Análise: Flamengo é cúmplice, não vítima

A comoção de clubes de todo o país em torno do acidente que vitimou dez crianças das categorias de base do Flamengo na última sexta-feira (8) representa um dos raros momentos de humanização do esporte no país. E, paralelamente, também revela o nosso profundo descaso com a vida humana. 

Os clubes só se unem nos momentos de tristeza. No dia a dia, dirigentes duelam pela atenção da mídia, incitam o ódio e a inimizade entre torcidas, ferem qualquer código de ética em busca do melhor negócio para si, sem se preocupar com o outro. 

O acidente que ocorreu com os meninos do Flamengo pode ser descrito de várias maneiras, mas nunca poderá ser considerado uma tragédia. Afinal, tragédia presume um acontecimento inesperado que não tinha como ser evitado pelo ser humano. Um terremoto, um tsunami e um furacão são tragédias. As vítimas de uma enchente, não.

Ao analisarmos as circunstâncias que envolvem o que houve no Ninho do Urubu, é impossível dizer que o acidente não poderia ser amenizado caso fossem outros os procedimentos do clube, dos órgãos de vigilância, da cobrança dos próprios atletas e de seus familiares para quem os emprega.

O futebol se acostumou a olhar para o dinheiro sem se importar com mais nada.

Os clubes querem faturar ao máximo, os torcedores querem ver seu time ganhar de tudo e de todos, a mídia incentiva a todo instante a máxima dos fins justificarem os meios. E, assim, entramos num ciclo de completa valorização material do futebol em detrimento de sua qualidade moral.

O esporte pode nos ensinar a viver em sociedade, mas os exemplos que vimos de forma recorrente mostram que ele se tornou reflexo de uma sociedade desumanizada. 

O Flamengo não é vítima, mas cúmplice do que aconteceu. Afinal, o clube precisa se preocupar com as condições do alojamento de garotos de 15 anos que são tirados do convívio da família. Em vez de o futebol questionar isso, presta honras e solidariedade. E, logicamente, o faz porque não tem para onde correr. O Flamengo é, hoje, o clube mais organizado do Brasil. Se um acidente desses pode acontecer numa instalação do clube que melhor trabalha no país, imagine o que será que ocorre nos outros times?

Em 2004, o zagueiro Serginho precisou morrer dentro de campo para que os clubes começassem a se preocupar com a saúde dos seus funcionários. Quinze anos depois, assistimos a um acidente tão ou mais irresponsável do que esse. Naquela ocasião, o São Caetano foi corretamente responsabilizado pelo que houve. E agora?

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