A Mulher do Padre, marca de moda badalada entre a juventude paulistana pelo estilo alternativo e irreverente, tem feito uso sistemático de escudos e cores de times de futebol brasileiros e do exterior, além de símbolos importantes do esporte, como os anéis olímpicos, em suas coleções de camisas. Não há, porém, nenhum contrato de licenciamento para isso.
Pelo menos desde abril há vestimentas que remetem a clubes tradicionais do país, como América-RJ, Bangu e Paysandu, e do exterior, casos de Boca Juniors, River Plate, Independiente e Roma.
No e-commerce da marca, o consumidor também pode adquirir camisas com emblemas de clubes mais alternativos, como Atlético Gorriti, time de atuação regional, de Jujuy, na Argentina; Slavija, equipe de Skopje, na Macedônia; e Östers Idrottsförening, agremiação de Växjö, na Suécia, que viveu sua melhor fase nos anos 1970 e 1980 e neste ano retornou à primeira divisão.
O uso de símbolos esportivos não fica restrito ao futebol. A Mulher do Padre também oferece camisas com os anéis olímpicos estilizados nas versões masculina (R$ 182) e feminina (R$ 154).
Esse privilégio o Comitê Olímpico Internacional (COI) não concede nem a marcas que possuem acordo de licenciamento de produtos. Na Carta Olímpica, a entidade proíbe qualquer mudança no principal símbolo dos Jogos.
Também está à venda uma camisa masculina dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi 2014 (R$ 154), com tamanhos que variam do P ao XGG. Os anéis olímpicos voltam a aparecer nesse produto, dessa vez em sua forma e cores corretas, embora em um tom mais claro que o oficial.

Pirataria
Segundo Marcio Gonçalves, advogado especialista em propriedade intelectual, quando uma empresa utiliza escudo, emblemas ou símbolos de um clube de futebol ou uma entidade esportiva, há dois caminhos para conseguir a reparação do dano: na esfera cível e na criminal.
“A lei tipifica o uso irregular de marcas tanto como crime como ilícito cível sujeito a indenização”, explicou Gonçalves.
O advogado contou que o primeiro caminho é o detentor da marca usada indevidamente fazer uma notificação extrajudicial à empresa, tentando resolver o caso amigavelmente.
“É possível entrar com uma ação cível para proibir a continuidade desse comércio e fazer um pedido de indenização pela utilização de sua marca”, comentou.
Segundo o especialista, não há uma regra exata para o cálculo do valor da indenização. Um dos caminhos é pensar quanto a empresa pagaria por um contrato de licenciamento. Outro seria multiplicar por 3 mil o valor das peças anunciadas.
“Esse é um critério análogo à lei de direitos autorais. Quando não se conhece o número de exemplares vendidos, pega-se o valor de cada unidade e multiplica-se por 3 mil”, disse Gonçalves.
Clubes e COB
A Máquina do Esporte questionou os clubes sobre possíveis acordos de licenciamento de suas marcas com A Mulher do Padre. No Brasil, América-RJ e Paysandu negaram que haja contrato com a marca.
“O America Football Club informa que, atualmente, não consta em nossos arquivos acordo de licenciamento com a loja A Mulher do Padre”, respondeu o time, dono de sete títulos do Campeonato Carioca e que atualmente disputa a Série A2 do Estadual.
Já o Paysandu informou que seu departamento jurídico está cuidando do caso. O Bangu, por sua vez, informou que está tomando providências e não se pronunciaria neste momento.
Na Argentina, tanto Boca Juniors como Independiente negaram qualquer negociação de uso de suas marcas com A Mulher do Padre. O time mais popular da Argentina informou que o caso está em análise pelo seu Departamento Jurídico e Legal. Já a equipe de Avellaneda não divulgou quais providências tomaria.
Procurados, River Plate e Roma não responderam à reportagem. Essa nota será atualizada, caso esses times se pronunciem. Com Atlético Gorriti, Slavija e Östers, a Máquina do Esporte não conseguiu contato.
Quanto ao COI, a reportagem procurou o Comitê Olímpico do Brasil (COB), guardião no país dos símbolos olímpicos. A entidade enviou uma nota sobre o caso:
“1) O COB é o responsável pelo monitoramento da propriedade intelectual do movimento olímpico dentro do território brasileiro, e vai agir sempre que entender que houve violação a esses direitos;
2) As infrações detectadas são imediatamente compartilhadas com nosso escritório, que envia notificações e pede a tomada de providências sob pena de sanções financeiras, sem prejuízo do ajuizamento de ações judiciais para reparação dos danos sofridos.”

Outro lado
Procurada, A Mulher do Padre afirmou que “a proposta dessa linha é justamente o resgate de uniformes históricos – tanto aqueles que realmente existiram no passado quanto versões que nunca chegaram a ser produzidas, mas que seguimos como referência estética e cultural”.
“Não somos uma plataforma de camisetas esportivas. Esses itens estão inseridos em um universo mais amplo e diverso de referências culturais, afetivas, com as quais a marca trabalha”, informou a empresa.
“A venda dessas peças é bastante pontual – não há volume suficiente que justifique um licenciamento formal com os clubes, ao menos sob a ótica financeira. Não teríamos nenhum problema em tirar os produtos do ar”, acrescentou.
A marca de moda informou que, dos times cujos emblemas estão sendo utilizados, está em contato com apenas um para assinar um acordo de licenciamento.
“No caso do Bangu, estamos desenvolvendo uma linha completa de produtos, e nosso contato direto tem sido o Daniel [Tavares], diretor de marketing do clube”.
A empresa reconheceu que não estabeleceu conversa com os demais times estrangeiros, incluindo aqueles de mais difícil acesso, por frequentarem divisões inferiores e terem estrutura administrativa mais limitada.
“A maioria deles são estrangeiros, como é o caso do River, Atlético Gorriti, Slavija, Boca Juniors, Independiente e Östers Idrottsförening. Você, por acaso, tem contato com algum desses clubes ou poderia nos ajudar a abrir esse diálogo?”, questionou a empresa.
A Mulher do Padre também contou que já lançou, nos últimos meses, uma linha de camisas em acordo com um ídolo do Flamengo, dessa vez com acerto formalizado.
“Fizemos recentemente a camiseta ‘Deus perdoe essas pessoas ruins’ junto com o Adriano Imperador. Ele distribuiu para um mailing de amigos dele, além de vendermos na loja”, informou a empresa.