Se eu ganhasse um real a cada vez que lesse ou ouvisse alguém dizer que o torcedor é o maior ativo de um clube, provavelmente a essa altura já estaria em alguma lista da Forbes. Mas essa frase, tão poderosa para inflamar discursos, se esvazia quando confrontada com a realidade de gestão. No dicionário dos negócios, ativos são bens e direitos que podem ser convertidos em valor monetário. No esporte, o fã só se torna ativo de fato quando sua paixão é traduzida em dados, tempo de atenção e, principalmente, receita para os cofres da organização esportiva.
O esporte brasileiro ainda confunde audiência com valor. Contar seguidores e engajamento nas redes sociais virou métrica de prestígio, mas não responde à pergunta central: quanto cada torcedor gera em receita média anual para o clube? Enquanto isso não for medido e servir de balizador para toda a estratégia de gestão e negócios, o discurso seguirá vazio.
Dados, tempo de atenção e a jornada do fã
O primeiro passo é assumir que não basta capturar a paixão do fã. É preciso organizar o relacionamento de forma estruturada. Saber quem ele é, como consome conteúdo, quais produtos compra, quando vai ao estádio, quanto tempo dedica ao clube. Essa jornada não é só estatística: é um mapa que permite transformar paixão em negócio.
No entanto, os clubes brasileiros entregam essa informação de bandeja para terceiros. Plataformas digitais de terceiros sabem mais sobre o comportamento do torcedor do que as próprias entidades esportivas. O resultado é previsível: enquanto Meta, Google e TikTok monetizam de forma recorrente e escalável cada clique, boa parte dos clubes segue investindo pesado na produção de conteúdo de qualidade e celebrando recordes de engajamento que não geram caixa de forma direta.

É completamente entendível que as organizações esportivas invistam tempo e dinheiro para nutrir torcedores e torcedoras de bons conteúdos nas redes sociais. Afinal, ter uma presença forte nos ambientes em que os fãs despejam atenção em grande parte do dia é fundamental para manter um relacionamento próximo. Mas cada canal precisa ter seu papel bem definido na jornada com a torcida, e as redes sociais não podem ser o começo, meio e fim dessa história. Quanto mais tempo o clube tiver do torcedor em canais próprios, mais oportunidades existem de entendê-lo, oferecer uma boa experiência e monetizá-lo.
Apesar da importância de possuir bons e relevantes canais proprietários para a experiência do fã e sua monetização, é fundamental se atentar para que isso não seja feito de qualquer forma. Na ânsia de contornar orçamentos enxutos e falta de time especializado para desenvolver e gerir seus próprios canais, muitas entidades esportivas acabam entregando completamente o controle do dado e o direito de monetizar seus próprios canais para terceiros. Esse é o verdadeiro barato que sai muito caro.
Parceiros são bem-vindos para acelerar processos e trazer tecnologia. Mas existe uma linha inegociável: não se terceiriza canal nem propriedade de dados. Sem estabelecer esse limite, a relação é de dependência, e o clube vira inquilino ao invés de proprietário.
Arpu: A régua que importa
No mercado digital, não importa apenas o tamanho da base. O que define saúde de negócio é o “Average Revenue per User” (Arpu), ou seja, a receita média gerada por cada usuário. A Netflix, por exemplo, reportou em 2024 um Arpu médio global anual acima de US$ 130, chegando a mais de US$ 200 nos EUA e Canadá. O número em si importa menos do que a mentalidade: a capacidade de gerar valor recorrente de cada cliente, seja cobrando diretamente por assinatura ou indiretamente com publicidade.

Outras empresas cuja lógica do modelo de negócios está mais focada em venda de publicidade do que assinatura, como a Meta, tem um Arpu um pouco mais modesto, aproximadamente US$ 50 no ano. Porém, o volume de usuários ativos é tão grande que isso é o suficiente para gerar um faturamento anual três vezes maior que o da Netflix.
No esporte, a lógica deveria ser a mesma. O Real Madrid, que superou € 1,07 bilhão em faturamento na última temporada, não chegou lá apenas pelo alcance global. Se fossemos considerar os aproximadamente 400 milhões de seguidores, o Arpu médio global do clube ficaria na casa dos € 2,50 anuais. Parece pouco, mas esse é justamente o ponto: a escala do esporte é tão gigantesca que mesmo um Arpu baixo é capaz de gerar fortunas.
Agora, imagine se o clube conseguir elevar essa média para € 5 ou € 10 com novos produtos, plataformas OTT, experiências e patrocínios digitais regionalizados? O potencial é multiplicador.
O contraste brasileiro
Enquanto isso, no Brasil, parte dos clubes segue refém de métricas superficiais. “Audiências históricas” são celebradas, mas a monetização real fica restrita à venda dos direitos de transmissão e aos grandes contratos de patrocínio, especialmente pelo momento de mercado, com a regulamentação das apostas no país. A ausência de controle sobre dados e canais explica a fragilidade. Sem saber quem é o torcedor, seus desejos e perfil de consumo fica impossível aumentar o Arpu ou oferecer audiência qualificada para patrocinadores.
Em uma das minhas primeiras colunas aqui na Máquina do Esporte, fiz uma projeção de cálculo do Arpu, e o resultado dos clubes mais populares do país, se convertido em euro, seria ainda mais baixo do que a projeção do Real Madrid: pouco mais de € 1,50 para gigantes como Flamengo e Corinthians, e consideravelmente maior para clubes com bases mais modestas de torcedores.
Isso reforça o ponto de que o Arpu também não deve ser uma métrica de vaidade e muito menos comparativa entre diferentes clubes. Mas, sim, um ponto de partida para uma estratégia de monetização eficiente e para ser comparada em diferentes recortes de tempo para avaliar a eficiência dessa estratégia.
É sob essa ótica que ele é analisado nos relatórios financeiros das plataformas digitais e influencia, inclusive, em altas ou quedas das ações das empresas listadas em bolsas de valores. A Meta, por exemplo, duplicou seu Arpu entre 2020 e 2025, demonstrando eficiência em movimentar as principais alavancas do seu modelo de negócio: tamanho de base, tempo de tela e diversificação nas formas de monetizar o usuário.
Para a indústria esportiva, a pergunta que ecoa é a mesma que já ronda desde o caso do patrocínio Spotify/Barcelona, em que o mundo das plataformas digitais se encontrou com o esporte: de que adianta ter milhões de seguidores se apenas uma fração ínfima é identificável e convertida em receita? O esporte nacional está deixando dinheiro na mesa, enquanto entrega seu maior ativo para terceiros.
Mas o Brasil também tem ótimos exemplos
Se por um lado o esporte brasileiro ainda tem muitos passos a evoluir para se tornar o protagonista da jornada de sua própria torcida, também existem clubes que já estão construindo uma bela história no uso dos dados, tecnologia e canal proprietário.
O Super App do Atlético-MG (Super App do Galo) já é uma realidade para o torcedor atleticano há mais de dois anos e está presente em diversos momentos de sua jornada. As principais notícias do clube, experiências gamificadas, tempo real dos jogos, resgates de experiências, acesso ao estádio, consumo no estádio e até inovações como o show de luzes da Arena MRV acontecem pelo aplicativo.

Todo esse conteúdo e as interações geram cada vez mais conhecimento sobre o torcedor para o Atlético-MG e alimentam sua base de dados. Isso serve como fonte para criação de audiências de interesse que são usadas pelo próprio clube, patrocinadores e parceiros digitais para realizar ativações personalizadas no Super App pela plataforma da Retize, gerando monetização direta e incremento no Arpu.
Com o controle do dado e do canal pelo clube, os parceiros atuam como aceleradores de tecnologia e negócios. Um bom exemplo não só para o mercado esportivo brasileiro, mas também para o global do poder que uma equipe pode ter quando leva a sério a frase “o torcedor é o principal ativo de um clube”.
Sua torcida é seu negócio
Os paralelos de mercado e a realidade atual da indústria demonstram que o futuro do esporte será decidido menos dentro dos campos de jogo e mais na forma como clubes, federações e ligas controlam dados, canais e a jornada dos fãs para acompanhar seu Arpu.
A escolha é simples: ser dono do ativo mais valioso, o fã, ou continuar alugando o próprio patrimônio.
O que você achou da reflexão? Sua organização esportiva está de fato valorizando e crescendo seu principal ativo?
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda os clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário e também auxilia na conexão das marcas aos seus clientes por meio do esporte e dos games
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