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O esporte como espelho do comportamento: Dados, emoção e estratégia

Já que o Brasil sediará a Copa do Mundo Feminina de 2027, que tal usarmos esses dois próximos anos para um pacto intersetorial: marcas, clubes, federações, mídia, governos e universidades alinhados em metas mensuráveis de inclusão, segurança, experiência e saúde pública?

Gianni Infantino, presidente da Fifa, anuncia o Brasil como sede da Copa do Mundo Feminina de 2027 - Reprodução

Gianni Infantino, presidente da Fifa, anuncia o Brasil como sede da Copa do Mundo Feminina de 2027 - Reprodução

Que tal um olhar “menos tático e mais humano” sobre o esporte? Essa é minha proposta, mas não como mídia, e sim como um laboratório vivo de emoções, dados e experiências, um terreno fértil em que marcas e fãs cocriam significados.

Começo pelo básico: o Brasil é um país que vive o esporte dentro e fora de casa. Uma pesquisa recente mostrou que 62% dos brasileiros já foram a um jogo profissional ao menos uma vez na vida e 23% costumam assistir do estádio, prova de que a experiência presencial continua sendo um ritual social, mesmo em um mundo hiperconectado.

Ao mesmo tempo, o consumo remoto é dominante: estudos com recorte nacional indicam que 97% acompanham esportes pela TV e/ou plataformas digitais, e 56% assistem a campeonatos e eventos com frequência. Para a Geração Z, o digital já é o principal canal, o que reconfigura formatos, linguagem e a régua de performance dos patrocínios.

Se o estádio ancora memória e pertencimento, a segunda tela e o feed expandem essa vivência. Do ponto de vista neurocomportamental, isso é ouro: quanto mais pontos de contato contextualizados (som, cor, vibração coletiva, microvitórias no fantasy), maior a probabilidade de consolidar lembranças afetivas e, por consequência, preferências de marca. É por isso que ativação boa não “cola logo” no uniforme, mas “cola junto” na jornada: antes (“teasing” e narrativa), durante (experiência e utilidade) e depois (comunidade e conteúdo).

No recorte de mercado, o futebol continua sendo a “praça central” da atenção no Brasil. Um levantamento nacional recente apontou Flamengo, Corinthians e São Paulo no topo das torcidas, com variações relevantes ano a ano, um lembrete de que afeto esportivo é estável, mas não estático, e que segmentação por microterritórios de fãs (regiões, faixas etárias, hábitos de mídia) entrega ganho real de eficiência. Globalmente, o futebol concentra 41% de todos os patrocínios esportivos, e mais de um terço dos fãs declara achar o patrocínio de marca “atraente”, um sinal de que, quando a entrega é contextual e respeitosa, a presença comercial é percebida como valor, não ruído.

Outro vetor incontornável: o esporte feminino. A Copa do Mundo Feminina de 2023 bateu recordes de audiência e engajamento, com relatórios oficiais indicando cerca de 2 bilhões de contatos globais ao longo do torneio. E vem aí a janela perfeita para o Brasil: seremos sede do Mundial de 2027, uma plataforma inédita para reposicionar o país como polo de experiências inclusivas e conectadas, com legado direto em infraestrutura, base de fãs e “pipeline” de patrocínios. Marcas que entrarem agora, de forma consistente e com causas claras (formação, acesso, equidade), colherão a preferência de uma nova geração de torcedoras e torcedores.

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Mas há um dado incômodo — e estratégico. Apenas 40,6% dos adultos nas capitais brasileiras atingem os níveis de atividade física recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O restante está abaixo do ideal. Para marcas de saúde, bem-estar, alimentação e serviços urbanos, isso abre espaço para iniciativas de “ativação que ativa”: desafios de mobilidade ativa, trilhas gamificadas nos parques, ligas corporativas com métricas de qualidade de vida e programas de cashback em ingressos para quem completar metas de movimento. É patrocínio que vira política de incentivo, e essa é a melhor forma de a marca se tornar hábito.

O que isso pede dos gestores e gestoras do ecossistema? Três movimentos:

1) Da impressão ao insight. Métricas de mídia são ponto de partida, e métricas de comportamento são linha de chegada. Converta o alcance em indicadores de “experiência útil”: tempo no app do clube, criação de rotina (como treinar + assistir + comentar), adesão a programas de sócio-torcedor e NPS (métrica de satisfação e lealdade do cliente usada para medir a probabilidade de uma empresa ser recomendada a outras pessoas) pós-jogo.

2) Da presença à cultura. Patrocínio bom não “invade” o jogo; ele melhora a cultura do jogo. Se a marca facilita a chegada e a saída do estádio, reduz fila, melhora conectividade e cria espaços seguros para mulheres e famílias, ela entra na lista de preferências — e fica. A ciência do comportamento é clara: remover fricções vale mais do que slogans.

3) Do calendário ao ecossistema. Em vez de picos em finais e clássicos, desenhe um “ano esportivo expandido”: base (categorias de formação, feminino, paradesporto), comunidade (rua, escola, parque) e elite (campeonatos). O funil de fãs vira um ciclo virtuoso de pertencimento.

Por fim, um convite ousado, mas necessário. Já que o Brasil sediará a Copa do Mundo Feminina de 2027, que tal usarmos esses dois próximos anos para um pacto intersetorial: marcas, clubes, federações, mídia, governos e universidades alinhados em metas mensuráveis de inclusão, segurança, experiência e saúde pública?

O retorno não será só em mídia ou vendas; será em cidadania esportiva. E isso, do ponto de vista do consumidor, é o tipo de valor que transforma preferência em lealdade, dentro e fora do placar.

Erika Buzo Martins é coordenadora do curso de Administração da ESPM

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