O Comitê Olímpico Internacional (COI) promoverá eleições na próxima quinta-feira (20) para escolher o sucessor de Thomas Bach á frente da entidade. Nunca um pleito foi tão imprevisível, já que os dirigentes do comitê têm sete opções para votar: David Lappartient (França), Feisal Al Hussein (Jordânia), Johan Eliasch (Suécia), Juan Antonio Samaranch Jr. (Espanha), Kirsty Coventry (Zimbábue), Morinari Watanabe (Japão) e Sebastian Coe (Reino Unido).
Veja abaixo o que pensa cada candidato sobre temas importantes da atualidade para o Movimento Olímpico.
Premiação
A proposta de premiar atletas pela conquista de medalhas nos Jogos Olímpicos é defendida pelo ex-campeão olímpico Sebastian Coe, presidente da World Athletics (WA), que implementou a iniciativa no atletismo.
Os campeões olímpicos de pista e campo em Paris 2024 ganharam US$ 50 mil, além da almejada medalha dourada. A WA foi a primeira federação internacional de um esporte olímpico a oferecer tal regalia.
“Desenvolverei programas que permitam que todos os atletas compartilhem as recompensas comerciais que eles ajudam a gerar, capacitando-os como parceiros, não apenas participantes”
Sebastian Coe, candidato à presidência do COI
Samaranch Jr. discorda da iniciativa. O espanhol afirma que os atletas já são premiados pelos Comitês Olímpicos Nacionais e patrocinadores.
O dirigente é filho do ex-presidente do COI de mesmo nome, que implementou a profissionalização dos atletas nos Jogos de Los Angeles 1984. A partir daquela edição das Olimpíadas de Verão, os competidores passaram a ter direito de receber dinheiro de patrocinadores, o que aumentou a profissionalização no esporte, mas também a desigualdade entre os países.
“Esse dinheiro tem que ser usado para achatar a curva e tornar os Jogos Olímpicos mais acessíveis para mais pessoas. Realmente acredito que o modelo que temos é adequado e justo”, disse Samaranch Jr., em uma entrevista recente.
Entre os que se pronunciaram sobre o tema, Watanabe, presidente da Federação Internacional de Ginástica (FIG) e o príncipe al Hussein, da Jordânia, também são contra.
“Como você avalia uma medalha de ouro em uma corrida de 100 metros, seja natação ou atletismo, versus tiro com arco ou badminton? Há desigualdade em termos do que as pessoas valorizam como medalhas olímpicas”
Feisal Al Hussein, candidato à presidência do COI
Patrocínio
Depois de ver quatro parceiros do programa Top encerrarem seus vínculos em 2024, houve preocupação dos candidatos em manter os atuais níveis de receita. Lappartient, presidente da União Ciclística Internacional (UCI), afirmou que esse é “um lembrete claro de que não devemos tomar nada por garantido”.
Coe prega a necessidade de criar fluxos de receita que “atraiam torcedores mais jovens” e quer “novos modelos de parceria mais acessíveis”.
Samaranch Jr. também fala em novos modelos de parceria, sem especificar o que seria isso.
Watanabe não está convencido de que o programa Top, em sua forma atual, ofereça valor suficiente aos patrocinadores. Em entrevista à agência Reuters, o japonês afirmou que o sistema atual “não pode continuar”.
Já a zimbabuana Kirsty Coventry, ex-nadadora olímpica, defende que haja conexão mais permanente entre o Movimento Olímpico e seus patrocinadores, e não a cada dois anos, durante os Jogos de Verão e Inverno.
“Tem que haver uma maneira de reexaminarmos o [programa] Top. Uma das primeiras coisas que gostaria de fazer é reunir todos os patrocinadores do Top e criar um grupo para entender suas expectativas”
Kirsty Coventry, candidata à presidência do COI
Samaranch Jr. quer lançar um fundo de investimento de US$ 1 bilhão com a finalidade de trazer capital privado para o Movimento Olímpico. Em vez de clubes, ligas ou grandes eventos, ele afirmou, em entrevista ao site britânico SportsPro que o COI tem a expertise para identificar “ativos menos visíveis e de alto potencial” em setores relacionados ao esporte, como tecnologia.
O dirigente também espera monetizar o Olympic Broadcasting Services (OBS), oferecendo a contratação do serviço para outros eventos esportivos.
Além disso, ainda quer criar um programa de doadores olímpicos que ajudaria a financiar iniciativas como o Museu Olímpico, em Lausanne (Suíça), e a Fundação Olímpica de Refugiados.
Política
A maioria dos candidatos, incluindo Eliasch, Samaranch Jr., Coventry, Al Hussein e Coe, pregam a importância do COI se manter neutro politicamente.
Apesar disso, quando questionados sobre manter a punição à Rússia por causa da guerra na Ucrânia, a maioria toma uma posição.
Coe afirmou que reintegraria a Rússia ao Movimento Olímpico, desde que a guerra fosse encerrada. Na WA, o dirigente tomou uma posição rígida contra a participação de atletas russos em seus eventos por causa da guerra e das denúncias de doping contra o país.
Al Hussein disse que não há “nada que gostaria mais do que ter o mundo inteiro” nas Olimpíadas. No entanto, o príncipe ressaltou que qualquer nação que violasse a Carta Olímpica enfrentaria sanções. Samaranch Jr. é quem está mais aberto ao retorno da Rússia.
“Se somos universais, não podemos dizer que um [país] está certo [e] outro está errado. No minuto em que nos inclinarmos para um lado ou outro, perderemos a universalidade, e sabe de uma coisa? Será o fim dos Jogos Olímpicos”
Juan Antonio Samaranch Jr., candidato à presidência do COI, em entrevista ao The Washington Post
Para ele, encontrar Donald Trump, presidente dos EUA, país que será sede de Los Angeles 2028, “tem que ser uma prioridade” para o próximo presidente do COI.
Já Lappartient afirmou à Reuters que Trump precisa entender que a autonomia do COI “deve ser respeitada”.
Sede olímpica
Watanabe propõe que a Olimpíada de Verão possa ter cinco sedes simultâneas, em continentes diferentes. Para ele, espalharia a emoção dos Jogos pelo planeta e daria às emissoras de TV a chance de exibir competições 24h por dia, proporcionando exposição mundial de todos os patrocinadores.
Outros candidatos têm propostas menos radicais. Coe sugere que modalidades indoors possam ser transferidas dos Jogos de Verão para os de Inverno, aumentando a capacidade de engajamento desses. O britânico também quer levar o evento para a Arábia Saudita, apesar das várias denúncias de entidades de direitos humanos contra o país.
Samaranch Jr., por sua vez, prega que o COI deveria alterar o calendário olímpico e sediar as Olimpíadas de Verão durante o inverno, algo que a Fifa fez com a Copa do Mundo do Catar 2022. Isso daria a oportunidade de que mais países com temperaturas extremas, como os do Oriente Médio, abrigassem a competição.
“Temos que garantir que disponibilizaremos os Jogos a todas as regiões do mundo”, afirmou, em entrevista à agência Reuters.
“Não serão eles que terão que mudar seu clima, seremos nós que teremos que alterar o que for necessário para sermos verdadeiramente universais”, completou.
Representante de um país dessa região, a proposta é apoiada pelo príncipe Al Hussein.
“A forma atual limita o número de países que podem [abrigar os Jogos]”, disse à Reuters.
Governança
Eliasch, empresário que é dono da marca de material esportivo Head, enfatizou que o COI “não é um negócio”. O sueco naturalizado britânico, porém, acredita que a entidade deva ser gerida de “maneira empresarial”.
Lappartient, presidente da UCI, diz querer aumentar a participação dos membros do COI, mas propõe uma “pequena redução” no número de comissões e membros em cada uma delas.
Coe promete garantir que a tomada de decisões importantes fique com os membros. Já Samaranch Jr. planeja adiar a idade de aposentadoria dos dirigentes para 75 anos.
A ex-nadadora Coventry prega que as comissões do COI terão maior influência e poder, se conseguir se tornar a primeira mulher e africana eleita para a presidência do COI. Atual ministra da Juventude, Esporte, Artes e Lazer do Zimbábue, ela também promete maior transparência na entidade.
Al Hussein defende um COI mais democrático e sugeriu a descentralização de algumas das funções da organização para que elas não fiquem sediadas apenas em Lausanne.
Curiosamente, o príncipe representa um país com índice democrático 3,28, o que configura um regime autoritário, segundo o ranking de 2024 da revista The Economist. A Jordânia está em 115º lugar na classificação que mede a democracia em 167 países do mundo.
Watanabe fez a proposta de estabelecer um sistema bicameral no COI, no qual a Câmara seria formada por presidentes dos Comitês Olímpicos Nacionais e das Federações Internacionais dos esportes olímpicos. Já o Senado seria composto por membros do COI. Com isso, propostas de mudança do Comitê Executivo seriam discutidas na Câmara e decididas no Senado.
O japonês, que preside a FIG, também quer limitar os mandatos de presidente do COI a no máximo 12 anos. Outra proposta é estabelecer quais os principais problemas do Movimento Olímpico e, em seguida, criar uma comissão para examinar soluções.
“Então, estabelecerei uma força-tarefa para lidar com esses problemas, criar um plano de ação e compartilhar publicamente o progresso feito para resolvê-los. Quero lidar com pelo menos metade desses problemas no primeiro ano”, disse o dirigente.
“Nenhuma empresa ou organização é sempre a melhor. O importante é continuar evoluindo, entender a situação atual, planejar o futuro e criar o melhor ambiente”
Morinari Watanabe, candidato à presidência do COI
Sustentabilidade
Todos os candidatos revelaram preocupações ambientais.
“A sustentabilidade está no centro de tudo hoje”, afirmou Eliasch, em entrevista ao site SportsPro.
“Nosso planeta não foi projetado para 8,5 bilhões de pessoas vivendo do jeito que vivemos, e temos apenas um planeta. Precisamos agir e termos responsabilidade, porque é preciso um alcance enorme para tornar essa mensagem clara”
Johan Eliasch, candidato à presidência do COI
O candidato é dono de enormes áreas na Amazônia e chegou a ser multado pelo Ibama em R$ 381 milhões por desmatamento em 2008. Apesar disso, ele se apresenta como tendo liderado diversas entidades de conservação ambiental. Entre suas propostas está a rotatividade da sede dos Jogos de Inverno.
“Nomearíamos as sedes e faríamos a rotatividade dos Jogos entre esses locais. Isso permitiria que federações como a minha [esqui] investissem em eventos realizados anualmente, e reduziria o custo e a complexidade dos Jogos”, destacou.
Samaranch Jr. e Coventry querem que os Jogos aconteçam de forma mais sustentável. Lappartient vai além, sugerindo que o financiamento das sedes dependa do trabalho dessas cidades para atingir metas ambientais.
“Faz sentido para mim que o apoio financeiro fornecido pelo COI às Federações Internacionais e aos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) deva ser parcialmente vinculado ao compromisso dos CONs de tomar medidas sobre questões climáticas”
David Lappartient, candidato à presidência do COI
Gênero
O COI permite que cada federação defina suas regras de elegibilidade de gênero, o que fez com que alguns atletas trans fossem impedidos de competir no feminino devido a preocupações de que a inclusão comprometeria a justiça da disputa.
Boa parte dos candidatos firmou compromisso de proteger o feminino. É o caso de Coe, Coventry e Eliasch, que querem proibir mulheres transgênero de competir em esportes olímpicos femininos. Lappartient, Samaranch Jr. e Watanabe querem basear suas políticas de atletas transgênero em evidências médicas e científicas.
Al Hussein quer manter a decisão sobre o tema nas mãos de cada federação internacional. O dirigente também quer promover a igualdade de gênero.
“O aumento do interesse no esporte feminino foi precedido por décadas de trabalho no Movimento Olímpico para criar um espaço onde atletas femininas pudessem se destacar. Pretendo aproveitar isso e garantir que o COI atue como um farol para um movimento global em direção à igualdade de gênero na próxima década”, afirmou o príncipe em seu programa de governo.
Inteligência artificial
Eliasch quer que o COI invista em inteligência artificial (IA) em áreas como treinamento de atletas, arbitragem, antidoping, prevenção de lesões, transmissão, operações e engajamento de fãs.
“Devemos estar cientes de que a IA tem o potencial de tornar o doping ainda mais difícil de detectar”, ressaltou.
Para os sete candidatos, garantir disputas esportivas niveladas é de suma importância quando se trata de IA.
“O desafio com a IA é que nem todo mundo pode pagar por ela ou tem os recursos para desenvolvê-la. Não deveria ser [usada] apenas para o benefício dos países ricos às custas dos pobres”, disse Al Hussein.
Para Coventry, a IA tem potencial de melhorar a experiência olímpica do público.
“Ao levar os Jogos Olímpicos diretamente para os corações das pessoas em todos os lugares, o COI pode reforçar seu compromisso com a solidariedade, expandir sua pegada global e criar uma conexão mais forte com públicos mais jovens e digitalmente experientes”, enfatizou, em seu material de campanha.
Samaranch Jr. sugere que todos os atletas deveriam ter acesso a filmagens de suas performances olímpicas, que poderiam ser vinculadas aos seus canais de mídia social, permitindo que o COI os utilizasse como embaixadores.
“Em menos de três meses, teremos a tecnologia pronta. Todos os atletas do passado e do presente poderão se conectar ao nosso arquivo e compartilhar suas performances nos Jogos Olímpicos e colocá-las em suas redes sociais”, concluiu.