Em sua primeira entrevista coletiva após assumir a presidência do Comitê Olímpico Internacional (COI), Kirsty Coventry abordou diversos temas atuais da entidade, como Milão-Cortina d’Ampezzo 2026, Los Angeles 2028, o retorno da Rússia aos Jogos, atletas trans e estratégias para atrair a Geração Z ao Movimento Olímpico.
A ex-nadadora do Zimbábue é a primeira mulher e africana a assumir a presidência do COI. Aos 41 anos, também é a mais jovem, além de ser a mais condecorada na galeria de dez presidentes da história da entidade. Em cinco participações nos Jogos, de Sydney 2000 ao Rio de Janeiro 2016, Kirsty somou sete medalhas, sendo duas de ouro.
“Ouvimos as várias Comissões de Coordenação e os Comitês Organizadores e gostaríamos de nos concentrar em Milão-Cortina d’Ampezzo e Los Angeles”, detalhou a presidente, na abertura do evento.
A dirigente se referiu à preocupação maior do momento, que é com a organização das duas próximas edições olímpicas, os Jogos de Inverno de 2026 e os Jogos de Verão de 2028.
“Milão-Cortina d’Ampezzo e Los Angeles estão no caminho certo. Duas semanas atrás, estive em Roma e visitei a primeira-ministra [Giorgia] Meloni. Gostaria de agradecer pessoalmente ao seu governo pelo engajamento que tiveram com nossa Comissão de Coordenação e com o Comitê Organizador”, comentou a dirigente.
Segundo os organizadores dos Jogos de Inverno de Milão-Cortina d’Ampezzo, houve quase 120 mil inscrições para as 18 mil vagas do programa de voluntariado do evento.
“Foi realmente legal ver que mais da metade dessas inscrições foram de pessoas com menos de 35 anos, representando 165 países”, contou.
De acordo com os organizadores, quase metade dos 1,5 milhão de ingressos disponibilizados para o evento já foram vendidos.
“Mais de 30% dos bilhetes foram comprados por pessoas com menos de 34 anos, com divisão igualitária de gênero: 54% homens e 46% mulheres”, contabilizou Kirsty.
Los Angeles 2028
Outro destaque foi o número de inscrições para o “Play LA” ter ultrapassado 900 mil jovens. O programa é uma das iniciativas do Comitê Organizador das Olimpíadas e Paralimpíadas de Los Angeles 2028 de oferecer atividades esportivas e recreativas para comunidades vulneráveis.
“O presidente [do Comitê Organizador de Los Angeles 2028] Casey Wasserman discursou recentemente na conferência de prefeitos dos EUA, com 1.400 membros, para discutir o revezamento da tocha olímpica, que visa a unir o país visitando todos os 50 estados”, afirmou Kirsty.
Uma das iniciativas da nova presidente será em breve ter um agenda com o presidente dos EUA, Donald Trump, para falar sobre o planejamento para a próxima edição dos Jogos de Verão.
“[Os organizadores] nos deram uma atualização sobre a conclusão do envolvimento do governo e outros tópicos, incluindo transporte, acesso ao país, segurança e coordenação, que estava em andamento nos níveis local, estadual e federal”, destacou.

Planejamento
Outro tópico importante abordado pela dirigente foi justamente a ideia de rever o processo de licitação para as cidades-sedes das futuras edições dos Jogos Olímpicos. Anteriormente, havia a escolha com sete anos de antecedência, como aconteceu com a candidatura do Rio de Janeiro 2016, vencedora da concorrência em 2009.
O ex-presidente Thomas Bach reformou esse processo em 2019, transferindo a maior parte do poder de decisão para uma Comissão de Futuros Anfitriões e para o Comitê Executivo, retirando poder dos membros do COI, que deixaram de votar nesta eleição. Anteriormente, havia denúncias periódicas de pagamento de propina a dirigentes para a escolha das cidades-sedes.
As reformas implementadas por Bach extinguiram um calendário fixo para as candidaturas. Em vez disso, os membros do Comitê Executivo têm feito escolhas periódicas sempre que acharem que se trata do momento certo.
Foi assim para a escolha de Paris 2024 e Los Angeles 2028, nomeadas no mesmo momento, e Brisbane 2032. As duas últimas ganharam o direito de abrigar os Jogos 11 anos antes de sua efetivação. Por outro lado, os Alpes Franceses foram escolhidos como sede dos Jogos de Inverno de 2030 apenas seis anos antes do evento.
“Temos agora, com Los Angeles, Brisbane e os Alpes Franceses, a capacidade de ter essas conversas com dados e fatos reais. Isso será realmente importante para esta revisão”, ressaltou a sul-africana.
“O sentimento dos membros [do COI] era de que realmente deveríamos analisar e garantir que não estamos sobrecarregando ninguém e descobrir qual é o melhor momento para escolher”
Kirsty Coventry, presidente do COI
A decisão por Brisbane 2032, tomada de maneira inesperada, frustrou projetos de outros países que pretendiam apresentar candidaturas.
Para Bach, o processo de licitação anterior era muito oneroso para as cidades candidatas e havia muitos perdedores, o que desgastava a imagem do COI com povos e países.
Kirsty já colocou seu dedo no assunto mostrando ter outra visão. Ela organizou um workshop com cerca de 70 membros do COI por um dia e meio após sua cerimônia de posse, em Lausanne, na Suíça. Nessas discussões ficou acordado que será necessário rever a iniciativa.
“Houve um apoio esmagador dos membros do COI para que fosse feita uma pausa e uma revisão do futuro processo de eleição do anfitrião. Criaremos um grupo de trabalho para analisar isso”, contou Coventry, que prometeu criar tal comissão em até duas semanas.
A presidente do COI acredita que prazos muito longos, como os que pegaram Los Angeles e Brisbane, podem significar mais custos de preparação.
Uma reforma no processo licitatório será acompanhada com atenção por vários países que pretendem apresentar candidaturas para 2036 ou 2040. Essa lista conta com diversos países, como África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Catar, Chile, Coreia do Sul, Egito, Espanha, Hungria, Índia, Indonésia e Turquia.
A Índia, que tem melhorado seu desempenho olímpico nos últimos Jogos, é considerada uma forte candidata a eventos futuros. Trata-se do país mais populoso do mundo, mas que nunca teve a chance de sediar as Olimpíadas.

Geração Z
Em busca de rejuvenescer a base de fãs, o COI tem feito iniciativas de conexão com a Geração Z nos últimos anos, com um foco maior nas ações nas redes sociais, introdução de novas modalidades nas Olimpíadas e a criação dos Jogos Olímpicos de e-Sports, cuja primeira edição está marcada para Riad, na Arábia Saudita, em 2027.
“Como Movimento Olímpico, reconhecemos que precisamos não apenas ter um espaço nesses ambientes, mas precisamos entendê-los completamente”, enfatizou Kirsty.
“Porque a maneira como nos envolvemos com os jovens nos e-Sports ou no TikTok é muito diferente de como nos envolveríamos no Facebook, no X, em um e-mail ou no WhatsApp”, completou.
A dirigente contou que viveu uma situação inusitada recentemente. Em uma conversa com os sobrinhos em um aplicativo, quase não conseguiu entender as mensagens abreviadas e cheias de emojis.
Trazendo para a realidade olímpica, a dirigente acredita que é necessário adequar a comunicação do COI para os jovens. Uma das armas pode ser o uso de inteligência artificial (IA).
“Sabemos que temos que encontrar maneiras inovadoras. Acho que aqui também podemos alavancar nossa IA, que foi lançada no ano passado”, comentou.
Para ela, essas ferramentas também facilitarão a comunicação com os 206 Comitês Olímpicos Nacionais e os atletas ao redor do mundo.
“São as plataformas [IA e redes sociais] que iremos implementar e usar para ter um melhor engajamento com a geração mais jovem à medida que avançamos como o Movimento Olímpico”
Kirsty Coventry, presidente do COI
Atletas trans
Outro tema polêmico do momento é a participação de atletas transgênero em competições femininas. Em Paris 2024, Lin Yu-ting e Imane Khelif, que haviam sido reprovadas em testes de elegibilidade de gênero pela Federação Internacional de Boxe (IBA, na sigla em inglês), acabaram autorizadas a competir. Ambas ganharam o ouro, gerando críticas.
“Não faremos nada retrospectivamente”, deixou claro Kirsty, sobre possíveis cassações de medalhas concedidas no verão passado.
A dirigente prega que o assunto seja reexaminado para o estabelecimento de parâmetros específicos para Los Angeles 2028. Em entrevistas anteriores, a zimbabuana já havia admitido que atletas transgênero podem ter vantagens competitivas.
A ex-nadadora olímpica, porém, quer que qualquer decisão seja tomada após uma ampla discussão sobre o tema, ouvindo cientistas, médicos e dirigentes das federações internacionais de cada modalidade.
“Ficou muito claro para os membros [do COI] que a discussão sobre isso precisa ser feita com abordagens e pesquisas científicas e médicas, para que possamos analisar os fatos e as nuances. E, novamente, incluir as federações internacionais que fizeram grande parte desse trabalho”, explicou.
Um dos estudos mais aprofundados sobre o tema é da World Athletics, que gere o atletismo mundial, considerado o principal esporte olímpico.
“Eles têm um lugar à mesa para compartilhar conosco quando se trata especificamente do seu esporte. Porque cada esporte é um pouco diferente”, destacou.
A dirigente criará um Grupo de Trabalho para estudar especificamente esse assunto e trazer diretrizes que já possam ser seguidas em Milão-Cortina d’Ampezzo 2026 e Los Angeles 2028.
“Foi quase unânime o sentimento de que o COI deveria assumir um papel de liderança e reunir todos para tentar encontrar um amplo consenso. É isso o que realmente guiará o Grupo de Trabalho”, informou.

Rússia
O retorno da participação da Rússia aos Jogos será outro tema a ser debatido em breve pela dirigente com os membros do Comitê Executivo do COI. O país foi banido dos Jogos de Tóquio 2020, disputados em 2021 devido à pandemia de Covid-19, por causa de problemas com doping.
Em Paris 2024, o país, juntamente com a Bielorrússia, voltou a ser impedido de participar por causa da Guerra na Ucrânia. Apenas poucos atletas russos puderam competir nas duas últimas edições dos Jogos de Verão, sob a bandeira do COI e sem direito à execução do hino nacional em cerimônias de pódio.
“Ainda não falamos sobre isso no Comitê Executivo. Mas estará. Teremos uma reunião em setembro e outra um pouco mais tarde, em dezembro. Isso definitivamente estará na pauta nos próximos meses”, finalizou Kirsty.