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O futebol está pronto para ser sócio da mídia?

Novos acordos de transmissão indicam futuro com muito menos dinheiro de mídia no futebol

Quem trabalha com esporte no Brasil sabe que não é novidade alguma a redução do apetite das empresas de mídia na aquisição de direitos de transmissão. Desde o fim dos Jogos Olímpicos do Rio 2016, essa é a realidade por aqui.

Foi essa ausência de vontade das emissoras de TV, somada ao desenvolvimento das plataformas de streaming, que fez com que surgissem projetos como a transmissão multiplataforma do NBB, o Canal Olímpico do Brasil e o pay-per-view (PPV) da Superliga de Vôlei, entre outras iniciativas.

Mais do que vontade em achar novos públicos e deixar de ser subserviente à mídia, o esporte olímpico brasileiro foi encontrando um jeito de chegar ao público final.

Agora, essa parece ser a nova realidade do futebol no país. Até então deitado no berço esplêndido dos direitos de transmissão disputados a preço de ouro pelas empresas de mídia, a modalidade tem de se reorganizar no Brasil pós-pandemia.

Começou com os Estaduais. A Globo fechou o bolso e reduziu o seu apetite praticamente a Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Isso fez com que o Paulistão buscasse o mesmo caminho multiplataforma do NBB em 2018, enquanto os demais torneios tentaram retomar algum protagonismo na mídia com acordos bem mais enxutos.

Em 2023, o Cariocão deu a letra para o mercado de que a mudança é inevitável. O Estadual do Rio, muito mais por política do que por negócio, fez um acordo com a Brax. Nele, os clubes têm um mínimo garantido assegurado pela agência, que assumiu ao lado da Band a bronca de tentar fazer a conta “fechar” e todos lucrarem na transmissão.

Isso só foi possível porque a Brax deve parte de sua existência à comercialização de placas de publicidade do Carioca. O “agradecimento” tem uma conta salgada a ser paga agora.

É a mesma situação que envolve a Série B. A Brax, que chegou para remodelar o negócio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com agências, apareceu para salvar a Segundona da falência (ou seria da readequação de valores?). Garantiu o mesmo que a Globo pagava antes, e agora tenta achar quem pode dividir essa conta com ela.

Tudo isso tem feito surgir um novo modelo de negócio do futebol com a mídia por aqui. Se, antes, a regra era a Globo pagar alto pela exclusividade, agora o negócio é bem diferente. A mídia não faz o Pix completo, e o esporte tem de correr riscos.

A Globo já deixou claro que, para ela, só interessa a “Tríplice Coroa”: Copa do Brasil, Libertadores e Brasileirão.

As demais empresas de mídia, seja na TV aberta ou na TV fechada, adotaram o modelo que fez com que os streamers entrassem para o jogo da transmissão esportiva. O risco não é só de um lado. Se quiser transmitir um evento, o esporte precisa ceder o produto, e os dois vão ao mercado vender as cotas de publicidade.

A nova realidade escancara o quanto a falta de fortalecimento do produto esportivo pesa na hora de negociar com a mídia. Como batemos há 18 anos na tecla aqui na Máquina do Esporte, o esporte precisa entender que ele é a mídia.

Os poucos que notaram isso sofrem para conseguir ter um bom produto para faturar. E o futebol, que sempre esteve deitado no gramado verdinho e suave, não percebeu que tem muito campo esburacado pela frente.

O futebol está pronto para ser sócio da mídia? Ou precisará ainda deixar de ganhar milhões e milhões de reais para perceber que precisa mudar seu escopo de atuação?

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo