Durante cinco anos, até 2018, Walter Júnior teve a oportunidade de estar à frente da FCBEscola, representante oficial do Barcelona no Brasil. Quando essa experiência profissional já não ia tão bem e se encaminhava para o fim, ele ouviu uma frase que o marcaria.
“Recebi a visita de um coordenador técnico uruguaio chamado Camilo. Ele me perguntou qual era meu sonho. Respondi que gostaria de mudar a estrutura da base do futebol no Brasil. Mas, logo na sequência, comecei a me justificar e falei que as coisas eram difíceis, e assim por diante. Então ele disse: ‘Alto lá. Vá em frente, que você é capaz'”.
O episódio foi relatado por Walter Júnior durante a entrevista concedida por ele ao podcast Maquinistas, da Máquina do Esporte, que contou também com a participação de Hamilton Santos, diretor-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje).
Atualmente, a entidade é parceira do Referência FC, clube que atua com foco na base. O objetivo do projeto é justamente tentar tornar realidade, mesmo que em parte, o sonho de Walter Júnior.
“Hoje, no Referência, estamos dando nossa contribuição para que a coisa seja séria e com boa reputação. As pessoas olham para dentro e fora de campo e reconhecem que o trabalho tem seriedade”, afirmou o dirigente.
ESG
Durante a entrevista, Hamilton Santos relembrou que, nas décadas de 1970 e 1980, a Aberje manteve parcerias com diversos clubes profissionais, como Flamengo, Santos e São Paulo. Nos anos seguintes, porém, os times optaram por trilhar outros caminhos.
Nos últimos tempos, a entidade resolveu se aproximar novamente da área esportiva, em meio às preocupações da “Era ESG” (sigla que vem do inglês “environmental, social and governance” e correspondente a “ambiental, social e governança”, em tradução livre).
“Esporte, cultura e artes são importantes plataformas para a comunicação empresarial. Cada vez mais, os grandes patrocinadores buscam razões para discutir sua participação na área esportiva. Aquela ideia de apenas estampar sua marca numa camisa e circular para a audiência já é mais o ‘core’. O patrocinador quer participar, quer discutir, quer ajudar a produzir o conteúdo, quer participar daquela experiência”, explicou.
Na visão de Santos, a área de formação de atletas abre possibilidade para que as marcas possam responder aos desafios trazidos pelo ESG.
“Não há nada de errado em uma empresa patrocinar grandes clubes ou atletas famosos. Mas será que, quando o mundo empresarial está preocupado com a educação, o esporte da base, no vôlei, no futebol ou no tênis, não representa uma oportunidade fantástica para associar sua marca a projetos que têm ligação direta com grandes carências da sociedade brasileira?”, questionou Santos.
De acordo com Walter Júnior, um dos pilares do Referência é a educação.
“O atleta que não conseguir performar em alto rendimento a ponto de se tornar profissional, poderá ter um caminho a partir da educação”, explicou o dirigente.
Desafio da reputação
A aproximação de Hamilton Santos com o futebol de base antecedeu a parceria com o clube. Tudo começou porque o filho dele fazia aulas de futebol em outra escolinha. À época, o executivo recebeu boas “referências” da equipe de Walter Júnior.
“Junto de outros pais de alunos, eu participava das reuniões de um programa chamado ‘O Segredo dos Jogadores’. E um dos debates recorrentes dizia respeito à reputação do futebol da base, que era visto, por muitos, como um ambiente corrupto e de cartas marcadas. Trabalhando próximo a esse meio, pude ver que há muita gente séria na indústria do futebol, em todos os setores. Ora, se existem tantos aspectos positivos, por que, nos fim das contas, os negativos ainda se sobressaem? O problema estava na comunicação”, relatou o executivo.
Ao tomar contato com o Referência FC pela primeira vez, Hamilton Santos percebeu que a boa reputação era um dos fortes da equipe.
“Foi então que conversei na Aberje e propus que usássemos o clube como um laboratório”, disse.
De início intuitivo a SAF
A experiência à frente da FCBEscola permitiu a Walter Júnior desenvolver uma reputação sólida no meio.
“Antes, eu havia passado dez anos em Barcelona. Bebi na fonte do que era o futebol catalão. Lá eu aprendi a jogar e a transmitir conceitos fundamentais”, disse.
Ele reconhece, porém, que a criação do Referência, em 2018, veio por necessidade, e não seguiu um projeto tão meticuloso.
“Se eu pensasse e me programasse demais, talvez não estivesse aqui”, afirmou.
Ainda assim, no primeiro dia de aula, cerca de 120 alunos estavam reunidos para os trabalhos. Cada categoria contava com um técnico e um auxiliar. E a maioria dos profissionais acompanha Walter até hoje.
“Disse a eles que gostaria de montar algo que fosse o mais competitivo possível. E todo mundo abraçou”, contou.
No início, diversos aspectos (como uniforme, escudo e cores) foram decididos com base na intuição.
“Depois, fui estudar e percebi que muita coisa tinha fundamento, como a escolha da águia como mascote, animal que tem essa coisa de voar alto e passar por cima dos obstáculos”, disse.
No caso da denominação do clube, porém, foi necessária uma mudança mais radical.
“O primeiro nome era União Esportiva Referência Brasil. Percebi, porém, que alguns chamavam de Uerb, outros de União. Por isso, um ano depois, alterei para Referência FC”, lembrou.
De acordo com o dirigente, o aprimoramento da gestão e da governança é um dos fatores positivos da relação com a Aberje.
“A parceria abriu novos contatos e acesso a cursos que têm sido importantes para nós”, elogiou.
Recentemente, o Referência FC tornou-se Sociedade Anônima do Futebol (SAF), mas com propósitos distintos dos que movem a maioria dos clubes que já aderiram ao modelo. A intenção principal, no caso, é arrecadar recursos destinados por pessoas físicas e jurídicas, de parte do Imposto de Renda devido, com base na Lei Geral do Esporte.
“Enquanto os outros times criaram SAFs para cobrir dívidas, o Referência nasce como empresa, que também é clube de base”, explicou.
Segundo o dirigente, o clube, que está filiado à Federação Paulista de Futebol (FPF), não tem intenção de se tornar time profissional.
“Nosso nicho está na base”, enfatizou.
Por outro lado, o Referência deverá contar também com equipes femininas a partir de 2025.
“Uma das nossas metas de curto prazo é obter o selo de clube formador. E um dos requisitos é atuar no futebol feminino”, afirmou.
Hamilton Santos lembrou, por sua vez, que esse investimento pode abrir novas perspectivas para o clube.
“Hoje, os patrocinadores estão cada vez mais interessados em se associar ao futebol feminino”, destacou.
Além do Referência FC, a Aberje tem parcerias com a Fundação Gol de Letra, projeto social criado pelo ex-jogador Raí, e a Rede Tênis Brasil, que busca massificar a modalidade no país.
Confira abaixo a entrevista completa, transmitida pelo canal da Máquina do Esporte no YouTube. O episódio também será disponibilizado em formato de áudio no Spotify.