Análise: Brasil corre o risco de virar colônia no mundo da bola

Há uns três anos, me surpreendi pelo ar deprimido de dois alunos ao entrar na sala para dar aula na Faap. Ambos eram torcedores do Milan. Naquela tarde, o clube havia sido eliminado, de maneira vexatória, da Liga dos Campeões.

Lembro de achar o episódio curioso e, até certo ponto, surreal. Não era.

Desde então, multiplicaram-se, por aqui, ações dos grandes europeus. São clínicas, palestras, sessões de autógrafo e fotos com ídolos do passado e uso dos craques do presente para arregimentar fãs.

Há torcidas organizadas desses clubes, que se reúnem para acompanhar os principais jogos. As camisas de Barcelona, Real Madrid e PSG são cobiçadas. As crianças sabem que poderão usá-las na rua em segurança. Risco que se multiplica se a vestimenta for de Corinthians, Flamengo, Palmeiras ou Vasco.  

Alguns meses atrás, entrevistei o diretor de marketing de um grande clube brasileiro. No meio do bate-papo, questionei as ações feitas para conter o crescimento de torcedores de times europeus no Brasil. A resposta foi quase irônica.

“Nossa torcida se renova naturalmente. Porque essa paixão é transmitida de pai para filho”, sentenciou.

Distante da miopia desse dirigente, há ações interessantes para conter as deserções infantis. Ontem, escrevi texto sobre iniciativa da startup Dentro da História e da editora Belas Letras de lançar livros infantis customizados aos pequenos torcedores. É uma forma de atrair a paixão das crianças pelas cores tradicionais do futebol brasileiro. Mas a iniciativa não partiu dos clubes, os maiores interessados em manter sua fatia no mercado.

Se nada for feito, o Brasil, com larga tradição no mundo da bola, irá se equiparar à Jamaica em uma ou duas gerações. Na terra de Usain Bolt, a torcida é pelos times da Premier League. Seria algo surpreendente: o país que um dia desbravou o mundo com o futebol-arte sendo colonizado pelos grandes europeus.

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