Análise: O risco da #lacração fora do ambiente virtual

Começou com um #prontofalei.

Há cerca de sete anos, essa era a expressão um pouco mais ousada das pessoas em redes sociais. Queria dizer, mais ou menos, que a pessoa estava ali dando a sua opinião “#semfiltro”, com a coragem de expressar o que realmente pensava sobre um assunto.

Até então, o Twitter era considerado um “microblog”, e o Facebook dava os primeiros sinais de que seria uma fonte de informação das pessoas mais eficiente que a seção dos “favoritos” da internet. Era o início da revolução provocada pelos smartphones.

O que esse movimento provocou no mundo real é um aumento à intolerância àquilo que lhe é diferente. Se, nas redes sociais, eu procuro só o que eu gosto, porque eu haveria de aceitar algo que é diferente no mundo real?

O que as redes sociais oferecem de mais legal é também o que elas têm de mais arriscado. Elas começam a agrupar pessoas com pensamentos semelhantes. Só que elas começam a agir de forma a excluir quem não pensa igual.

Com o consumo da informação filtrado por algorítimos, o que acontece é que a pessoa começa a pensar que só existe aquilo que ela realmente pensa. E que o mundo é monocromático.

Daí deriva a #lacração, que é uma forma mais radical do #prontofalei. Não é só dar a opinião, mas impô-la como verdade inquestionável.

É isso o que fez o jornal “Extra” ao expor ao ridículo o goleiro Muralha, do Flamengo. Foi assim que o clube reagiu ao impedir o jornalista do jornal de fazer perguntas em entrevista.

Um quis “lacrar” o outro. Como se fosse o mundo virtual. O resultado foi desastroso para os dois. Agora, sofrem Espanha e Barcelona pela necessidade de se impor uma só forma de pensar.

Como o esporte trabalha sempre com o componente da emoção, a tendência é que, em momentos decisivos, a pressão se transforme num momento de extrema necessidade de não ter opinião divergente. E, aí, o maior problema é radicalizar a atitude.

Há cerca de 30 anos, foi isso que transformou radicalmente o ambiente dos torcedores num estádio de futebol. As torcidas organizadas passaram a ser focos de intolerância ao diferente. O estádio, que antes era um local de reunião das pessoas para torcer, passou a ser um ambiente em que um lado precisava ser separado do outro. 

Quanto mais o esporte se desenvolveu como negócio, mais pressionado todos ficaram por trazer resultados. Torcer ficou mais caro, trabalhar ficou mais difícil, e o que começamos a ver foi um movimento de separação. Em vez de unir, o esporte passou a segregar.

Agora, com a polarização de pensamento provocada pela intolerância ao diferente nas redes sociais, começamos a levar para as coisas mais banais da vida o mesmo sentimento intolerante. 

É hora de substituir o pensamento de #lacrei ou #prontofalei pelo de #paz e #tolerância.

É a resposta que o mundo real pode dar para o virtual. E o esporte, nisso, pode ser um fio condutor para mostrar a necessidade de mudar de atitude. Resta saber se estamos preparados para aceitar isso.

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