo da juventude. No entanto, ele sempre ficou ligado aos Die Löwen. Desde 1º de novembro de 1998, ele foi um membro vitalício do TSV 1860 Munique”, afirmou o post.

Desiludido, o garoto Beckenbauer foi buscar consolo no colo do maior rival, o Bayern de Munique, ingressando no elenco juvenil do time, ao completar 14 anos de idade. O detalhe é que, até então, os Bávaros eram considerados uma equipe modesta e sem grande expressão no país e na Europa.

A chegada de Beckenbauer revolucionaria a história do Bayern, ajudando a elevá-lo de patamar. Liderado pelo Kaiser, o clube conquistou quatro Copas da Alemanha, quatro Bundesligas (sendo três consecutivas, em 1971/1972, 1972/1973 e 1973/1974), três Champions Leagues seguidas (1973/1974, 1974/1975 e 1975/1976) e o Mundial Interclubes 1976, derrotando o Cruzeiro na final.

As conquistas lideradas pelo Kaiser na Champions League foram resgatadas em vídeo publicado no perfil oficial da competição.

Em sinal de luto pela morte de seu maior craque em todos os tempos, o Bayern alterou de vermelha para preta a cor de seu brasão, nas redes sociais.

“O mundo do FC Bayern já não é o que costumava ser – de repente mais sombrio, mais silencioso, mais pobre: os campeões alemães estão de luto pela perda de Franz Beckenbauer, o único ‘Kaiser’, sem o qual o Bayern nunca teria se tornado o clube que é hoje. Descanse em paz”, afirmou o post, publico no X (antigo Twitter).

“Não há palavras para expressar o quão grande é a nossa dor – e pela lacuna que Franz Beckenbauer deixa. Como jogador, trouxe leveza, elegância e magia para o campo: Franz Beckenbauer trouxe o brilho. Mesmo depois de sua carreira como jogador, ele deixou sua marca no Bayern e no futebol além da medida, e seu legado não pode ser medido por títulos. A família do Bayern é eternamente grata a ele, e eu pessoalmente estou em luto pela perda de um amigo”, disse Herbert Hainer, presidente do clube.

Na década de 1990, Beckenbauer chegou a assumir a presidência do clube, acumulando também a função de técnico. Conquistou a Bundesliga na temporada 1993/1994 e a Copa da Uefa de 1995/1996. Permaneceu no cargo até 2009, a partir de quando se tornou presidente honorário dos Bávaros.

Seleção alemã

A trajetória de Beckenbauer está intimamente ligada à da seleção de seu país, na época conhecido oficialmente como Alemanha Ocidental.

Em 1966, chamou a atenção do mundo ao ajudar Alemanha a chegar à final da Copa do Mundo, sendo derrotada pela anfitriã Inglaterra, em um jogo que até hoje desperta muita discussão. O Kaiser recebeu homenagens da Premier League, em post publicado no Instagram.

Em 1970, no México, Beckenbauer ficaria novamente no quase, com a Alemanha sendo eliminada na semifinal pela Itália, em uma partida que foi eleita a melhor de todo o século passado. O detalhe é que o Kaiser, capitão da equipe, atuou durante uma boa parte do jogo (que foi para a prorrogação) com o braço direito enfaixado ao corpo, pois machucou clavícula aos 25 minutos do primeiro tempo, mas optou por permanecer em campo, para não deixar o time desfalcado.

Na Copa do Mundo seguinte, disputada na Alemanha Ocidental, viria enfim a consagração, diante da favorita Holanda, de Johan Cruijff. O capitão Beckenbauer enfim levantava o tão sonhado troféu. Dois anos antes, ele havia liderado os alemães na conquista da Eurocopa, diante da União Soviética. A Uefa, organizadora da competição, lamentou a morte do ex-jogador.

Na década de 1980, os caminhos do craque voltariam a se cruzar com os da seleção alemã, desta vez como treinador. Beckenbauer conseguiu a façanha de levar o time a duas finais consecutivas de Copa do Mundo. Em 1986, no México, acabou sendo derrotado pela Argentina, de Maradona.

Quatro anos mais tarde, no entanto, veio a desforra com a conquista do tri, na Copa da Itália, justamente diante da Argentina de Maradona. Apenas três pessoas conseguiram o feito de ganhar o Mundial, atuando como jogadores e como técnicos: Zagallo, que faleceu no último sábado (6); Didier Deschamps, da França; e Franz Beckenbauer.

Dirigente de alto escalão

Além de se destacar como craque e treinador, Beckenbauer conseguiu desbravar outros domínios no futebol. Foi dirigente no Bayern de Munique e também o escolhido para comandar o comitê organizador da Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha.

“O ‘Kaiser’ foi um dos melhores jogadores que este esporte já viu. Com sua leveza, elegância e clareza, ele estabeleceu padrões no campo. Sua precisão e carisma como líder de equipe, bem como sua energia e poder como chefe da Copa do Mundo são inesquecíveis”, afirmou Bernd Neuendorf, presidente da Associação Alemã de Futebol (DFB).

O presidente da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Gianni Infantino, também lamentou a morte do Kaiser e recordou-se da experiência vivida ao lado do Beckenbauer gestor.

“Durante muitas reuniões do Comitê Executivo da Uefa, ele ficou feliz por partilhar o seu conhecimento sobre futebol comigo, como meu vizinho de lugar. Um grande homem, amigo do futebol campeão e uma verdadeira lenda, Franz nunca será esquecido”, afirmou Infantino.

Desbravando novos mercados

Ainda nos tempos de jogador, Beckenbauer desempenhou um papel fundamental para ajudar a conquistar novos mercados para o futebol. Em 1975, apenas um ano após vencer a Copa do Mundo, o craque aceitou o convite para atuar ao lado de Pelé, no New York Cosmos, dos Estados Unidos.

Em seu primeiro ano na equipe, além de se tornar campeão, foi eleito o melhor jogador de futebol dos Estados Unidos, desbancando até mesmo Pelé, que acabaria se aposentando naquela mesma temporada.

O Kaiser permaneceria no Cosmos até 1980, ganhando outros dois troféus de campeão e atuando ao lado de craques como o holandês Neskeens, o brasileiro Marinho Chagas e o paraguaio Romerito.

A passagem do alemão pelo Cosmos foi recordada em post feito pelo perfil oficial de Pelé, no Instagram.

Antes de pendurar as chuteiras, ainda atuou pelo Hamburgo, onde conquistou a Bundesliga na temporada 1981/1982.

Nos últimos anos, Beckenbauer vivia recluso, enfrentando complicações decorrentes da doença de Parkinson e de um quadro de demência.

“Considero um dos grandes privilégios da minha vida ter conhecido Franz Beckenbauer. O ‘Kaiser’ tem sido uma inspiração há mais de uma geração, continuará sempre a ser a luminosidade do futebol alemão”, disse Rudi Völler, atacante da Alemanha na conquista da Copa de 1990, que lamentou a morte do maior líbero da história do futebol mundial.

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