Organizações de direitos humanos lideradas pela Human Rights Watch protestaram contra a anulação do banimento do esporte de Yves Jean-Bart, ex-presidente da Federação Haitiana de Futebol (FHF), de uma acusação de abuso sexual, ocorrida nesta terça-feira (21).
A Fifa havia suspendido Jean-Bart e vários dirigentes da FHF em maio de 2020. Em novembro, o ex-presidente da federação local acabou banido do futebol.
No entanto, a Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês), última instância de julgamento do esporte, decidiu anular a punição da Fifa alegando que as evidências fornecidas pela Human Rights Watch e pela Federação Internacional de Jogadores (Fifpro) não eram “provas suficientes” do cometimento do crime.
A absolvição e a controvérsia internacional aconteceram no mesmo dia em que a seleção feminina do Haiti comemorou a classificação inédita para a Copa do Mundo, que será realizada neste ano na Austrália e na Nova Zelândia. Nesta terça-feira (21), o Haiti venceu o Chile por 2 a 1 pela repescagem das Eliminatórias para o Mundial e obteve a vaga.
Várias denunciantes, testemunhas e sobreviventes haviam acionado Fifa, Fifpro, Human Rights Watch e a mídia para denunciar o dirigente. A federação internacional ainda não divulgou se recorrerá da decisão da CAS.
Acusações graves
Segundo a ONG de direitos humanos, as evidências fornecidas à CAS incluíam “testemunhos devastadores sobre Jean-Bart coagindo jovens jogadoras a fazer sexo com ele, o confisco de passaportes (um indicador de tráfico humano) e homens armados considerados ligados a Jean-Bart ameaçando matar qualquer um que tenha testemunhado sobre esses abusos”.
O depoimento de uma testemunha descreveu um local de trabalho “cheio de abuso e exploração sexual. As adolescentes ficaram grávidas e tiveram filhos com o presidente. Todos os jogadores, dirigentes e funcionários do centro sabiam o que estava acontecendo e não fizeram nada para nos proteger”.
Crítica à CAS
A declaração da ONG argumenta que a CAS “provou ser um mecanismo de justiça inadequado, em particular para mulheres atletas. Os termos de referência do mecanismo de arbitragem não exigem que ele leve em consideração os direitos humanos, os árbitros não têm abordagem ou treinamento sobre o trauma e o tribunal toma decisões com base nas regras da federação esportiva que, em muitos casos, excluem os direitos humanos”.
“Desde que as jogadoras começaram a denunciar abusos sexuais na federação nacional de futebol do Haiti, cada passo do caminho tem sido inseguro para as sobreviventes”, afirmou Julie Ann Rivers-Cochran, diretora executiva do Exército de Sobreviventes, ONG que combate a violência sexual contra atletas em todos os níveis.
“Reintegrar Yves Jean-Bart não apenas o coloca de volta em uma posição de poder, mas também cria uma situação aterrorizante para os atuais sobreviventes e todos os atletas de futebol haitianos. A Fifa e a CAS têm o dever de cuidar dos atletas sobreviventes e denunciantes”
Julie Ann Rivers-Cochran, diretora executiva do Exército de Sobreviventes
Falhas processuais
Um dos problemas, segundo a denúncia da Human Rights Watch, é que a CAS não ofereceu proteção básica a testemunhas da ação, mesmo sabendo que muitos atletas e funcionários da federação receberam ameaças de morte.
Para a ONG, os próprios mecanismos de denúncia da Fifa são inseguros, com os dirigentes acusados ouvindo frequentemente reclamações feitas contra eles. Segundo essas entidades, o Comitê de Ética da Fifa se tornou apenas uma ferramenta usada pelo presidente Gianni Infantino para controlar as federações com a ameaça de investigação e suspensão.
“A jornada dos jogadores haitianos e delatores tem sido incrivelmente precária e desafiadora. Esta última decisão levanta mais questões sobre a capacidade de o futebol oferecer um remédio eficaz para graves violações dos direitos humanos”
Fifpro, em comunicado oficial
Críticas à Fifa
De acordo com a Human Rights Watch, o processo na CAS e a decisão pela absolvição do dirigente expõem as falhas da Fifa para lidar com o problema.
“Como se pode esperar que sobreviventes de abuso sexual denunciem o abuso à Fifa se essa farsa da justiça é o resultado”, questionou Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch.
“Com a Copa do Mundo Feminina ocorrendo neste ano, um holofote severo está brilhando sobre a má governança e a incapacidade da Fifa de remover os abusadores sexuais do esporte”, finalizou.