Escândalo de “terceirização” da seleção brasileira coloca CBF na mira da imprensa mundial

A revelação do contrato que mostra como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) terceirizou a seleção brasileira em acordos comerciais com ingerência na escalação da equipe começa a ganhar repercussão mundial. A explosão do escândalo aconteceu no último sábado, em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, e reverberou em grande escala nas redes sociais e em veículos como NBC Sports, Daily Mail, The Mirror, além de outros meios da América Latina.

Além da “venda” da seleção à ISE Sports, a imprensa internacional destaca a relação obscura da entidade brasileira com a empresa do grupo Dallah Al Baraka, um dos maiores conglomerados do Oriente Médio, mas que funciona apenas como empresa de fachada nas Ilhas Cayman. Aí entram dois outros nomes: a Kentaro, sublicenciada até 2012, e Pitch Internacional, que assumiu a função nos últimos três anos com uma postura mais intrasigente no cumprimento do acordo.

Segundo o documento apresentado pelo jornal paulista, a ISE exige que a seleção seja convocada de acordo com o valor de marketing dos atletas. Eventuais substituições só podem acontecer mediante a apresentação de certificado médico que comprove a ausência de condições do jogador de atuar. O suplente deve apresentar “nível similar, com relação a valor de marketing, habilidade e reputação”. Caso a cláusula seja descumprida, o cachê da seleção é eventualmente reduzido a 50% do valor acordado: US$ 1,05 milhão.

Os direitos de transmissão e copyright também ficam sob controle total da ISE. O Estado revelou ainda uma briga nos bastidores da negociação que levou à mudança da Kentaro para ISE. De um lado ficaram Jose Maria Marin e Marco Polo Del Nero. Do outro Ricardo Teixeira. A manutenção da Kentaro renderia US$ 132 milhões aos seus intermediadores, no caso a família Figer, nos dez anos de vigência do acordo, entre 2012 e 2022. Na queda de braço, cujo enredo parece filme de suspense tamanha a quantidade de reuniões secretas, a Kentaro acabou perdendo a briga pela seleção brasileira.

Em um dos relatos mais impressionantes da matéria assinada pelo jornalista Jamil Chade, o CEO da Kentaro, Phillip Grothe, afirma em email que a Pitch seria testa de ferro da Al Jazeera e que teria pago US$ 50 milhões a cada um dos envolvidos na transação.

Horas depois da publicação da reportagem, a CBF emitiou nota oficial refutando a interferência de terceiros na convocação da seleção brasileira. Em um comunicado recheado de ironias, a entidade compara a equipe nacional a um grupo de rock e afirma que “se uma banda de rock não se apresentar com o seu vocalista, o valor será renegociado”. A CBF diz ainda que a leitura do contrato foi mal intencionada.

Veja a íntegra do comunicado da CBF:

1 – Ao contrário do que diz a reportagem do Estado de S. Paulo, a CBF não “vendeu” a Seleção Brasileira, hipótese ridícula, manchete que não se sustenta em nenhuma evidência e somente se explica pela necessidade do jornalista Jamil Chade de buscar a notícia fácil, que gera escândalos.

2 – A CBF informa também que não leiloou a Seleção Brasileira como diz a reportagem do jornal, outra hipótese infantil, tradição das reportagens deste repórter. O tal contrato citado pelo jornalista não é secreto e em nenhum momento tem influência sobre convocações de atletas e, tampouco, traz prejuízo técnico para a seleção. A matéria, inclusive, pode ser chamada de requentada, já que vários dados deste contrato já foram divulgados, inclusive no próprio jornal.

3 – A CBF afirma que os critérios de escolha dos convocados para os jogos da Seleção Brasileira são e serão, sempre, técnicos. Jogarão e jogaram, sempre, os melhores jogadores em atividade. A população brasileira acompanha, jogo após jogo, a escolha dos convocados, anunciados publicamente, e, portanto, sabe que o jornalista mentiu ao afirmar que as escolhas são feitas por critérios comerciais.

4 – A CBF mantém um contrato com a companhia ISE para a realização de amistosos da Seleção Brasileira. O contrato tem cláusulas de confidencialidade como qualquer outra transação comercial deste nível.

5 – Exceto por causa da leitura mal intencionada que fez o jornalista, o contrato não diz, não aborda, não dá margem a dúvida ou interpretação de que a CBF daria o direito de induzir a convocação de jogadores a quem quer que fosse.

6 – A matéria alardeia, sugere e não prova, a não ser por ilação do autor, que a CBF leiloou a Seleção e distribuiu comissões a agentes, cartolas, testas de ferro e empresas em paraísos fiscais. Nada disto existiu e nada disto foi comprovado na matéria.

7 – A CBF paga rigorosamente todos os tributos em dia, inclusive os pertinentes ao contrato em questão, a despeito de sua formatação jurídica que lhe conferiria isenção fiscal por ser entidade sem fim lucrativo. A CBF informa também que mantém suas contas bancárias sediadas exclusivamente no Brasil.

8 – Se a ISE tem sede nas Ilhas Cayman ou em qualquer outro lugar, este critério para a localização de sua sede é dela e não da CBF. A sua existência é legal e protegida por leis internacionais. A ISE é uma subsidiária do Grupo Dallah Al Baraka, um dos maiores conglomerados do Oriente Médio. O Grupo Baraka tem 38 mil funcionários em todo mundo. A ISE subcontratou direitos à Pitch Internacional, dentro das prerrogativas contratuais que tem.

9 – A leitura de Jamil Chade sobre as cláusulas contratuais foi, como sempre, feita de maneira mal intencionada. No ramo do futebol se um time não se apresenta com a equipe principal o valor do amistoso pode ser reduzido. Se o Barcelona for jogar com o seu time B, sem contar com suas grandes estrelas, como por exemplo Neymar, Messi e Suarez, suas cotas comerciais serão menores. Se uma banda de rock não se apresentar com o seu vocalista, o valor será renegociado.

10 – É natural e compreensível que o contrato de um jogo de futebol de uma grande equipe seja definido com base na presença de seus grandes astros. Caso a Seleção Brasileira viesse a ser representada por jogadores de sua equipe sub-20 ou sub-23, os valores decorrentes poderiam ser inferiores. Importante dizer que esta cláusula tão alardeada jamais foi invocada ou levada a efeito desde o início de vigência do acordo.

11 – Isto não significa direcionamento de convocação do jogador A ou B, segundo a esdrúxula interpretação e conclusão do jornalista Jamil Chade. Trata-se de cláusula meramente de preço e não de ingerência.

12 – É muito importante dizer que muito além do significado comercial estes jogos têm absoluta importância técnica. Servem para avaliação da equipe, a evolução do conjunto dos jogadores e o conhecimento de adversários internacionais.

13 – Os termos do acordo em vigor desde 2006 – portanto, há quase 10 anos – têm inequivocamente proporcionado bons resultados financeiros à Seleção Brasileira.

14 – Há dois anos, aproximadamente, a CBF foi procurada por outra empresa para negociar assuntos que fazem parte do objeto em questão. A CBF conversou e chegou à conclusão de que não era um negócio melhor do que o existente com a ISE, razão pela qual o contrato seguiu vigente. O fato de a CBF ter ouvido outros potenciais interessados significa que está atenta ao mercado e que tem gestores responsáveis e que não se acomodam com situações já estabelecidas em contratos.

15 – A CBF lamenta a leitura arbitrária do jornalista que escreveu a matéria. Sobre diálogos e possíveis minutas que nunca se concretizaram em contratos, a CBF não pode se manifestar. São versões unilaterais, especulações, que ficam sob a responsabilidade do que escreveu o jornalista, que deu asas à imaginação, a insinuações, inclusive sobre comissões de contratos que simplesmente não existem.

16 – A CBF se põe à disposição, de forma transparente, para esclarecimentos de dúvidas remanescentes.

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