Com o início de uma nova fase na carreira, alguns meses após encerrar a jornada de 34 anos na Globo, maior emissora de TV do país, Cleber Machado agora encara o desafio de se adaptar ao universo cada vez mais pautado pelas redes sociais.
Ele iniciou sua carreira no rádio no fim da década de 1970, em emissoras como Tupi e Bandeirantes. Hoje, em plena era da convergência digital, o narrador enfim começou sua caminhada como produtor de conteúdo na internet, com seu perfil no Instagram, lançado em março deste ano, por insistência do irmão, e que já ultrapassou a marca de 719 mil seguidores.
Este foi um dos assuntos abordados por ele na entrevista concedida ao Maquinistas, podcast da Máquina do Esporte, nesta terça-feira (31). Na conversa com os apresentadores Erich Beting e Gheorge Rodriguez, Cleber comentou sobre o novo período, esclarecendo, inclusive, se a mudança de ares tornou ou não sua postura mais descontraída nas transmissões ao vivo no SBT e no Amazon Prime Video.
“No caso dessa história de descontração, eu acho que sempre foi mais ou menos assim. Mas a própria dinâmica de uma transmissão, em qualquer emissora, passou a ser um pouco menos sisuda. Por uma razão de que você não tem hoje uma distância tão grande da audiência. Se você estiver fazendo um programa aqui no YouTube, ao vivo, e abrir para participação de quem está vendo ou ouvindo, o cara vai participar imediatamente”, afirmou.
O narrador lembrou que essa interação instantânea, proporcionada pelas novas plataformas digitais, cria desafios para os profissionais envolvidos nas transmissões esportivas.
“Se você estiver fazendo um jogo em qualquer lugar e for pesquisar em rede social, já vai ter reação imediata ao que você disse ou não disse. Se eu falo uma frase hoje, um minuto e meio depois tem alguém brincando, sacaneando, achando que foi ruim, achando que foi boa”, avaliou.
Limites para a descontração
Apesar de adepto do estilo descontraído nas transmissões e também na apresentação de programas televisivos, Cleber Machado disse acreditar que o uso do humor requer alguns cuidados por parte dos comunicadores.
“Não adianta a gente ficar brincando aqui para eles, que estão vendo, com brincadeira interna que não tem efeito nenhum. Você exclui o cara. Agora, se o cara entender a brincadeira, aí fica legal”, afirmou.
O narrador também disse que prefere descontração quando a situação engraçada ocorre naturalmente.
“A mim, como profissional já mais rodado, incomoda um pouco o humor gratuito, a brincadeira forçada. Costumo dizer que nem o Chico Anysio [humorista falecido em 2012] conseguia ser engraçado o tempo todo”, argumentou.
Segunda tela
Cleber Machado comentou, durante a entrevista, sobre as mudanças ocorridas na forma como a audiência consome as transmissões esportivas, em um cenário marcado pela popularização de novas plataformas.
“Hoje, você tem jogo com imagem e áudio no YouTube, tem partida no YouTube só com o narrador aparecendo, tem um jogo na TV fechada, tem partida na TV aberta, tem um jogo no streaming”, lembrou o narrador, que também comentou sobre o impacto das redes junto à audiência.
“Essa da segunda tela, o Emanuel Castro, que foi diretor do Sportv, companheiro antigo, já há muito tempo falava, ainda no começo dos anos 2000: ‘Muita gente assiste ao jogo com uma segunda tela, seja qual for ela’. Acho que isso é um movimento sem volta, obviamente. Porque hoje você às vezes está só com uma tela, você assiste ao jogo no telefone. Tem gente que não gosta, mas se você estiver no aeroporto, então você tem essa opção”
Cleber Machado, narrador esportivo
O narrador contou que iniciou sua conta no Instagram em março deste ano.
“Quando eu saí da TV, veio meu irmão, que trabalha em uma agência: ‘Pô, tem que abrir, tem que abrir’. Aí, eu abri. As reações dos seguidores têm muito mais coisas legais do que não”, disse Cleber, que considera o perfil do público do Instagram mais “maneiro”.
Ele revelou que interage pessoalmente com os seguidores em sua conta.
“Algumas pessoas dizem: ‘Pô, é você mesmo que está respondendo?’. Sim, claro”, afirmou.
Por ora, a interação tem se dado de maneira respeitosa, apesar de alguns atritos que volta e meia surgem.
“Já aconteceu de caras entrarem no meu perfil dizendo que eu torci contra o time deles”, recordou-se o narrador, que já se envolveu em polêmica por conta de uma publicidade postada no seu perfil.
“Fiz uma publicidade outro dia, e os caras entraram dando no meio do meu pescoço, contestando o conteúdo”, disse.
Atualmente, Cleber Machado afirmou estar com atenção redobrada em relação a esse tipo de postagem.
“Hoje eu fico muito mais assim, quero saber qual é o conteúdo. Eu posso dizer que tomo café. Mas acho que não devo dizer que o café faz com que o fulano de tal fique mais feliz ou mais triste”, destacou.
Embora admita que a presença nas redes seja uma necessidade, Cleber Machado afirmou que o modo como acompanha o Instagram é tranquilo.
“Às vezes, eu ponho mais coisas, às vezes não. Acho que hoje é meio impossível você ficar de fora. Mas estou levando na boa”, declarou.
Ligas
Questionado sobre a gestão do futebol brasileiro, o narrador disse não enxergar profissionalização nas equipes, embora tenha destacado alguns avanços.
“No caso da administração, alguns clubes deram passos interessantes, como Flamengo, Fortaleza, que é um exemplo lindo, e o próprio Palmeiras, com todas as questões polêmicas de se a presidente pode ser a patrocinadora”, ponderou.
No caso da equipe paulista, ele elogiou o acordo firmado com a empreiteira WTorre, na gestão do ex-presidente Luiz Gonzaga Belluzzo, que resultou na construção do Allianz Parque.
“O primeiro cara que me falou isso foi o Bebeto de Freitas, então presidente do Botafogo, que estava tentando a concessão do Engenhão (atual Estádio Nilton Santos). Perguntei: ‘Mas por que, Bebeto?’. E ele respondeu: ‘Vocês não imaginam o que significa para o orçamento de um clube poder administrar um estádio. É estacionamento, lanchonete, camarote, show, sócio-torcedor'”, recordou-se.
O narrador também disse considerar que é impossível pensar em futebol sem levar em conta questões como recursos, investimentos e captação de dinheiro no mercado.
“Mas não adianta eu ganhar R$ 100 milhões e, com esse dinheiro, comprar um jogador que não joga nada”, afirmou.
Ele também defendeu uma postura mais colaborativa dos clubes, que, na sua visão, deveriam deixar de tratar adversários como inimigos.
“O inimigo é uma coisa, o rival é outra e pode ajudar você a ganhar grana”, disse.
Ele também demonstrou dúvidas em relação ao projeto de criação de uma liga para gerir o Campeonato Brasileiro, em meio à disputa entre Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e Liga Forte Futebol (LFF) pela hegemonia no país.
“Esse negócio de duas ligas, fico meio na dúvida, se vai ter negociação individual, coletiva. Não sei se duas ligas farão bem ou mal ao futebol”, afirmou.
O narrador, por fim, revelou que seguirá no SBT, onde apresentará o programa Arena SBT e fará as transmissões de jogos da Champions League, às terças-feiras, e da Copa Sul-Americana, que retornará no ano que vem.
Ele também demonstrou otimismo em relação à extensão do contrato com o Amazon Prime Video, firmado neste ano para as partidas da Copa do Brasil.
“Acho que a gente vai renovar para o ano que vem. O SBT não colocou nenhum empecilho. Vai ter só aquele bom e velho ajuste de datas e escalas, mas acho que não tromba. A Copa do Brasil quase nunca tromba com a Copa Sul-Americana”, revelou.
Assista na íntegra à entrevista de Cleber Machado ao Maquinistas, publicada no YouTube da Máquina do Esporte: