O Manchester United aparenta ter chegado ao ápice de uma crise que o atormenta há mais de uma década. A decadência da equipe, que possui a maior torcida da Inglaterra e é a que mais venceu a Premier League (no formato atual, adotado a partir de 1992) começou a dar sinais depois da temporada 2012/2013, que coincidiu com a aposentadoria do lendário treinador Sir Alex Ferguson.
O drama, porém, é mais antigo e tem origem na compra do clube pela família Glazer, dos Estados Unidos, há quase 20 anos. Na última década, os problemas de gestão do Manchester United passaram a ficar em evidência e a equipe perdeu sua competitividade, sendo eclipsada por rivais como Liverpool, Chelsea e, principalmente, Manchester City.
A entrada do bilionário Jim Ratcliffe na sociedade (com participação minoritária, mas ditando os rumos do futebol) representou um lampejo de esperança para muitos torcedores insatisfeitos com a gestão praticada pelos Glazers.
O fundador e CEO da petroquímica Ineos já era proprietário de 30% da equipe Mercedes, da Fórmula 1, além de ser acionista majoritário do Nice, da França. Seu grande sonho, porém, era adquirir o time do coração.
No ano passado, o projeto se concretizou, com Ratcliffe gastando £ 1,3 bilhão (R$ 9,3 bilhões, pela cotação atual) na compra de 25% do Manchester United, assumindo o controle total sobre os assuntos relacionados ao futebol.
Desde então, Ratcliffe torrou alguns bilhões de libras esterlinas na equipe. Ao contrário de rivais, como o City, por exemplo, que souberam aproveitar o dinheiro dos investidores para retomarem a competitividade, o Manchester United segue dando vexame em campo, ao mesmo tempo em que demonstra ser incapaz de sanar as dívidas e ampliar as receitas.
Cortes e demissões
A gestão de Ratcliffe à frente do Manchester United serve para quebrar a crença inabalável de alguns torcedores, especialmente de clubes em processo de decadência, de que bastaria entregar o comando da situação a algum bilionário repleto de boas intenções para que as glórias do passado retornassem.
É fato que Ratcliffe tem investido pesado no futebol dos Red Devils. Mas os resultados colhidos até o momento estão muito aquém da expectativa gerada no início de sua administração.
Hoje, a equipe ocupa apenas o 15º lugar na Premier League e tem chances reduzidas de se classificar para algum torneio continental. A situação agrava ainda mais o calvário da torcida, iniciado após a saída de Ferguson do cargo de treinador, em 2013.
Desde então, os troféus mais expressivos conquistados pelo Manchester United foram a Carabao Cup, em 2017 e 2023, e a FA Cup, nas temporadas 2015/2016 e 2023/2024.
Fora das quatro linhas, a situação também é dramática para os Red Devils. A partir de 2019, o clube vem registrando seguidos prejuízos, em uma situação agravada pela pandemia de Covid-19, que fechou estádios e paralisou competições, cortando fontes de receitas das equipes de futebol.
Para lidar com a questão financeira, Ratcliffe e o CEO Omar Berrada, nomeado no ano passado, resolveram aplicar a receita do corte de gastos, que inclui a demissão de funcionários e até mesmo o fechamento da cantina e da lanchonete do clube. A partir de agora, as refeições diárias, antes servidas aos empregados, serão substituídas por frutas.
No centro de treinamento, apenas os jogadores poderão seguir alimentando-se gratuitamente. Os demais funcionários terão de se contentar com pão e sopa.
No ano passado, o Manchester United demitiu 250 pessoas do quadro colaborativo, incluindo Alex Ferguson, que deixou o cargo de embaixador da equipe, situação que ocasionou polêmica entre os torcedores. O ex-treinador recebia € 2,5 milhões ao ano (cerca de R$ 15 milhões) por esse contrato que foi encerrado.
Mas Berrada e Ratcliffe pretendem ir além. Para este ano, a meta da dupla é mandar entre 150 e 200 pessoas para o olho da rua.
“Perdemos dinheiro nos últimos cinco anos consecutivos. Isso não pode continuar. Nossas duas principais prioridades como clube são proporcionar sucesso em campo para nossos torcedores e melhorar nossas instalações. Não podemos investir nestes objetivos se estivermos continuamente perdendo dinheiro”, declarou Berrada.
O objetivo dos gestores, segundo um comunicado divulgado à imprensa, é que, no fim deste ano, o clube esteja mais enxuto, ágil e financeiramente sustentável.
“Estaremos, então, em uma posição muito mais forte para investir no sucesso do futebol e em melhores instalações para os torcedores, mantendo-nos em conformidade com os regulamentos da Uefa e da Premier League”, disse Berrada.
Prejuízo milionário e incertezas
Na última temporada, o Manchester United registrou prejuízo de £ 200 milhões. Além das demissões, outra medida adotada pela gestão Ratcliffe para tentar equacionar as finanças do clube foi aumentar o preço dos ingressos para os jogos em casa, para £ 66 (quase R$ 480), ou transferir o jogo do time Sub-18, válido pela 5ª rodada da FA Youth Cup, do Estádio de Old Trafford para o Leigh Sports Village, com capacidade para 12 mil pessoas, por uma economia de cerca de £ 8 mil (R$ 58 mil).
São medidas que, aliadas ao péssimo desempenho do time em campo, ajudam a despertar a fúria dos torcedores. Mesmo assim, por enquanto, Ratcliffe aparenta estar firme em sua empreitada à frente do clube do coração.
Para se tornar sócio minoritário, o empresário aceitou pagar caro à família Glazer. À época em que o negócio foi firmado, ele enfrentou a concorrência do xeque Jassim bin Hamad bin Khalifa Al Thani, do Catar, que pretendia pagar £ 5 milhões para se tornar o proprietário único do Manchester United.
Porém, o magnata árabe não apresentou garantias financeiras de que poderia arcar com esse investimento. Os Glazers, então, optaram por vender uma fatia menor, de 25%, a Raticliffe, mantendo o posto de acionistas majoritários do clube.
Em 2023, quando o negócio foi concluído, a dívida líquida do Manchester United estava em £ 725 milhões. Desde que os investidores norte-americanos assumiram o controle do clube inglês, o endividamento sempre esteve em patamares elevados.
Em 2006, depois de um ano sob o controle acionário dos Glazers, os Red Devils apresentaram uma dívida líquida de £ 603,8 milhões. Ela continuou a crescer, até ultrapassar a marca de £ 754 milhões, em 2010. A partir daí, registrou quedas expressivas, chegando a £ 342 milhões, em 2014. Depois disso, voltou a subir, ficando na casa de £ 500 milhões.
De 2022 em diante, a dívida do clube tornou a disparar, ultrapassando £ 600 milhões. O alto endividamento da equipe e a seca de títulos ajudaram a tornar o nome Glazer uma palavra quase maldita para setores da torcida do Manchester United.
Clube gasta muito e mal
Para se ter uma ideia, desde a chegada dos Glazers, o Manchester United investiu um total de £ 2,1 bilhões na contratação de jogadores. Desse total, £ 1,7 bilhão foram gastos na última década, número que rivaliza com Manchester City e Chelsea, que conquistaram oito das últimas dez temporadas da Premier League, enquanto os Red Devils não venceram nenhuma.
Por esse motivo, a chegada de Ratcliffe, que é inglês e torce pelo clube, foi encarada por muitos como uma esperança de que, enfim, os Red Devils poderiam se livrar da influência dos investidores norte-americanos.
Um fator que contribui para aumentar a rejeição dos atuais sócios majoritários consiste nos dividendos pagos pelo clube aos seus acionistas.
O Manchester United é, hoje, o único clube da Premier League que realiza esse tipo de pagamento, de forma regular e expressiva, a seus donos. Os demais costumam reinvestir os lucros no próprio time.
De 2005 até 2023, a equipe distribuiu um total de £ 166 milhões em dividendos, dos quais 69% foram direto para o bolso dos Glazers. Ratcliffe aparenta estar empenhado em recuperar o período de glórias do Manchester United, mas o futuro do time é repleto de incertezas.
De acordo com o portal Bloomberg, os Glazers estariam dispostos a vender o controle do clube para algum investidor ainda neste ano. Nesse caso, não estaria descartada uma negociação com um terceiro investidor. Com isso, Ratcliffe seria forçado a deixar o comando do futebol do time.
Vale lembrar, porém, que o empresário e a Ineos têm prioridade na compra das ações dos Glazers, antes que elas sejam negociadas no mercado. Caso o bilionário não queira seguir com a aventura em seu time do coração, o favoritismo volta a recair sobre o xeque Jassim.