Crises opõem atletas brasileiros e americanos

“Brasileiro não tem consciência política”, diz presidente de sindicato

“Nossos jogadores amam jogar, nossos torcedores amam assistir, e não haverá um dia em que não teremos essas duas coisas em mente”. Com essa frase, DeMaurice Smith, diretor-executivo da Associação dos Jogadores da NFL (NFLPA, na sigla em inglês), tentou acalmar fãs do futebol americano nos Estados Unidos.

Em entrevista à mídia norte-americana, Smith tinha a missão de dizer à legião de torcedores que, embora nenhum acordo tivesse sido fechado entre atletas e dirigentes de clubes, o principal torneio daquela modalidade não iria parar. Cinco dias depois, após mais negociações fracassadas, o próprio executivo abandonou o cargo.

O cenário do futebol americano nos Estados Unidos coincide com o do futebol no Brasil. Em linhas gerais, ambos encaram momento de valorização. Ao fim da temporada 2007/2008, os 32 clubes filiados à NFL registraram receita bruta de US$ 7,1 bilhões. Para 2011, a expectativa é que esse número supere US$ 9 bilhões.

Ao perceber que os valores estão crescendo, e por se considerarem parte essencial no esporte dos Estados Unidos, atletas reivindicam maior fatia do faturamento. Caso contrário, recusam-se a entrar em campo e defender as cores de Green Bay Packers, Pittsburgh Steelers, ou qualquer outra equipe da liga de futebol americano.

Os clubes, por sua vez, não estão dispostos a ceder maior parte dos lucros aos jogadores. Desde 1999, 20 dos 32 times fizeram algum tipo de reforma ou ampliação em suas respectivas arenas. Argumentam, portanto, que necessitam da receita para bancar as despesas de estádios como o The Meadowlands, com 80 mil lugares.

A disputa travada em solo norte-americano, bem como no Brasil, envolve meios de comunicação. Para conseguir a aceitação da opinião pública, a NFLPA planejava em fevereiro deste ano veicular anúncio com jogadores dizendo mensagens como “deixe-nos jogar”. A CBS, parceira da liga, rejeitou transmitir o comercial de 30 segundos.

A muitos quilômetros de dist”ncia, outro enfrentamento, desta vez no futebol, envolve Rede Globo, responsável por transmitir o Campeonato Brasileiro, Clube dos 13, a quem foi delegado o papel de representar 20 clubes, e uma série de tradicionais equipes que já não aceitam mais a entidade. Ausentam-se, contudo, os jogadores.

Para que se dimensione a valorização do futebol brasileiro no que diz respeito aos direitos de transmissão, em 1987 o Clube dos 13 acertou a primeira venda, à própria Globo, por US$ 3,4 milhões. Duas décadas depois, em 2008, a entidade acertou negócio de R$ 1,4 bilhão anual pelo triênio entre 2009 e 2011, e a tendência é crescer.

Como a Lei Pelé instituiu no início de 1998 que 20% dos ganhos relativos aos direitos de arena deveriam ser repassados aos atletas, esperava-se que a remuneração da classe acompanhasse o crescimento. Desde 1999, quando sindicatos passaram a cobrar pela fatia no faturamento, porém, os jogadores têm acumulado insucessos.

A princípio, embora tivessem sido obrigados a manter 20% do dinheiro obtido “sub júdice”, isto é, pendente de decisão judicial, os times se esforçaram para encontrar brechas na lei. Uma delas, por exemplo, era classificar as receitas em seis “subitens”, de maneira que o valor pago correspondesse a apenas um deles.

“Como os clubes não pagavam os 20%, entramos com ação e fechamos acordo, depois de muita discussão, no qual se efetivou que os jogadores receberiam 5% dos direitos de arena”, conta Rinaldo José Martorelli, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), à Máquina do Esporte.

Desde 2001, então, ficou acertado entre clubes e sindicatos regionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul que atletas abririam mão de 15% dos direitos, algo previsto pela legislação, para que pudessem receber os outros 5%. Ampliado para o resto do país posteriormente, esse acordo foi comemorado.

“Nós discutimos e pleiteávamos a manutenção dos 20%, mas o próprio presidente Lula e o Orlando Silva, ministro do esporte, tinham a ideia de que clubes precisavam se fortalecer financeiramente a qualquer custo”, aponta Martorelli. “Conseguimos segurar os 5% por oito anos, porque até isso eles queriam tirar dos jogadores”.

Alteração na Lei Pelé realizada março de 2011, por fim, sacramentou que atletas têm direito só aos 5% com os quais já estavam habituados. “No momento em que clubes se movimentam para ampliar receitas, o artista que gera o espetáculo teve redução dos ganhos”, critica Heraldo Panhoca, advogado especializado em direito desportivo.

A dificuldade em se impor perante dirigentes, na verdade, não se restringe à realidade brasileira. A NFLPA, criada em 1956 para agir como sindicato de jogadores nos Estados Unidos, só conseguiu negociar contratos coletivamente a partir de 1968. Anos depois, em 1987, a modalidade enfrentou crise, e a entidade perdeu força política.

À época, o órgão deixou de ser certificado como sindicato e passou a ser somente braço comercial da NFL, ao qual era delegada a responsabilidade de representar interesses de jogadores. Os direitos voltaram a ser negociados em grupo apenas em 1993, com a assinatura do Collective Bargaining Agreement (CBA).

A despeito de a NFLPA ter perdido a representatividade da classe em março de 2011, após não ter conseguido gerir a crise entre atletas e clubes, por quase duas décadas a entidade conseguiu não apenas manter a remuneração dos jogadores, como aumentá-la aos patamares condizentes com as novas receitas da liga como um todo.

“Os jogadores brasileiros poderiam se unir, mas é extremamente difícil que isso aconteça porque a omissão da classe é patente”, prossegue Panhoca, um dos autores da Lei Pelé original, que estipulou a regra de 20% dos direitos de arena repassados aos atletas. “E não é de hoje, porque ela não se manifesta há muitos anos”.

A comparação entre os casos do futebol americano e do futebol, embora repletos de semelhanças, desde acelerado crescimento financeiro até problemas tidos por sindicatos de classe para enfrentar dirigentes, revela diferença singular, mas capaz de alterar todo o contexto. A cultura norte-americana está muito distante da brasileira.

“Nós, brasileiros, só começamos a nos mexer quando sofremos prejuízo financeiro”, avalia Martorelli. “Se os nossos atletas sentissem que há prejuízo, conseguiriam se unir, tanto para não perder direitos quanto para conquistar novos, mas brasileiro não tem consciência política nem para reunião do condomínio, então não os culpo”.

Apesar de o assunto não ser descartado pelo presidente da associação, sabe-se que qualquer movimento para ampliar os ganhos ficou mais difícil. Há, ainda, na visão do mandatário, falta de apoio da opinião pública, que, por crer que jogadores de futebol ganham milhões, não vê sentido em ampliar a remuneração individual.

Com a alteração na lei, medidas drásticas, como a tomada pelos atletas nos Estados Unidos, também se tornaram improváveis. “Poderiam ter feito no ano passado. Hoje, só dá para brigar para mudar a lei”, explica Cristiano Caús, advogado especializado em direito desportivo. A “americanização” do futebol brasileiro ficará para depois.

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