O esporte de um modo geral (o futebol, em especial), sempre foi uma atividade humana envolta em uma certa superstição, aliada à ideia de superação. Os anos passam, as tecnologias avançam, mas segue forte a crença de que os fatores subjetivos e impossíveis de quantificar (como motivação, vontade de vencer e esforço individual) são mais decisivos para o desempenho das equipes.
O que dizer então do futebol brasileiro, que é recheado de casos de equipes desorganizadas e com gestões caóticas, mas que acabaram tornando-se vitoriosas? Está certo que, nos últimos anos, essa lógica foi invertida: clubes organizados, com as finanças em dia e que planejam bem suas ações tendem a colher melhores resultados dentro e fora dos gramados.
E a tendência é essa situação acentuar-se nos próximos anos, em um cenário marcado pelo forte avanço da inteligência artificial (IA) nos esportes. Um relatório divulgado nesta semana pela empresa Globant mostra que essa tecnologia veio para ficar e já deixa marcas profundas em toda a indústria esportiva.
Sediada no principado de Luxemburgo, a companhia de tecnologia da informação e desenvolvimento de softwares foi fundada em 2003. Nos últimos tempos, tem ampliado sua participação no universo esportivo. A Globant foi parceira, por exemplo, da Federação Internacional de Futebol (Fifa) na última Copa do Mundo Feminina, realizada na Austrália e na Nova Zelândia.
Em agosto, mês de encerramento do Mundial, a empresa realizou o Tech Summit em Sydney, na Austrália, evento que contou com as participações de Fifa, Los Angeles Clippers, Major League Rugby (MLR), Salesforce e Adobe. O principal tema discutido na conferência foi justamente o uso da IA nos esportes.
Esta não é a única parceria recente da empresa nessa área. Em agosto deste ano, a LaLiga anunciou um acordo com a Globant e a Microsoft para o desenvolvimento de ferramentas direcionadas para treinamentos, engajamento de fãs e transmissões, com foco inicial no futebol, mas que depois deve se expandir para outros esportes. A liga espanhola e a Globant possuem uma joint venture, a LaLiga Tech, lançada em 2022.
Todo esse esforço em torno da inteligência artificial tem uma razão de ser: trata-se de um mercado que cresce de maneira exponencial. O relatório “A IA está mudando o jogo”, da Globant, mostra um avanço anual de 30% ao ano. E a previsão é de que esse setor movimente US$ 19 bilhões em 2030.
Contato direto com os fãs
De acordo com o estudo da Globant, uma das principais transformações trazidas pela IA é que ela altera o modo como as organizações esportivas e as marcas patrocinadoras se relacionam com os fãs. Traduções de legendas em tempo real (que superam a barreiras dos idiomas), reels de destaque personalizados gerados automaticamente e resumos de jogos inclusivos, atendendo a uma ampla gama de interesses, estão entre os recursos que a tecnologia oferece, proporcionando um contato mais direto com os torcedores.
O relatório é taxativo ao afirmar que a IA está eliminando os intermediários entre as organizações esportivas e seus torcedores.
“Uma parte significativa do setor esportivo gira em torno da narrativa, e a IA oferece uma abordagem inata para aplicá-la na geração de conteúdo para interagir com as bases de fãs globais em constante expansão”, avaliou Gonzalo Zarza, diretor de dados da LaLiga Tech.
Patrocínios
Uma das áreas mais impactadas pela inteligência artificial é a dos patrocínios. O relatório da Globant projeta que, dentro de cinco anos, pelo menos um quarto das tarefas que hoje são executadas por 74% dos profissionais de marketing acabarão sendo automatizadas com o uso da tecnologia.
“O acompanhamento em tempo real do sentimento da mídia social permite que os patrocinadores reajam prontamente e se ajustem às preferências em constante evolução do seu público”, destaca o relatório.
O estudo indica que a IA pode oferecer uma segmentação mais avançada de público, de modo a produzir experiências direcionadas e significativas para os torcedores. Além disso, com base nessas informações, a tecnologia pode auxiliar na elaboração das campanhas publicitárias, propondo os dados demográficos e os canais disponíveis mais adequados e garantindo que a mensagem repercuta junto ao público-alvo pretendido.
Operações esportivas
Em seu relatório, a Globant avalia que as próprias operações esportivas serão cada vez mais impactadas pela IA. O documento cita o exemplo do seletor de calendário técnico da LaLiga, que utiliza a ferramenta de automação para escolher as datas mais adequadas para os jogos, considerando fatores como clima, viagens e outros eventos concorrentes que possam impactar a presença do público nos estádios e a audiência na TV.
A IA também já está sendo utilizada em simulações de fluxo de multidões, com o intuito de melhorar a alocação de recursos e facilitar o gerenciamento de multidões, aprimorando, assim, a experiência oferecida ao público.
De acordo com o relatório, as tecnologias de visão computacional são capazes de identificar e responder a possíveis perigos, aumentando as capacidades de planejamento e resposta por parte dos organizadores de eventos esportivos.
Outro aspecto decisivo dessa tecnologia, segundo o estudo, é que ela permite que organizações e marcas prevejam e antecipem comportamentos e necessidades dos clientes. Hoje, 60% dos profissionais de marketing já utilizam IA com o objetivo de aprimorar a experiência dos consumidores.
Gestão de desempenho dos atletas
O relatório da Globant afirma que, hoje, a IA já tem condições de antever com precisão a probabilidade de os jogadores perderem determinado tempo de jogo na próxima temporada, com uma taxa de sucesso de 96%.
O texto afirma que a ferramenta pode ter diversas aplicações para aprimorar o desempenho dos atletas e equipes, ajudando a formular desde os sistema de treinamento, com base em dados obtidos ao longo das temporadas, até realizar a análise das partidas em tempo real.
A Globant chegou a lançar, recentemente, um projeto denominado Perfect Shot, que realizou a análise biomecânica e de dados de grandes jogadores de futebol, na esperança de criar o chamado “chute a gol definitivo”.
O relatório da empresa projeta que a integração da IA nos esportes ajuda a melhorar em 17% o desempenho médio dos atletas e em 28% o das equipes.
“Em última análise, acho que as organizações esportivas terão que empregar IA porque estão em desvantagem em relação a outras equipes e organizações que já a utilizam para analisar seu desempenho e obter insights”, analisou Ernesto Luna Madrid, líder de esportes da Globant.
Desafios
O estudo aponta que a adoção da IA pelas organizações esportivas é necessária, mas deve ser precedida por um planejamento estratégico, de modo a garantir melhores resultados para esse investimento.
O relatório também menciona os riscos que devem ser observados, como questões legais, propriedade intelectual e responsabilidade pelos resultados gerados pela IA.
“O principal desafio enfrentado pelos esportes em relação à transformação digital é a vertigem da imensa mudança. Em contraste com alguns setores, o setor esportivo está atrasado em relação ao avanço tecnológico, pois raramente emprega a tecnologia em aspectos essenciais de suas operações. O segredo está em perceber que se trata de uma série de etapas, e esse desafio não é diferente de outros setores”, concluiu Martin Nanni, diretor de tecnologia da Globant para a Europa.