A disputa em torno da tentativa da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) de realizar sua própria regulamentação do mercado de apostas esportivas teve um novo capítulo.
Na noite desta quarta-feira (3), atendendo a uma decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), do Distrito Federal, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou às operadoras de internet que bloqueiem, dentro do território do Rio de Janeiro, as URL’s (sigla em inglês que pode ser traduzida como algo próximo a “localizador uniforme de recursos”) de empresas de apostas que não são outorgadas pela Loterj.
Pela medida, ficam impedidas de operar no Rio de Janeiro quase todas as empresas do setor existentes no Brasil, exceto Apostou RJ, Bestbet, Marjosports, Rio Jogos e Pixbet, que já são licenciadas na Loterj. Já Caesars Sportsbook, Key Solution Gaming of Bet, PNR, Purple & Green e SDL Loterias estão em fase de credenciamento junto à autarquia fluminense.
Entidades nacionais protestam
As principais entidades nacionais que representam o setor de apostas esportivas protestaram contra essa medida. Quando a sentença do TRF1 foi proferida, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) emitiu nota manifestando preocupação em relação ao caso.
“A responsabilidade de autorizar, regular, fiscalizar e sancionar as apostas de quota fixa é do Ministério da Fazenda, sendo inaceitável que uma norma estadual preceda a legislação federal” afirmou a entidade.
Na visão do IBJR, o “posicionamento da Loterj fomenta a insegurança jurídica, prejudicando o ambiente de negócios no Brasil”.
Já a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) considera que a decisão da Anatel de determinar o bloqueio, no Rio de Janeiro, dos sites de apostas não licenciados pela Loterj deixará “milhões de jogadores sem acesso a mais de cem plataformas de apostas”. Para a entidade, a medida “infringe princípios legais básicos, sendo os principais deles o da ampla defesa e o do direito ao contraditório”.
A ANJL também acusa a autarquia estadual de supostamente deturpar as regras sobre jogos e loterias. “Há, pois, um cenário de perigosa insegurança jurídica, já que a regulamentação federal, por óbvio, se sobrepõe à legislação do estado do Rio de Janeiro e ao edital de credenciamento da Loterj”, afirma a entidade.
Para presidente da Loterj, decisão é “histórica”
Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, o presidente da Loterj, Hazenclever Lopes Cançado, classificou como “histórica” a decisão da Anatel de determinar o bloqueio, no território do Rio de Janeiro, dos sites não credenciados junto à autarquia.
“Nós havíamos enviado mais de 800 ofícios às empresas, notificando-as sobre a necessidade de se licenciarem no estado. Fomos ignorados. Resolvemos, então, ir atrás de nosso direito. Agora mostramos às demais loterias estaduais como fazer para retirar do ar os sites não licenciados”, afirmou.
Para Cançado, as empresas que pagaram por outorga da Loterj enfrentavam concorrência desleal, por parte das demais casas de apostas não licenciadas.
“Não posso aceitar uma situação dessas. Sou gestor público. Se não tomo uma atitude, perco a cadeira”, ponderou.
O presidente da Loterj afirmou ter convicção de que a decisão judicial que levou ao bloqueio das URLs no estado será mantida até o trânsito em julgado do caso. “Confio na Justiça. Não estamos em nenhuma aventura jurídica”, declarou.
Polêmica das outorgas
Advogado de formação, Hazenclever Lopes Cançado não foge de uma boa polêmica. Durante a entrevista, ele fez questão de defender a política adotada pela Loterj, que, há mais de um ano, vem credenciando empresas interessadas em operar, em nível nacional, no mercado de apostas esportivas on-line.
“O Governo do Rio de Janeiro está em seu direito e em seu dever de explorar e regulamentar um serviço que movimenta R$ 150 bilhões ao ano. Estamos sendo proativos”, argumentou.
Na opinião dele, a demora da União em concluir a regulamentação do setor de apostas criou o ambiente para de disputa entre os entes federativos. “Não existe vácuo. Se a Loterj não agisse, outros iriam ocupar esse espaço irregularmente”, disse.
Um das principais críticas feitas pelas entidades nacionais do setor de apostas (e também por algumas loterias estaduais) ao edital de credenciamento da Loterj está no fato de ele permitir a participação de empresas de outras unidades federativas, que estariam livres para atuar em todo o território nacional.
Outra queixa reside no valor da taxa de outorga e na alíquota sobre o GGR (termo em inglês que diz respeito ao valor apostado por jogadores, subtraindo o total de prêmios e recompensas obtidas por eles) estabelecidos pela Loterj, que são menores do que os previstos na regulamentação federal.
“Somos disruptivos”, defendeu Cançado. “A Loterj não está fazendo pechincha ou coisa do tipo. Quando definimos a taxa de outorga em R$ 5 milhões, foi com base em estudos e muito antes da União estabelecer esse preço em R$ 30 milhões. O mesmo foi em relação à alíquota de 5% sobre o GGR. O Governo Federal poderia muito bem ter colocado o percentual em 4%, 2%, mas preferiu deixar em 12%”, prosseguiu.
Segundo ele, os credenciamentos de empresas interessadas em operar em todo o território nacional, feitos pela Loterj, são embasados em duas leis federais.
Sobre a polêmica com as entidades nacionais do setor, Cançado afirma que elas usariam a Loterj como “cortina de fumaça”, já que, na sua visão não estariam de fato interessadas em operar em um ambiente regulado e com arrecadação de tributos.
“Muitas dessas empresas estão desde 2017 ou 2018 sem pagar impostos. Hoje, o setor de bets no Brasil fatura o mesmo que a indústria farmacêutica nacional. Imagine como seria se todas as empresas farmacêuticas do país não pagassem impostos. Tudo o que usamos é tributado. Ninguém abre um negócio sem recolher impostos. Então, por que as bets podem ter prazo de seis meses ou mais para se regularizarem?”, provocou.
Segundo o presidente da Loterj, empresas que obtiverem a outorga federal estarão livres do bloqueio imposto pela Anatel, no território do Rio de Janeiro.