Se uma palavra pudesse ser escolhida para definir o que a última semana de maio de 2025 tem representado para o futebol brasileiro, “dramática” seria, sem dúvida, a melhor opção.
No último domingo (25), houve a troca no comando da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que passou a ser presidida pelo roraimense Samir Xaud, de 41 anos.
No dia seguinte, foi a vez do Corinthians, clube que possui a segunda maior torcida do país, passar por uma mudança drástica na presidência, com o afastamento de Augusto Melo, momentaneamente substituído pelo vice Osmar Stabile.
Mas não pense que as disputas internas são a única causa do caos no futebol brasileiro. A política institucional, que é costurada nos corredores de Brasília, também é capaz de semear o pânico entre os clubes do país.
Para esta quarta-feira (28), está prevista a votação no Senado Federal, em regime de urgência, do Projeto de Lei 2.985, de 2023, que, se aprovado, pode fazer secar uma importante fonte de recursos para os times brasileiros.
Entenda o projeto
A proposta original é de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB/RN) e busca alterar a Lei 13.756/2018, que liberou as apostas esportivas no país.
Composto de apenas dois artigos, o texto de Valentim simplesmente propõe vetar toda e qualquer publicidade ou ação de marketing feita por casas de apostas.
O projeto que deverá ir a votação não é o original, mas sim o substitutivo apresentado pelo relator Carlos Portinho (PL/RJ), que não chega a proibir a publicidade das empresas de apostas, mas impõe uma série de restrições a essa prática.
Se aprovado da forma como está, o texto trará impactos significativos ao futebol. Portinho quer limitar a veiculação de propagandas de casas de apostas no rádio e na TV ao período que vai das 22h às 6h.
A publicidade do setor não poderia mais ser divulgada em veículos impressos ou eletrônicos, inclusive na internet. Portinho também pretende acabar com a alegria de jogadores, ex-atletas, influenciadores digitais, artistas, jornalistas e narradores esportivos, que seriam proibidos de fazer propaganda para casas de apostas.
Os patrocínios de camisa por sites de apostas, que hoje dominam as Séries A e B do Brasileirão, com raras exceções, continuariam a ser permitidos. Porém, atletas menores de 18 anos não poderiam exibir as logomarcas das empresas do setor.
O grande drama para os clubes reside no item que busca proibir a propaganda das plataformas em estádios. Se esse dispositivo passar, as casas de apostas não poderão mais ter suas marcas exibidas nas placas de publicidade estática.
Em uma nota emitida na noite desta terça-feira (27), diversos clubes criticaram o projeto de Portinho. Um dos primeiros a compartilhar o manifesto foi o Internacional.
Os times estimam que poderão sofrer perdas de até R$ 1,6 bilhão, caso a regra venha a ser aprovada.
“As graves perdas financeiras serão bastante expressivas para os grandes clubes. Porém, o que é ainda mais cruel no substitutivo é que essas novas regras poderão ser definitivas para a sobrevivência de clubes de menor expressão, que igualmente realizam trabalho social importante e carregam a ligação afetiva das suas coletividades nas regiões em que estão sediados”, argumenta a nota.
Segundo apurou a Máquina do Esporte, o manifesto é endossado por ao menos 50 clubes do país.
“Vale mencionar que o colapso financeiro será acompanhado de um colapso jurídico, considerando que um número expressivo dos clubes possui contratos de cessão de espaço de publicidade em placas de estádio com prazo de, no mínimo, três anos, que deverão ser renegociados ou rescindidos”, afirma a nota.
Jogo político
O tema apostas esportivas tem ganhado destaque na mídia nos últimos tempos e ficou ainda mais em evidência por conta da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das “Bets”, que apura os impactos causados pelas apostas esportivas e os jogos de cassino virtual no orçamento das famílias brasileiras.
Nas últimas semanas, a CPI passou a convocar influenciadores digitais que divulgam empresas de apostas para seus milhões de seguidores, em especial o controverso Fortune Tiger, mais conhecido como “Jogo do Tigrinho”, que funciona seguindo a mesma lógica das máquinas de caça-níquel e é envolto em diversos relatos de usuários que desenvolveram dependência e sofreram ruína financeira.
Um dos depoimentos, em especial, serviu para aflorar as paixões em torno do tema. Trata-se da oitiva da apresentadora, influenciadora, empresária, rainha de bateria de escola de samba (e agora ex-nora do cantor sertanejo Leonardo) Virginia Pimenta da Fonseca Serrão Costa.
A ida de Virginia à CPI, em 13 de maio deste ano, pode não ter acrescentado informações tão decisivas à investigação (não com as declarações por ela prestadas), mas a forma como tudo ocorreu, porém, ajudou a comissão a “furar a bolha”.
O modo como a “influencer” se produziu para a oitiva, vestida como uma adolescente inocente e inexperiente, aliado à atitude de alguns senadores, que aproveitaram para “tietar” a depoente, acabou por atrair a atenção de pessoas e grupos políticos que sequer costumavam debater o tema “apostas esportivas” no dia a dia.

E, dessa forma, o setor ganhou adversários ferrenhos em diferentes espectros políticos, passando a ser criticado tanto por parlamentares de direita e da Bancada Evangélica, quanto por deputados de partidos de esquerda como PSOL e PT.
As casas de apostas e sua tropa digital passaram a ser alvo, também, de questionamentos contundentes feitos por influenciadores que jamais haviam abordado esse tema.
O perigo mora nas emendas
O substitutivo de Carlos Portinho, da forma como foi redigido, está longe de ser o principal problema para os clubes. A proposta que tramita no Senado recebeu sete emendas, das quais cinco são de autoria de Eduardo Girão (NOVO/CE).
Senador em seu primeiro mandato e ex-presidente do Fortaleza (assumiu o cargo em 2017), ele pode ser definido como o maior adversário das casas de apostas no Congresso Nacional.
Todas as seis emendas apresentadas por Girão visam a endurecer ainda mais as normas de publicidade do setor.
Uma delas prevê que a a veiculação de propagandas de apostas por meio de rádio, televisão, redes sociais ou internet será admitida exclusivamente no período compreendido entre 0h e 5h.
Outra delas quer considerar abusiva a propaganda de apostas feita por “equipes esportivas, atletas, ex-atletas, bem como comunicadores de qualquer modalidade e de qualquer meio de comunicação”, assim como “pessoas consideradas celebridades, autoridades ou que possam influenciar o comportamento de número significativo de pessoas”.
Se a emenda de Girão vingar, os clubes perderiam uma de suas principais fontes de receita, que é justamente o patrocínio de camisa feito pelas casas de apostas.
Em outra emenda apresentada ao substitutivo de Portinho, Girão vai além e propõe vetar “a veiculação, em qualquer meio de comunicação, de ações de comunicação, publicidade e marketing que promovam a loteria de apostas de quota fixa”.
Mas o substitutivo de Portinho também recebeu emendas que buscam atenuar o conteúdo do projeto.
Uma delas é de autoria do senador Romário Faria (PL/RJ), que, aliás, é patrocinado por uma casa de apostas, a Superbet, na RomárioTV.
Romário quer permitir a veiculação, em estádios, da publicidade eletrônica ou estática de apostas que “esteja vinculada a espaços comerciais previamente contratados junto aos responsáveis pela gestão da praça esportiva, observadas as regras específicas da competição e resguardados os direitos de terceiros devidamente formalizados”.
Na nota divulgada pelos clubes, eles afirmam que seria essencial o Senado acolher a emenda de Romário, porque ela serviria para “resguardar os contratos vigentes e as receitas deles decorrentes”.
O senador Jorge Kajuru (PSB/GO) também apresentou uma emenda ao substitutivo de Portinho, inspirado pelo princípio da autorregulamentação.
A ideia do parlamentar é que as casas de apostas divulguem avisos de desestímulo e advertência sobre os malefícios que o jogo pode provocar, além de realizarem ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico.
Na justificativa da emenda, Kajuru diz acreditar que a “experiência brasileira com o sistema de autorregulamentação publicitária, liderado pelo Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária], demonstra que é possível promover uma publicidade responsável sem recorrer, necessariamente, à censura ou à limitação arbitrária de horários ou meios”.
Guerra de narrativas aborda experiências internacionais
Tanto os clubes favoráveis a manter tudo como está quanto os políticos que desejam barrar a publicidade de apostas têm apelado a experiências internacionais, como forma de justificarem o ponto de vista que defendem.
Na nota divulgada pelos times, é citado o caso da Itália, que, em 2018, proibiu a publicidade de apostas, mas que, agora, estaria analisando a liberação desse tipo de propaganda.
Girão, por sua vez, menciona nas justificativas de suas emendas os exemplos de Espanha, Bélgica e Reino Unido, que têm adotado medidas mais duras a fim de restringir a publicidade de apostas, além da decisão da Premier League de proibir, a partir da temporada 2026/2027, os patrocínios feitos pelas empresas do setor.
As recorrentes notícias sobre os impactos econômicos e sociais ocasionados pelo vício no jogo ajudam a reforçar os argumentos proibicionistas.
Não se pode esquecer que no próximo ano haverá eleição. O tema “apostas” é particularmente sensível entre setores mais conservadores da sociedade, em especial o eleitorado evangélico.
Para não desagradar esse público, que representa em torno de 36% da população brasileira (podendo chegar a quase metade, no caso do Norte) o ex-presidente Jair Bolsonaro optou por deixar passar o prazo para regulamentação da Lei 13.756/2018.
Em um cenário político ainda marcado pela forte polarização, em que muitos senadores e deputados irão em busca da reeleição, o posicionamento acerca dessa polêmica pode ter impacto decisivo nos resultados alcançados pelos candidatos.
A tendência, portanto, é de que os clubes brasileiros terão de redobrar seus esforços para não perderem os contratos milionários com as casas de apostas, que ajudam a garantir a hegemonia quase absoluta do país no futebol sul-americano nos últimos anos.