Um clube brasileiro chamado Atlético, sediado na região metropolitana de uma conhecida capital estadual, pode estar em vias de precisar trocar de nome, após perder uma batalha judicial com uma equipe feminina de futebol de 7.
Times chamados de Atlético são comuns em países de língua espanhola – como nos casos de Atlético de Madrid, da Espanha, do Atlético Nacional, da Colômbia – e especialmente no Brasil, onde a alcunha encontra representantes em quase todos os estados.
Por aqui, é possível encontrar algum Atlético atuando profissionalmente em locais como Goiás, Acre, Bahia, Ceará, Mato Grosso ou Amapá. No ano passado, portal GE contabilizou nada menos que 30 clubes com esse nome, espalhados pelo país.
Em Minas Gerais, além do mais famoso, há também o de Três Corações, terra natal do Rei Pelé. Em São Paulo são três, nas cidades de Sorocaba, Mogi das Cruzes e São José dos Campos.
Por conta da projeção nacional alcançada, graças aos títulos e craques que já vestiram sua camisa, o clube sediado em Belo Horizonte acabou abocanhando boa parte da fama associada ao nome Atlético.
Tanto que, em 2018, para evitar ser confundido com o Atlético-MG, o Atlético-PR resolveu retomar a grafia do início dos anos 1900, passando a se chamar Athletico-PR.
Com tantos exemplares espalhados pelo Brasil, é de se espantar que o ingresso de mais um membro à família dos Atléticos pudesse ocasionar uma batalha nos tribunais.
A polêmica, porém, tem a ver com uma legislação que é posterior ao surgimento de todos esses clubes citados e envolve também um registro de marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Como surgiu a disputa
A disputa, que se passa em Santa Catarina, remonta a outubro de 2020. Até então, Atlético Catarinense (que neste texto poderá ser chamado de Atlético-SC, por questões de padronização e estilo) era uma expressão que se referia exclusivamente ao time feminino de futebol de 7 fundado em 2015, na Grande Florianópolis.
Ao mesmo tempo, existia um time de futebol de campo conhecido como Florianópolis FC, criado em 1999 e que, em outubro 2020, decidiu mudar para Clube Atlético Catarinense.
Ocorre que, três meses antes, a equipe de futebol de 7 havia solicitado ao Inpi o registro da marca Atlético Catarinense.
O pedido foi aceito em maio de 2021, com os efeitos retroagindo à data do depósito da taxa junto ao órgão federal (ou seja, antes do Florianópolis virar Atlético-SC).
O Atlético-SC de futebol de 7 resolveu ingressar com uma ação na 4ª Vara Cível da Comarca de São José. A sentença favorável ao time feminino, que foi representado no processo pelo advogado Higor Maffei Bellini, foi proferida na semana passada, pela juíza Caroline Bundchen Felisbino de Borba.
Drible oficiais de Justiça
No processo, o Atlético-SC alegava que “a coexistência de nomes idênticos ou muito semelhantes no mesmo segmento esportivo e na mesma base territorial (região de São José) causa confusão ao público consumidor, patrocinadores e imprensa, infringindo seu direito de propriedade industrial e configurando concorrência desleal”.
O time de futebol de 7 solicitou a concessão de tutela de urgência para que o réu deixasse imediatamente de usar a marca, sem contar o pagamento de indenização de R$ 5 mil, por danos morais, na análise do mérito.
Conforme a juíza afirma em seu relatório, a grande dificuldade na fase inicial do processo foi citar os dirigentes do ex-Florianópolis FC, já que o clube não tinha “endereço fixo estável” e não funcionava no local indicado pelos autores da ação.
Depois de os oficiais de Justiça levarem uma série de “dribles”, enfim um deles conseguiu citar um gerente de futebol do Atlético réu, durante uma partida que era realizada no Estádio Orlando Scarpelli, em Florianópolis.
A defesa
Ao apresentar sua defesa, o Atlético-SC que deixara de ser Florianópolis FC alegou que a ação seria improcedente, chegando a afirmar que a equipe homônima seria um “clube informal e amador de fut7 feminino”, razão pela qual não haveria conflito entre as duas marcas.
Por não ser filiado à Federação Catarinense de Futebol (FPC) ou à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o time autor da ação não estaria, na visão do réu, enquadrado na definição de “entidade de administração do desporto ou prática desportiva” prevista no artigo 87 da Lei Pelé, que considera denominação e símbolos como propriedades exclusivas de um clube.
Outro argumento utilizado pelo time de futebol de campo foi o de que as palavras “Atlético” e “Catarinense” seriam genéricas, de uso comum e conviveriam com denominações semelhantes no estado.
A decisão
Em sua sentença, a juíza recusou o argumento de que o Atlético-SC feminino não poderia ser abrangido pelo artigo 87 da Lei Pelé, já que, no entender da magistrada, a norma não se restringe apenas a times profissionais ou filiados às grandes entidades.
“O fut7 é uma modalidade mundialmente reconhecida e o clube da autora demonstrou atuar em competições regionais e até internacionais”, disse a juíza.
No entender dela, o Atlético-SC de futebol de 7 comprovou que possuía registro no Inpi, anterior à mudança do nome do clube réu. Para ela, mesmo sob a ótica da Lei Pelé, o direito de proteção beneficiaria quem detém a anterioridade do uso da denominação.
“Conforme demonstrado, a autora utiliza a marca, com notoriedade regional na sua modalidade, desde 2015, enquanto o réu adotou o nome somente em 2020, quando já havia um clube de fut7 consolidado com a referida denominação”, proferiu a magistrada.
A juíza também rejeitou a alegação de que as palavras “Atlético” e “Catarinense” seriam genéricas e de amplo uso.
“O conflito de nomes, embora possa ser tolerado em centros esportivos mais antigos, onde a coexistência remonta ao século passado (como nos casos de “Américas” ou “Atléticos” mencionados na contestação), não deve ser admitido na situação dos autos. Isso porque, além da prova da anterioridade de uso, a adoção da denominação pela entidade mais recente ocorreu em momento em que os instrumentos de proteção à propriedade industrial já estavam plenamente vigentes, incluindo a garantia de uso do nome prevista na Lei Pelé”, afirmou.
Na visão da magistrada, a existência de um segundo time utilizando a mesma denominação resulta em prejuízos ao Atlético-SC feminino.
“A identidade nominal das equipes, ‘Atlético Catarinense’ (autora) e ‘Clube Atlético Catarinense’ (réu), é o bastante para induzir o consumidor médio (torcedor, patrocinador e até mesmo a imprensa) em erro quanto à origem dos serviços de prática desportiva oferecidos”, disse.
Caroline Borba determinou que o ex-Florianópolis FC deixe de usar o nome Atlético Catarinense, e que isso deve ser feito de forma completa, inclusive com alteração nos registros junto a entidades e órgãos como FCF, CBF, Receita Federal, cartórios e Junta Comercial.
O clube terá 60 dias para se adequar à decisão. Caso descumpra a sentença, estará sujeito a multa diária de R$ 250.
A magistrada ainda condenou o Atlético-SC de futebol de campo a pagar indenização de R$ 5 mil, com correção monetária e juros contados a partir de 17 de agosto de 2020. O clube ainda pode recorrer da decisão ao TJ-SC.
Polêmica internacional
Denominada, aqui na Máquina do Esporte, de Internazionale, a fim de não gerar confusão com Internacional, de Porto Alegre, a equipe italiana é comumente chamada de Inter de Milão por torcedores e mesmo por jornalistas.
Fundada em 1908, um ano antes do Colorado, a equipe italiana nunca teve grandes problemas com seus homônimos. Mas isso foi até a década passada.
Em 2014, a Internazionale apresentou um pedido de registro da marca “Inter” junto ao Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO). Por volta daquela época, o ex-jogador inglês David Beckham articulava a criação de um novo time da Major League Soccer (MLS), em Miami.
A cidade da Flórida havia ficado órfã de representantes na liga, desde o fim das atividades do Miami Fusion, em 2001.
Inicialmente, entre os nomes cogitados para a equipe estavam Miami Vice e Miami Current. No lançamento oficial, ocorrido em 2018, o time acabou sendo batizado de Club Internacional de Fútbol Miami ou simplesmente Inter Miami, na forma abreviada.
A MLS, então, ingressou com outro pedido na USPTO, solicitando o registro da marca Inter Miami e também contestando o requerimento de patente feito pelo clube italiano.
Nas primeiras sentenças, proferidas até 2020, o órgão considerou que a MLS não possuía direitos existentes sobre a palavra “Inter”.
À época, a mídia esportiva dos Estados Unidos chegou a cogitar a possibilidade de o Inter Miami precisar mudar de nome, hipótese que acabou não se concretizando.
