Afundado em dívidas bilionárias (fato admitido por seu próprio presidente Augusto Melo), o Corinthians tem buscado meios de equacionar a situação, para manter sua capacidade de investimentos e seguir competitivo nos campeonatos que disputa.
Apesar de ter sido eliminado na Pré-Libertadores, diante do Barcelona de Guayaquil, do Equador, o clube tem a chance real de levantar uma taça nos próximos dias, e em cima do maior rival.
Na próxima quinta-feira (27), o time alvinegro enfrentará o Palmeiras na Neo Química Arena, precisando apenas de um empate para ser campeão do Paulistão 2025 diante de sua torcida. O Corinthians derrotou o adversário no jogo de ida, realizado no Allianz Parque, no último domingo (16).
Se dentro de campo as coisas caminham, mas ainda com dificuldade, fora delas o Corinthians também vem fazendo jus à fama de “sofredor”.
Em novembro do ano passado, conforme noticiou a Máquina do Esporte, o clube ingressou com uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), para ser enquadrado no Regime Centralizado de Execuções (RCE).
O movimento tem como objetivo organizar o fluxo e a ordem de pagamentos dos credores. A finalidade principal desse instrumento é evitar que ocorram bloqueios judiciais nas contas bancárias do clube, que, à época, acumulava dívidas que superavam a marca de R$ 2,3 bilhões.
À ocasião, o presidente do TJ-SP, Fernando Antonio Torres Garcia, acatou o pedido de centralização e encaminhou o processo para uma das varas especializadas na 1ª instância.
No mês seguinte, o Corinthians também obteve uma liminar na Justiça, que suspendia, pelo prazo de 60 dias, a realização de bloqueios ou execuções judiciais em suas contas.
Parecia que o Corinthians ganharia o prazo necessário para colocar a casa em ordem e organizar suas dívidas. Mas faltou combinar com os credores.
Reviravolta com antigo patrocinador
Um dos credores do Corinthians, em especial, não ficou nada contente com a ideia de receber do clube em prazos alongados e de maneira fracionada.
Trata-se da Pixstar, mantenedora da Pixbet, antiga patrocinadora do clube e que ocupa o espaço máster na camisa do Flamengo, com um dos maiores contratos do gênero no país.
O contrato da Pixbet com a equipe alvinegra seria válido do início de 2023 ao fim de 2025. Nesse meio-tempo, porém, o mercado de patrocínios do futebol brasileiro registrou uma verdadeira explosão, com os sites de apostas investindo valores cada vez maiores em troca de ocuparem o espaço principal nos uniformes dos clubes.
Ao mesmo tempo em que as quantias pagas pela Pixbet ao Corinthians ficavam defasadas diante dessa nova realidade, o clube passou por um processo eleitoral, que culminou na troca de diretoria.
Antes mesmo de assumir o cargo, Augusto Melo e seu grupo ventilaram na imprensa que traziam como trunfo na manga um patrocínio com cifras recordes, capazes de superar a quantia a ser paga pela Pixbet ao Flamengo, naquele que, até então, era considerado o maior contrato do gênero no país.
No começo de 2024, de fato a promessa se concretizou com a chegada da VaideBet, em um acordo que renderia R$ 370 milhões ao Corinthians, ao longo de três temporadas.
Esse patrocínio, porém, teve vida curta e foi rescindido em junho, ou seja, em menos de seis meses, em meio a uma série de denúncias. A situação, inclusive, fez Augusto Melo balançar no cargo.
Multa rescisória não quitada
No lugar da VaideBet entrou o Esportes da Sorte. Em meio a tantas trocas de patrocinador máster, porém, o clube herdou a multa rescisória com a Pixbet, que acabou não sendo quitada.
Em outubro do ano passado, pouco antes do Corinthians ingressar com o pedido do RCE, a casa de apostas chegou a obter no TJ-SP o bloqueio das contas do clube, por conta da dívida avaliada, à época, em R$ 40 milhões. As sentenças posteriores do tribunal, porém, acabaram impedindo a execução dos débitos.
Mas nesta semana a Pixstar conseguiu uma “reviravolta” no caso. A empresa havia apresentado agravo ao TJ-SP, contestando a decisão que autorizou o Corinthians a utilizar o RCE.
O pedido começou a ser analisado nesta quarta-feira (19). Inicialmente, o presidente do tribunal posicionou-se contra os argumentos da Pixstar.
Ao se manifestar em seguida, porém, a desembargadora Luciana Bresciani abriu divergência, acolhendo os argumentos da empresa e votando pelo provimento do recurso.
Por enquanto, o julgamento está paralisado, uma vez que o desembargador José Jarbas de Aguiar solicitou a retirada do processo da pauta para nova deliberação, na próxima sessão do Órgão Especial do TJ-SP.
Lei das SAFs
A polêmica do caso envolvendo o Corinthians reside no fato de que o uso do RCE no futebol foi instituído pela Lei 14.193/2021, que criou as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) no Brasil.
O argumento da desembargadora é de que a legislação condicionou o acesso ao RCE à constituição desse modelo de gestão. O Corinthians, porém, nunca sequer cogitou criar uma SAF e continua funcionando como clube associativo.
Para a magistrada, não é possível dissociar o RCE da criação de uma SAF sem comprometer garantias legais dos credores.
Ela citou, em seu voto, o artigo 10 da Lei 14.193/2021, que determina a transferência de receitas da Sociedade Anônima para pagamento de credores, e o artigo 20, que permite a conversão de dívidas em ações da SAF.
Na visão da desembargadora Bresciani, sem a constituição da SAF, as garantias deixam de existir, prejudicando os credores.
Como funciona o RCE
A Lei das SAFs trouxe dispositivos que permitem aos clubes de futebol equacionarem suas dívidas. Um deles é a recuperação judicial, que vem sendo utilizada por diversas equipes que constituíram Sociedades Anônimas.
Esse instrumento, que foi criado em 2005 e era voltado exclusivamente a empresas, passou a ser visto como tábua de salvação por associações e fundações sem fins lucrativos.
No fim do ano passado, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que apenas as sociedades com fins lucrativos e que desempenham atividade empresarial teriam direito à recuperação judicial.
No caso do RCE, o dispositivo é específico para equipes de futebol, conforme explicou Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Societário.
“O Regime Centralizado não poderia ser feito por um ente que está fora do futebol”, explicou o advogado.
O RCE garante ao time devedor um prazo de até seis anos para pagar os credores. Se a equipe comprovar, até lá, que quitou ao menos 60% de seus débitos, poderá prorrogar o período por mais quatro anos.
Ao solicitar o Regime Centralizado, o clube passa a ter um prazo de até 60 dias para apresentar aos credores um plano detalhando como e quando pagará suas dívidas.
A Lei das SAFs prevê uma ordem de pagamentos, que deve priorizar pessoas idosas, gestantes, portadores de doenças graves, vítimas de acidentes de trabalho e créditos de natureza salarial inferiores a 60 salários mínimos.
O principal atrativo do RCE para uma equipe altamente endividada como o Corinthians é que o modelo prevê que, na medida em que a ordem de pagamentos estabelecida estiver sendo cumprida em dia, o clube não poderá sofrer qualquer tipo de penhora ou bloqueio em seus bens ou receitas.