A história do L’Étape Brasil pode ser dividida em antes e depois da chegada de Bruno Prada ao cargo de CEO. Hoje, as provas da série brasileira do Tour de France representam a maior competição de ciclismo da América Latina. No último domingo (24), foi realizada a etapa de Campos do Jordão (SP), que ostenta números superlativos.
Neste ano, foram 3,5 mil inscritos, vindos de 12 países e mais de 300 cidades brasileiras. Para se ter uma ideia de como o L’Étape Brasil está consolidado no mercado, a intenção de Prada, para 2024, é limitar o número de participantes da prova de Campos do Jordão em 4 mil. A série conta ainda com provas em Cunha (SP) e no Rio de Janeiro (RJ).
Mas nem sempre foi assim. No momento da chegada de Prada ao L’Étape Brasil, o evento vivia momentos complicados em sua operação. Esta e outras histórias de sua carreira como gestor e atleta olímpico foram contadas no Maquinistas desta semana, que foi ao ar nesta terça-feira (26).
Trajetória
Nascido em São Paulo (SP), Bruno Prada começou a velejar muito cedo e logo demonstrou talento para a modalidade. Sua trajetória de esportista, porém, precisou ser conciliada com os estudos e a construção da vida profissional. Na juventude, quando iniciou a faculdade, por exemplo, ele era considerado uma das principais promessas da vela na América do Sul.
Decidido a focar nos treinos, resolveu se matricular para o período noturno, de modo a deixar as manhãs e tardes livres para sua preparação.
“Então meu pai chegou para mim e disse: ‘Você vai trabalhar'”, recordou-se.
Formado em Administração, Prada conseguiu arrumar tempo para seguir competindo, enquanto procurava progredir profissionalmente. Na medida em que a carreira de executivo consolidou-se, passou a conseguir mais espaço na agenda para se dedicar ao sonho de juventude.
A trajetória, no entanto, foi repleta de percalços.
“Minha maior conquista foi ter perdido quatro eliminatórias para os Jogos Olímpicos e mesmo assim não desistir. Chegou uma hora em que eu era a única pessoa que acreditava em mim”, disse.
Sua grande chance viria nos Jogos de Pequim, em 2008, quando iniciou a parceria com Robert Scheidt, que já possuía dois ouros olímpicos (em Atlanta 1996 e Atenas 2004), além de uma prata (Sydney 2000).
O treinamento para os Jogos de Pequim foi tão intenso que ele chegou a equiparar a “sessões de tortura”. Quando as competições enfim chegaram, foi preciso um pouco mais de superação. No evento-teste, realizado antes da disputa oficial e que reuniu os competidores que disputariam a Classe Star, Prada foi acometido por uma bactéria, que quase o derrubou.
“Cheguei à China muito doente. Quase não conseguia andar. Ainda assim, ganhamos o evento-teste contra todos os competidores”, contou.
Tempos depois, quando os jogos começaram, houve uma inversão de papéis.
“Robert Scheidt estava com um problema nas costas. Começamos a competição muito mal. Estávamos em oitavo lugar, sem chances de medalha. Foi então que cheguei para ele e disse: ‘Ainda dá. Faltam três provas e vamos conseguir'”, revelou.
A prata conquistada pela dupla teve sabor de ouro e veio acompanhada de uma grande sensação de alívio.
“Você está 100% preparado para competir. Aí, justo na minha vez, o ‘alemão’ [Scheidt] vai pifar? É claro que, por eu ser menos conhecido na época, o erro iria estourar nas minhas costas. As pessoas iriam dizer: ‘O cara perde quatro eliminatórias e ainda vai estragar a Olimpíada do outro’. Estávamos com lama até o pescoço, mas conseguimos sair do lamaçal”, afirmou Prada.
Essa parceria renderia diversas outras conquistas a Prada, incluindo a medalha de bronze nos Jogos de Londres 2012, além de três títulos mundiais. Depois, a carreira pós-Scheidt foi igualmente vitoriosa. Ao lado do norte-americano Augie Diaz e, mais tarde, do polonês Mateusz Kusznierewicz, ele conquistou nove títulos, sendo dois mundiais, um com cada parceiro.
Chegada ao L’Étape Brasil
O L’Étape Brasil foi trazido ao país pelo Grupo Manga, que também havia agenciado patrocínios para Bruno Prada nos tempos de velejador. Foi a partir dessa proximidade que ele acabou entrando para a organização do evento de ciclismo, tornando-se peça fundamental para sua consolidação e crescimento no mercado.
Prada tem uma avaliação de que os eventos esportivos, de um modo geral, costumam morrer depois de três anos. O próprio L’Étape passava por esse momento de dificuldade, que poderia ter abreviado a história da série do Tour de France no Brasil.
“Quando entrei, havia toda uma construção equivocada de planilhas de custo. Tivemos de rever os conceitos. Cortar custos é fácil. Complicado é você cortar custos e continuar entregando o mesmo produto ao público”, disse.
A relação do evento com as marcas foi uma das questão mais problemáticas com que ele se deparou.
“Quando entrei, havia patrocinadores que só possuíam permuta. O cara dava dez caixas de banana e dez fardos de água e, no fim das contas, levava cinquenta inscrições mais o hotel para a empresa vir e fazer a operação. Falei: ‘Pelo amor de Deus, isso não é patrocínio’. Nós é que estamos patrocinando o cara e ainda ajudando a divulgar sua marca”, relatou.
Seu primeiro cuidado, portanto, foi estruturar as políticas comerciais e de patrocínio, dando fim às permutas.
“Para pescar no meu laguinho, vai ter de passar no caixa”, brincou.
Permutas só foram mantidas para alguns segmentos bem específicos, caso de hotéis, por exemplo.
“Se ele me der 250 diárias, serão R$ 100 mil a menos na minha planilha de custos”, ponderou.
Hoje, o L’Étape Brasil conta com 19 patrocinadores, todos pagantes (fato que Prada faz questão de frisar), incluindo o Banco Santander, que detém os naming rights das provas da série brasileira.
“Hoje, estamos superconsolidados. Chegou um momento de não podermos mais aceitar patrocinadores, pois ficaria difícil dar atenção, oferecer contrapartidas e realizar ativações”, avaliou.
Receitas
Atualmente, o L’Étape Brasil conta com cinco fontes principais de receitas: inscrições, patrocínios, venda de espaços no Village (área comercial do evento, onde cerca de 100 marcas podem expor produtos e serviços), loja oficial e comercialização de fotos, por meio de uma parceria com a Fotop. Em Campos do Jordão, cada pacote de imagens custou, em média, R$ 250. Mais de 1,5 mil foram vendidos.
Sobre a loja oficial, Prada revelou um fato curioso. Além dos produtos do L’Étape Brasil, o espaço também comercializa itens do Tour de France. De um modo geral, porém, os materiais da série brasileira costumam fazer mais sucesso junto ao público presente aos eventos.
“As pessoas querem comprar a experiência”, afirmou.
Prada ainda ressaltou que os 19 patrocinadores já avisaram que pretendem continuar no L’Étape Brasil, sinal de que estão satisfeitos com o retorno oferecido pelo investimento. Ele também afirmou que cuida pessoalmente da área comercial.
“Acho muito importante estar presente, especialmente no primeiro contato”, destacou.
Desafios
Consolidado, mas de olho no futuro. Hoje, o L’Étape Brasil conta com um perfil de público bem definido. Em torno de 80% dos participantes têm entre 35 e 54 anos de idade.
“Basicamente, é empresário, casado e de bom poder aquisitivo”, explicou Prada.
É neste dado que reside o grande desafio do evento, que é o de atrair participantes mais jovens. Na entrevista, o CEO revelou que estuda a possibilidade de lançar provas para competidores entre 16 e 18 anos de idade. E reconheceu que rejuvenescer o público não será uma tarefa simples.
“A nova geração não é ‘outdoor’, mas sim ‘indoor'”, avaliou.
Ainda assim, demonstrou confiança no futuro do evento e da modalidade esportiva. O crescimento da participação feminina foi um dos pontos destacados por Prada.
“Neste ano, tivemos 650 mulheres em Campos do Jordão. Há dez anos, quando o L’Étape Brasil começou, não havia a possibilidade de haver essa quantidade de mulheres pedalando no país, ainda mais juntas, em uma única prova”, disse o executivo.
As assessorias esportivas e os grupos de WhatsApp representam, segundo ele, elementos importantes para a consolidação e o crescimento do L’Étape Brasil.
“Esse trabalho funciona bem porque é nichado”, afirmou.
A confiança na equipe foi outro ponto apontado por Prada como essencial para o sucesso da série brasileira do Tour de France.
“Não digo que é por sorte. Quando o time é bom, tudo fica mais fácil. E por que está ficando fácil? Invisto em pessoas. Todos que entram no time têm fase de adaptação. Mesmo que a pessoa erre, mantemos no time, pois queremos investir nela. Hoje, tenho um time muito bom. Todo esse pessoal está aqui há quatro ou cinco anos e sabe o que fazer”, celebrou.
Assista à entrevista completa de Bruno Prada ao Maquinistas, comandado por Erich Beting e Gheorge Rodriguez, no YouTube da Máquina do Esporte: